Caos e Ordem - Bruce Wayne

Capítulo 1

As ruas estavam praticamente vazias e a atmosfera densa pairava sob Gotham, havia poucas pessoas andando na calçada cheia de lixo e ratos famintos, em sua maioria eram de trabalhadores voltando para casa. Traficantes aguardavam seus clientes nos becos escuros e pouco iluminados, assassinos andavam em meio a escuridão e se misturavam com todos os detalhes misteriosos.

Apesar das dificuldades, considero essa cidade como minha segunda casa, realizei os sonhos e desejos mais íntimos graças a meu anjo do guarda e um pouco de insistência. Eu sou escritora romancista, algo surpreendente levando em consideração minha idade, acabo de completar 21 anos, minhas origens latinas também foram um empecilho, porém fui mais persistente que a negatividade.

Eu nasci e morei no Brasil até os meus 18 anos e suportei experiências traumáticas e caóticas, talvez tenha contribuído na fase de adaptação na cidade do crime, aqui somente os mais preparados sobrevivem. No começo trabalhei como garçonete e sendo dançarina em boates noturnas, foi uma época difícil e as moedas eram contadas, todo dinheiro ganho era destinado a faculdade, comida e casa, os tempos de miséria.

Eu quase não tinha tempo disponível, as poucas horas de lazer serviam para escrever contos eróticos e românticos, conheci Lucius Fox, atual presidente das Indústrias Wayne, eu acredito veemente que foi obra do destino. As memórias permanecem intactas, mesmo com a passagem dos anos, lembro de estar dentro de uma cafeteira simples, o inverno rigoroso e esmagador castigava as pessoas.

A caneca de chocolate quente estava na mesa de madeira desgastada, todas as outras mesas estavam cheias de adolescentes rindo e conversando, como se não houvesse frio ou problemas na vida. Um homem se aproximou e perguntou se poderia sentar comigo, acenti e voltei a escrever no caderno surrado, ideias de enredo e personagens, além de contos cheios de tragédia, aventura e sexo.

Por algum motivo, ele se interessou pelo caderno e iniciamos uma conversa divertida e surpreendentemente agradável, expliquei que eram somente histórias bobas e sem sentido algum, mas Lucius não acreditou. Permiti que ele folheasse as páginas rabiscadas, imagine a minha surpresa quando o homem disse que gostou do conteúdo. Combinamos de repetir o encontro no dia seguinte, aceitei, afinal sua conversa era leve e inteligente.

No mesmo estabelecimento e horário, o presidente da maior indústria da cidade tinha chegado na simplória cafeteria, entretanto ele não veio sozinho, Lucius Fox trouxe a mulher responsável pela seleção de manuscritos que são publicados em sua editora. Cogitei a ideia de virar as costas e ir embora, mas ignorei os pensamentos depreciativos e caminhei com a pouca coragem que possuía naquele instante inimaginável e chocante.

Apesar do nervosismo e ansiedade, nós conversamos e, novamente, meu caderno foi lido e avaliado, dessa vez por uma especialista da área e conhecedora da literatura. Ali começou a jornada de uma vida, meu primeiro livro com o título "Espelho de Jade" foi publicado, sendo um fenômeno instantâneo, exemplares foram vendidos aos montes, transformando tudo em minha vida, foi como renascer.

Terminei os estudos, comprei uma casa adorável no centro de Gotham e mantenho os recordes de venda com as publicações anuais de exemplares, tudo estava seguindo o rumo que sonhei na adolescência. Lucius é o amigo mais próximo que possuo, as visitas estão se tornando frequentes, conheci a sua família e sou proxima da única filha do casal, a jovem é linda e extremamente sagaz. 

Infelizmente, com o sucesso financeiro e desenvolvimento individual, vieram também as decepções e pessoas interesseiras, o amor foi sendo deixado de lado e admito ter ficado aliviada, homens são problemáticos. Foquei e me dediquei ao que era essencial, porém nem tudo acontece como desejamos, o destino se mostrou caprichoso, unindo duas pessoas de mundos opostos, luz e trevas.

Quem poderia imaginar que por trás dos olhos frios do justiceiro mascarado haveria os reflexos da fragilidade de um homem carente de atenção, amor e cuidados? Bruce Wayne e Batman coexistindo simultaneamente, sendo peças de um quebra-cabeças indecifrável, os extremos opostos de um homem quebrado e solitário, alguém que conheceu a dor jovem e mostrou força durante a tragédia.

Nosso primeiro contato foi desastroso e desagradável, não conheci Bruce Wayne, mas sim o cavaleiro das sombras, e admito não ter sido muito sociável ou amigável. Talvez isso tenha despertado sua curiosidade, homens de sua posição elevada e poder aquisitivo, tem a tendência de não saber lidar com a rejeição, é divertido lembrar da cena, principalmente nos dias de hoje e na atual situação. De repente, o morcego estava ali.

(...)

O céu escuro e cinzento contrastava de maneira sombria com a atmosfera da cidade e dos moradores, a maioria nasceu aqui e se acostumou com o clima denso e perigoso. Os poucos postes nas calçadas não conseguiam iluminar as ruas, não como deveriam, eu saia de uma reunião importante com investidores e patrocinadores da editora, alguns animados com a minha presença, seus filhos eram fãs e entusiastas do meu trabalho.

O restaurante era perto de minha casa e resolvi ir andando, recusando a carona que foi oferecida por minha chefe, após um tempo de caminhada notei que era seguida por um trio de homens encapuzados. Assustada, resolvi seguir por um beco, assim eu poderia correr e seguir por atalhos conhecidos, doce engano, os homens conheciam Gotham como a palma das mãos. Meu coração batia acelerado, uma fina cama de suor se acumulou sobre a pele e aumentou a apreensão.

Em determinado momento, fui cercada e encurralada contra a parede, eles vieram na minha direção e não queriam dinheiro, eles se entreolharam e a compreensão me atingiu na mesma velocidade, eu seria estuprada se não agisse rápido. Agradeci Lucius pela teimosia e insistência que tivéssemos aulas de defesa pessoal, mesmo que o velhinho apenas fosse na academia para conversar, mas as aulas se mostraram úteis e inspiraram que buscasse e aprendesse outros tipos de luta.

Agi por instinto e ataquei os criminosos de maneira eficiente e rápida, usando tampas de lixo para deixá-los inconscientes, os rostos estavam cheios de arranhões, marcas fortes e vermelhas dos socos e chutes que distribuí e consegui acertar. A adrenalina diminuiu e tive que buscar apoio na parede suja do beco, eu estava descabelada e com a roupa amassada e com rasgos aparentes, somente depois das coisas se acalmarem notei a figura masculina escondida nas sombras.

A escuridão dificultou a visão, porém as formas de sua fisionomia eram óbvias, a capa longa se arrastando no chão, os chifres com a forma de morcegos, além da posição curvada e naturalmente ameaçadora. Ficamos quietos durante breves segundos, mas recuperei meu controle e a raiva me dominou, ele esteve ali e observou de longe? Batman ou não, merecia uns tabefes na cara para aprender a parar de ser besta, francamente.

- Observando do camarote? - Desdenhei e tentei ajeitar o cabelo, sem sucesso.

- A senhorita tinha controle absoluto dos criminosos, meu auxílio era desnecessário ou útil nessa situação - Respondeu e sua voz era grave e autoritária.

Indignada com sua resposta desprovida de emoções humanas, revirei os olhos e andei na direção que usei para chegar aqui, pulei os corpos desacordados no chão e passei perto do homem mascarado, indiferente a presença do justiceiro de Gotham. O barulho pesado de passos e tecido arrastado em folhas e galhos secos indicou que eu era seguida pelo próprio Batman, atitude surpreendente se for levar em consideração as informações sendo noticiadas em jornais.

- Qual o seu nome? - Questionou quando chegamos na saída do beco, ótimo.

- Irineu - Respondi automaticamente, eu não estava agindo com maturidade, mas sorri e menti descaradamente.

- Desculpe, Irineu? - Perguntou de forma inocente e pacífica, mas a raiva nublou pensamentos e comportamento coerentes.

- Ninguém sabe nem eu - Respondi indo embora, mas ouvi quando ele engasgou, não esperando essa resposta.