Capítulo 15

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O retorno para minha casa foi pacífico, o carro estava silencioso, me dando tempo para pensar nas reviravoltas que aconteceram. Um homem como Bruce Wayne não desisti fácil, é estranho admitir que gostei da declaração, ele até mesmo recitou Shakespeare. Eu admirei a postura relaxada enquanto dirigia o carro, seu rosto concentrado nas ruas.

Ele vestia roupas despojadas e joviais. O look inteiro era preto, combinando com minha decisão de usar algo obscuro. A calça jeans e a camiseta de mangas longas combinavam, o homem deixou os primeiros botões abertos e uma parte do tórax aparente. Os tênis foram a grande surpresa, eu não consegui acreditar na imagem nítida na minha frente.

As mãos e braços tinham veias grandes e saltadas, algo que despertou sentimentos e pensamentos de que não sinto orgulho. O seu cabelo escuro estava despenteado, Bruce não parecia o mesmo homem de sempre, o cheiro de perfume também havia mudado, algo entre toques amadeirados e café. O aroma trouxe a harmonização perfeita de cada essência, uma mudança e tanto para o Wayne.

- É estranho ver você usando roupas que não são aqueles ternos chiques - Afirmei com admiração e zombaria - É como anunciar algo catastrófico, entende? - Perguntei e Bruce não conteve a risada diante disso.

- Achou que eu usasse apenas ternos na minha vida? É isso? - Perguntou risonho e seu sorriso deixou em evidência suas covinhas - O que exatamente acontece na sua cabeça? - A curiosidade foi palpável em sua voz.

- É melhor nem imaginar, meu cérebro é uma zona de perigo - Sorri agradecendo pelos assuntos triviais que surgiram - E sim, sempre imaginei que você até dorme de terno - Dei os ombros e brinquei com as pontas do cabelo.

- As vezes me pergunto se você caiu em algum momento da infância e bateu a cabeça - Zombou e não acreditei na ousadia.

- Como ousa? - Questionei olhando seus olhos que brilharam em realização.

Bruce está mais solto, mais verdadeiro e sincero. É como se as camadas começassem a derreter ao redor de seu coração, o gelo não resistiu como deveria. É revigorante vê-lo com as expressões faciais tranquilas, sem aquelas rugas de frustração ou o sorriso de desdém, a mudança é gradativa. Eu gostaria de entender como ele chegou a esse ponto. Soube que ele passou vários anos longe de Gotham.

- Eu gosto disso... digo, de conversar, eu normalmente estou rodeado de pessoas com relatórios gigantescos. Eu não lembro quando tive uma conversa agradável, sem pressão ou olhares cheios de expectativas - Confessou, a vulnerabilidade em sua voz me chocou.

- Estou feliz em ajudar, Bruce. Eu admito estar muito surpresa, você não é nada do que imaginei - Declarei olhando para ele com nova atenção e curiosidade renovada.

- Posso fazer uma pergunta pessoal? Eu não quero ultrapassar os limites - Perguntou e me olhou durante breves segundos, antes que voltasse a olhar para a rua quase deserta.

- Claro, vá em frente - Autorizei, eu tinha ideia de para onde a conversa estava indo.

- Entre todas as cidades do mundo, qual a razão de ter escolhido Gotham? - Perguntou e, sem perceber, parei de respirar.

Como eu explicaria que não pensei com clareza no momento da escolha? Eu somente desejei fugir da minha realidade, para longe, o mais longe que conseguisse. A reputação que Gotham recebeu contribuiu e muito, parecia a cidade perfeita para me esconder. Quem seria louco de morar aqui voluntariamente? É sorte e azar misturados com caos e ordem.

- Eu queria desaparecer do mapa, mudar quem eu era e esquecer o passado. Eu perdi a vontade de viver, Bruce. Essa é a verdade, não tem muito o que falar sobre isso. Essa cidade perturbadora e confusa se tornou uma grande válvula de escape. Achei que não pensaria em tudo que perdi se estivesse ocupada tentando sobreviver - Respondi com honestidade.

- E funcionou? - Questionou virando para uma rua que desconheço, suspeito.

- Durante um tempo, sim. O problema se tornou ainda maior quando percebi que nunca podemos fugir da verdade, não importa quais as suas intenções... boas ou ruins - Murmurei baixo, perdida na sensação de alívio que senti em meu coração, foi bom desabafar - Foi uma aventura e tanto. Os primeiros meses tiveram muitas lágrimas e xingamentos. Eu não tinha trabalho e quase desisti de tudo - Afirmei com o sabor amargo que subiu a boca.

- O que mudou? - Questionou parecendo intrigado e ligeiramente enraivecido.

- Eu conheci Selina Kyle, ela me ajudou a encontrar trabalho. Não era nada glamouroso, mas pagava as contas, eu costumava dançar em boates durante a noite - Contei lembrando das vezes que passei a madrugada dançando e entretendo homens bêbados.

- Onde Lucius entra na história? - Franziu o cenho e continuou dirigindo.

- Nos encontramos ao acaso. Ele jura de pés juntos que foi o destino agindo. Lucius se tornou meu padrinho mágico. A publicação do meu livro aconteceu por causa dele, tudo que tenho hoje... é porque tive ajuda - Sorri feliz na certeza de que tenho bons amigos.

Novamente, o silêncio reinou no carro. O tempo passou e Bruce dirigiu por uma rota de aparência suspeita, essa definitivamente não é a rua que leva até minha casa. Ele parou no meio do nada e desceu do carro. Sem casas e qualquer sinal de civilização, eu nunca estive aqui antes e estou um pouco assustada. Seus olhos tinham uma luz bem lá no fundo, eu não acho que ele me traria aqui para fazer mal, ele não parece esse tipo de pessoa. Entretanto as aparências enganaram muita gente.

- É agora que você me mata e enterra os restos no meio do nada? - Questionei abrupta, eu não cairia sem lutar, não mesmo.

- Seu senso de humor é questionável, eu diria... quase ácido - Provocou dando a volta e abrindo a porta do carro - Eu quero mostrar os últimos resquícios de beleza que Gotham tem a oferecer - Afirmou e me puxou.

Estávamos no alto de uma colina, o som do vento era o único ruído presente. Sem todo o caos criado artificialmente, sem máquinas e pessoas discutindo. A cidade inteira era vista aqui de cima, ela parecia ainda mais cinzenta e deprimente. Porém, ao horizonte, pude ver o sol desaparecer lentamente, o céu alaranjado brilhando com intensidade. Alguns pássaros e outros animais ainda se aventuravam através das últimas iluminações naturais.

- É tão bonito - Murmurei atordoada, não havia palavras capazes de expressar tudo que senti ao mesmo tempo.

- É maravilhosa, com certeza - Afirmou e não percebi que ele olhava para mim ao invés da paisagem contraditória.

O clima frio completou a experiência, ela se encaixou perfeitamente com as emoções e pensamentos que tenho sentido. Eu não sabia que Bruce poderia ser romântico, essa é uma descoberta impressionante. Sorri, observando o sol sumir completamente, oferecendo lugar a escuridão parcial da noite. Olhando com um pouco mais de atenção, era possível enxergar indícios discretos das primeiras estrelas, mas nada que chamasse atenção.

- Obrigada por me trazer aqui - Comentei meio constrangida, ele está tentando mostrar que está nos levando a sério.

- Eu agradeço pela companhia, Isie. Esse lugar é especial para mim, foi onde meus pais ficaram noivos oficialmente - Revelou e quase engasguei ali mesmo, incrédula - Entendo que seja difícil acreditar, mas é verdade. Eles eram jovens na época e queriam privacidade - Sorri ao vê-lo contar algo tão íntimo.

- Meus pais ficaram noivos durante uma missão no Rio de Janeiro, bem no meio de um tiroteio contra traficantes - Comentei e ele não foi tão bem sucedido em esconder o espanto e choque que sentiu.

- Estou começando a entender a origem de suas maluquices, querida - Sorriu e bati em seu braço com força - Agora vem, vamos para sua casa. Você parece cansada - Levantou do capô do carro e estendeu a mão.

- E realmente estou - Concordei sabendo que era inútil mentir, minha aparência era bem mais confiável que palavras.

Caos e Ordem - Bruce WayneOnde histórias criam vida. Descubra agora