A sonolência começou a desaparecer, eu havia desmaiado em algum momento após o acidente e as memórias estavam embaralhadas. O interesse súbito do Coringa não fazia sentido, afinal o próprio Batman tomava cuidado em suas visitas, garantindo que tudo saísse conforme o planejando. Eu estava amarrada e machucada, refém de um maluco psicótico. O cheiro desagradável de mofo combinava com o barulho que ecoava através das paredes, eram respingos de água que caiam do encanamento enferrujado.
Eu não sabia como proceder. O que faria com o medo correndo nas veias? Coringa descobriu sobre a minha ligação com o morcego? Mas como? Bruce irá demorar muito tempo para perceber meu sumiço? As perguntas sem respostas aumentavam conforme um pouco de racionalidade despertava. Eu respirei fundo e tentei reacender a chama da esperança. A situação dos meus ferimentos era decadente, sangue seco era visível através da pele e estava impregnado no tecido ainda úmido das roupas. É lamentável.
O ambiente possuía aspectos preocupantes. Eu provavelmente estou no esconderijo do palhaço e ele está observando através de câmeras escondidas, me senti impotente e encurralada. Me movi com força na tentativa de soltar as mãos, porém sem sucesso. Sua tentativa de causar medo estava funcionando e cada segundo se transformou em uma breve eternidade. A verdade é que posso imaginar a reação de Bruce e eu não gostaria de estar por perto. Alfred terá trabalho e ficará exausto ao tentar acalmar o homem.
- Vejo que minha hóspede acordou - Afirmou de maneira descontraída, a voz do palhaço despertou as piores sensações possíveis em mim.
- O que você quer? Dinheiro? - Indaguei e desisti de qualquer tentativa de fuga, por enquanto.
- Dinheiro? Não, não, não. Eu tenho planos mais importantes do que a mediocridade do homem. Tudo se resume em dinheiro para você ricos? - Desdenhou e admito não ter gostado do tom usado.
Eu tinha duas opções sobre a mesa. A primeira envolve o meu silêncio e total colaboração, mas qual o sentido de dar exatamente a reação que esse tipo de gente espera alcançar? É inaceitável. E a segunda alternativa é tornar a experiência totalmente estranha e fora do normal, mesmo que significa tortura e mais ferimentos dolorosos. Bruce poderia não chegar aqui a tempo de me salvar, então eu morreria lutando para não demonstrar submissão. Esse desgraçado ferrou com a minha perna e ainda me sequestrou. Eu sorri e ignorei os sinais de alerta que acenderam.
- Me conta uma piada - Comentei após minutos de reflexão e discussões mentais acaloradas.
- O quê? - Perguntou incrédulo, reação aceitável para alguém tão controlador e amedrontador.
- Você não é palhaço? Então me conta uma das suas melhores piadas - Repeti assumindo a máscara de seriedade que aprendi com Bruce.
O Coringa ficou completamente imóvel, apenas olhando para meu rosto e piscando os olhos. Eu vi os seus punhos se fechando e abrindo com força, ele se manteve inalterado durante muito tempo. Admito ter ficado apreensiva, o arrependimento fez com que um vendaval levantasse várias dúvidas. É sensato fazer a estupidez de desafiar o palhaço do crime? É como se atirar na frente de um leão e desafia-lo sem qualquer preparo físico e psicológico. E tudo isso por orgulho e ego? Estou começando a achar que não tenho uma mente tão equilibrada quanto deveria.
- Acha que estou brincando, amor? - Questionou e não gostei do apelido escolhido, parecia errado não ser dito pela voz rouca do Wayne.
- Eu acho que você é louco, isso sim - Respondi com a maior naturalidade do mundo - Tudo bem, vou começar - Anunciei fingindo alegria.
Assim que o bebê nasceu, começou a falar:
– Vou morrer em quatro dias. Minha mãe vai morrer em seis dias. E meu pai, em 30 dias.
Dito e feito: quatro dias depois, o bebê faleceu. Seis dias depois, foi a vez de sua mãe. O pai, desesperado, vendeu tudo o que tinha e gastou todo o dinheiro o mais rápido que pôde. Porém, 30 dias depois quem morreu foi o vizinho.
- Entendeu? O filho não era dele - Expliquei rindo e orando a Deus para o Batman chegar logo.Sua explosão de raiva foi rápida e destrutiva. Eu parei de rir quando ele se aproximou e colocou a faca contra minha garganta. O medo aumentou e lágrimas ameaçaram ser derramadas, mas lutei para continuar neutra e não demonstrar fraqueza. O olhar cruel tinha a frieza de um monstro incontrolável e insaciável. Era possível sentir a temperatura diminuir conforme suas intenções ficaram claras. Ergui o queixo e mantive os olhos fixos nos dele, retirando coragem de onde tinha puro pavor e absoluto desespero. Eu apertei botões e abri a jaula da fera descontrolada, a responsabilidade do que aconteceria era somente minha.
- Por quê tão séria? Vamos colocar um sorriso nesse rosto - Sussurrou e senti a lâmina afiada sendo colocada no interior da bochecha direita - Acha que o Wayne olharia para você assim? - Perguntou e senti a textura fria do metal prateado.
A insensibilidade por baixo da pergunta possuía um peso muito grande. Felizmente, enxerguei o vulto preto se movendo no teto e acabei sorrindo aliviada e grata pela sorte que tenho. Quem precisa do herói de armadura reluzente quando possuí uma amiga leal e imprudente? O peso sumiu dos meus ombros e tive a certeza de que nunca estaria sozinha. A salvação me alcançou através de orelhas de gato, unhas afiadas e uniforme de couro. A minha salvação não tinha nada haver com morcegos e capas esvoaçantes. A mulher gato veio pessoalmente atrás de mim.
- Acho que deveria correr, palhaço - Aconselhei e ele olhou para a mesma área que eu.
Seline saltou e acabei ficando impressionada. A sua elegância e delicadeza eram surreais, ela ficou em pé sobre o chão coberto de lixo. Observei atenta toda dança produzida por seus corpos durante a luta, seus movimentos eram estrategicamente pensados. Senti o oxigênio fugir dos pulmões quando Coringa puxou uma arma da cintura e disparou sem hesitação. Nada me preparou para a imagem de minha amiga caída. A culpa era minha! Se eu tivesse ficado em casa... nada disso teria acontecido. Gritei e lutei contra as cordas.
- Eu vou matar você, desgraçado - Prometi e fui consumida pela raiva incandescente.
- Quer ouvir uma piada? Vocês duas iram sair daqui vivas - Respondeu e soltou a famosa risada, os seus capangas também riram.
- A única piada aqui é você - Gritei furiosa e não parei de olhar para a mulher sangrando.
- Você nunca sabe a hora de calar a boca? Essa situação não vai acabar bem, chuchu - Provocou sem esconder a satisfação que sentia.
- Estou contando com isso - Respondi torcendo para que o morcego chegasse antes que eu soltasse as mãos e fizesse uma loucura.
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Caos e Ordem - Bruce Wayne
Teen FictionEvangeline Eloíse Santos, brasileira de apenas 21 anos, se mudou para Gotham em busca de uma vida melhor, tentando esquecer seus traumas, tristezas e a solidão. Apesar da atmosfera sombria e os elevados índices de violência, ela foi acolhida pela ci...