Capítulo Trinta e Quatro.

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MELISSA.

Eu nunca fui uma pessoa calma.
Sou hiperativa e consequentemente super agitada. Nunca tive muita paciência com nada e por aí vai.
Mas desde que eu virei mãe, tudo mudou.

As pessoas se assustam com a minha mudança, eu mesma me assusto… porque sou o ser mais calmo do mundo com as minhas filhas e todas as situações que as envolvem.
Passei por engasgos, choros de horas por causa de cólica, febre e dores de vacina, chororo no carro, no berço ou no trocador e tudo isso partiu meu coração de acordo com a devida intensidade, assim como a maior parte das mães. Abracei, acalmei, fiz carinho, passei horas com ela no colo, fiquei noites em claro… mas nunca chorei junto!

Eu ficava firme, afinal eu tinha que manter a calma para acalmar minha filha. Eu era controlada, evoluída espiritualmente, uma mãe de dar inveja a quem tem 5 filhos.
Até hoje! Hoje desabei!

Coloquei a Maya na cadeirinha para ir à casa da minha sogra e ela começou a se debater e gritar. Aquele grito que dói na nossa alma e quase perfura nosso tímpano. Aquele grito que só quem tem filho entende o quanto dói na gente. Mas eu não tinha opção. O vizinho está demolindo o apartamento embaixo do meu com britadeira, marteladas e etc. O que me resta é fugir de casa com a bebê todos os dias — depois de levar a Valentina para o colégio. — Para evitar que ela fique transtornada.

Então, tentei acalmá-la um pouco – confesso. — Sem resultado. Fechei o cintinho da cadeirinha e pensei: "Quando o carro andar, ela vai parar! É isso que sempre acontece!”. Sai do colégio da Valentina e fui.
Um quarteirão, dois, três, dez… e o choro não parava. Ficava cada vez mais alto, mais forte, mais desesperado. Eu comecei a cantar pra ela. Não rolou. Coloquei a mão na cabecinha e dizia: “Filhinha, meu amor, a mamãe tá aqui.” Não adiantava. Coloquei música, chupeta… nada funcionava. Ela ficava cada vez mais enlouquecida e nesse ponto, eu também!

O trânsito estava uma porcaria. Tudo parado. Ela dava aqueles gritos profundos, que dilaceravam meu coração. Não, eu não deixo minha filha chorando no berço… então por que eu deixaria no carro?
Sim, ela já chorou outras vezes no carro, mas sempre tinha alguém lá atrás, Valentina sentava com ela na maioria das vezes. Então, por mais aflita que o choro me deixasse, eu me sentia um pouco mais confortada, pois alguém estava ali com ela.
Mas dessa vez, era só nós duas e eu não tinha o que fazer! Fiquei imaginando que naquele ponto ela estava se sentindo abandonada e pensando: “Cadê a mamãe? Por quê ela está fazendo isso comigo?”.
Eu falava em voz alta: “Filha, a mamãe tá aqui! A mamãe tá aqui”. Ela não ouvia.

Nada a consolava, nem a mim.
Comecei a chorar junto. Parei o carro no estacionamento de um banco, no meio de uma avenida movimentada, sai correndo, abri a porta de trás e comecei a beijar a minha filha e dizer: “Calma filha. Calma. Me desculpa. A mamãe te ama. Você não tá sozinha! Calma, a gente já vai chegar!”. Minha vontade era tirar da cadeirinha, pegar no colo, abandonar o carro e voltar andando pra nossa casa. Mas não dava. Tinha a obra do vizinho!
Beijei mais ela e ela continuava gritando. Usei meu lado racional, aquele de supermãe, de super heroína e pensei: “Respira fundo e vai rápido que você já passou da metade do caminho!”. Assim o fiz. Meu coração foi ficando aos pedaços a cada choro, a cada grito. Cheguei na garagem, estacionei e abri o carro correndo.
Minha filha estava suada, berrando. Peguei ela no colo, a gente se abraçou por uns 5 minutos e choramos juntas até nos acalmar. Depois disso, ela abriu um sorriso pra mim. Foi do tipo: “Mamãe, eu te perdôo!”.

Eu respirei um pouco mais aliviada. Apesar da culpa que toda mãe sente, me senti humana, me senti mortal.
Mães são super heroínas, mas aprendi que super heroínas também choram.
Tem a obra do vizinho, a britadeira, a vizinha de cima que bate a janela a toda hora, a funcionária doente, a filha chorando, a britadeira, as noites sem dormir, o cabelo caindo no pós parto e você ficando quase careca, o corretor ligando para te mostrar apartamento, a decoradora querendo saber o que você escolheu, a britadeira, o marido pedindo para você organizar happy hours, poucas noites de sono profundo, sua carteira de motorista vencendo e você sem tempo de renovar, a identidade vencida e você sem tempo de renovar, a britadeira, sua vontade de andar de bicicleta, seu peito enorme que não cabe nas suas roupas, a britadeira, seus planos de abrir um novo negócio, a britadeira…

De Repente Pai.Onde histórias criam vida. Descubra agora