Capítulo 2

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Os dias foram passando e evitei sair de casa durante o período noturno, mesmo com a necessidade de comprar mantimentos, todo medo que senti naquele beco serviram para a decisão de permanecer reclusa, evitando ter a mesma experiência nas ruas perigosas dessa cidadezinha. O Batman tem estado ocupado e entretido ultimamente, os índices criminosos subiram de forma preocupante.

Mesmo não gostando do cavaleiro das sombras, admito que ele tem feito um incrível trabalho como justiceiro, inúmeros bandidos e criminosos de alto escalão foram pegos, as celas da prisão nunca estiveram tão cheias de marginais e malfeitores. Apesar do transtorno causado e do trauma vivido, tenho escrito um manuscrito totalmente novo, diferente de tudo que criei desde que cheguei aqui.

Os jornais também tem mantido o povo entretido com os escândalos dos milionários e magnatas, as notícias tem destacado o líder e herdeiro das Indústrias Wayne com novas e, devo ressaltar, muito mais jovens, namoradas do playboy filantrópico. É deprimente ver suas decisões imaturas, mas quem sou eu para ser carrasco de alguém? Fiz muitas besteiras das quais me arrependo amargamente.

Após longas e intermináveis horas com o notebook em mãos, resolvi fazer uma pausa e preparar algo para comer e depois assistir a série que tenho acompanhado com fidelidade e verdadeiro vício. Caminhei até a cozinha, as luzes apagadas tornaram o cenário sombrio e intimidador, é como se a qualquer momento o grupo de homens daquele beco fossem surgir na minha frente e terminar o que começaram e não puderem concluir.

Organizei os ingredientes sobre o único balcão disponível da cozinha, os outros foram ocupados com cartas e presentes de fãs, um pequeno caos organizado, a maioria eram de ursinhos de pelúcia e produtos de beleza, mas logicamente não usei nenhum deles, vai saber o que colocaram ali dentro. Peguei o celular e busquei na playlist por músicas brasileiras, eu tenho muito orgulho de minhas origens, adoro lembrar quem sou e de onde venho.

Aos poucos o cheiro agradável de carne e legumes preencheu o ambiente, além de um pouco de arroz e feijão, a combinação ideal e mais saborosa de todas, faltou apenas batata ou ovo frito, mas estou satisfeita. Me movi no cômodo, dançando com o ritmo carioca, funk tocando em volume baixo, odiaria ouvir todas as reclamações dos vizinhos fofoqueiros, sou o alvo preferido deles, é irritante.

Alheia aos olhares curiosos e intrigados da figura parada nas sombras, um homem se mantinha quieto e facilmente perturbado com o comportamento excêntrico da garota jovem e incrivelmente estranha. O Batman sorria das atitudes livres e despreocupadas, sorrindo de maneira que não fazia a tempos, a garota era o primeiro enigma indecifrável, um mistério e a luz que se destacou na escuridão.

Enquanto isso, preparei uma jarra cheia de suco natural de morangos, talvez não seja tão natural assim, levando em consideração a quantidade de açúcar que coloquei, mas esse segredinho sujo levarei para o túmulo. Montei o prato com comida e enchi o copo com suco vermelho vibrante, empurrei a porta de vidro e coloquei tudo na pequena mesa da varanda, o clima era agradável e fresco.

Comi lentamente, apreciando as luzes e prédios altos, a paisagem de cidade grande é bruta e um reflexo do desenvolvimento que os homens consideram a evolução, talvez temos perdido mais do que conquistamos. Mordi um pedaço do cenoura e acenei para a morada ao lado, uma senhora de 83 anos, a única que eu considero amigável, costumamos tomar chá e comer bolo, sempre na terça-feira.

- Boa noite, Sra. Bennett - Comprimentei animada com sua presença.

- Olá, querida, como está? - Perguntou e sorriu exuberante, os lábios pintados com um tom lindo de vermelho escarlate.

- Muito bem e a senhora? - Perguntei me sentando melhor na cadeira.

- Estou bem na medida do possível - Ela respondeu e acenti discretamente.

- Já jantou? Eu tenho uma montanha de comida ali dentro e tenho certeza que sobrará para o mês inteiro - Ofereci, ciente de todas as situações extremas que ela vive.

- Eu não quero incomodar, querida - Ela afirmou com doçura, mas ignorei.

- Não é incômodo nenhum - Levantei da cadeira e deixei o prato na mesa - Não saia, é rapidinho - Pedi e entrei na cozinha.

A Sra. Bennett é um exemplo de força e coragem, sua história de vida é única, ela foi a principal cantora de Gotham durante anos, os homens costumavam flertar e mandar pilhas de jóias e presentes caros. Entretanto, ela teve câncer nas cordas vocais e foi obrigada a sair dos holofotes e abandonar carreira que construiu com esforços de anos, infelizmente o marido levou todo o dinheiro que ela possuía e fugiu com a sobrinha de 23 anos de idade.

Hoje, ela sobrevive com a aposentadoria que recebe do governo, apenas a quantia que garante aluguel, remédios controlados e seus alimentos mensais, é uma existência cruel de encarar, Helena Bennett é exemplo de mulher guerreira e persistente. Soube através de um vizinho fofoqueiro que ela tem enfrentado um período complicado, inclusive sofrendo com a escassez de comida, por isso tenho mandado cheques anônimos em sua conta.

Notei que nas últimas semanas ela tem usado roupas mais bonitas e frequentado um pequeno supermercado próximo do bairro, as mudanças mostraram que o dinheiro tem sido muito bem gasto, principalmente pelo sorriso constante em seu rosto marcado pelo tempo e cheio de linhas da história. É estranho, mas desconfio que ela saiba que sou eu, afinal eu ganhei muitos casacos de lã.

- Aqui está, espero que goste - Sorri com a tupperware de plástico em mãos.

- Obrigada, você é um anjo - Agradeceu e senti as bochechas esquentarem.

- Anjo? Imagina, adoro um pecado - Ri e a mulher idosa também - Bom jantar - Estendi a vasilha através da varanda.

- Igualmente, Esie - Pegou a tupperware e entrou em sua própria casa.

Terminei de jantar e permaneci sentada e desfrutando do silêncio e quietude, mas não durou muito tempo, os minutos de calmaria e paz interior foram arruinados com a aparição inesperada do homem morcego. Tentei fingir demência e esperei que ele fosse embora, os planos foram frustrados quando nenhum dos impressionantes músculos foram movidos, as vezes questiono se o universo faz isso com o intuito de me irritar propositalmente ou é uma azaração de nascença.

- Quer jantar? - Perguntei colocando fim ao silêncio mórbido entre nós.

- Não, obrigado - Respondeu usando sua voz grave e autoritária.

- Que bom porque acabou - Afirmei sem qualquer inibição ou vergonha.

- Então porque ofereceu? - Revidou sem a mesma postura de antes.

- Sou educada, amor - Respondi vendo o olhar incrédulo do homem.

Novamente, o silêncio inquietante veio a tona e tornou a situação perturbadora, esse é o herói que confrontou o Coringa e capturou um psicopata com sérios problemas mentais, tenho certeza que ele não veio aqui conversar ou pedir conselhos. Então porque o detetive e justiceiro do caos está aqui? Alguém que usa roupas de couro, ou seja lá qual o material de seu uniforme, e combate o crime de maneira voluntária não deve ser normal.

- Você é muito simpático e adorei nossa conversa, mas eu preciso entrar - Levantei na mesma hora, os pensamentos conspiratórios e turbulentos causando medo - Boa noite, que a sua madrugada seja animada e com todos os criminosos que puder encontrar - Entrei na casa e tranquei a porta de vidro, ainda fechei a longa cortina de linho.

Caos e Ordem - Bruce WayneOnde histórias criam vida. Descubra agora