Horas depois
O tempo estagnou no lugar. Eu só queria dormir e acordar desse pesadelo horrível, mas minha sorte é inexistente no momento. A minha mente buscou pelo que considerava seguro e confiável... a face de Bruce preencheu esse espaço vazio. Eu quase podia ouvir a sua voz sussurrando provocações infantis e sorrindo lindamente, do jeito que apenas ele sabe fazer. O seu olhar queimando em êxtase enquanto dançávamos e ríamos como tolos apaixonados. A certeza de que fui amada, diminuía o medo de morrer.
Eu não era estúpida, ainda estava apavorada de maneiras além da compreensão, porém memórias se abriram e simplesmente explodiram meu cérebro. Era como um resumo de minha breve existência, talvez o ceifador da morte estivesse me presenteado com um alívio momentâneo antes de buscar minha alma. Tive a oportunidade de recordar as brincadeiras que meus pais faziam e rendiam boas gargalhadas, eles tinham espíritos feitos inteiramente de bondade e amor. Não contive as lágrimas quando Lucius Fox surgiu, tudo começou por sua causa e sou grata.
As memórias envolvendo minhas amigas eram as melhores, havia uma atmosfera iluminada que não mudava por nada, ela apenas brilhava. Saber que tive a capacidade de reconstruir minha vida, mesmo após tanto sofrimento e dúvidas, não tinha preço. Eu sabia que encontrar tantas pessoas boas era um milagre, a probabilidade nunca foi tão favorável. Sair do Brasil e desembarcar em Gotham era amedrontador, crimes e mortes aconteciam frequentemente nos dois países e ninguém se importava o suficiente para fazer todas as mudanças necessárias.
Isso até a chegada do Batman.
O palhaço ordenou que minha amiga tivesse as mesmas regalias que eu, agora nós duas estávamos amarradas a cadeiras desconfortáveis. O seu traje de coloração escura estava manchando, sangue fluía do ferimento causado pela bala. Eu percebi que ela tinha suor escorrendo em sua testa e pescoço, além de um ligeiro tremor pelo corpo, eram péssimos sinais para alguém que acabou de ser baleado. Além de sentir as dores aumentarem devido a ausência de remédio, era impossível ignorar a culpa crescente.
Eu sempre me orgulhei de saber exatamente as maneiras certas de descrever emoções humanas que a maioria tem dificuldade de expressar. As histórias e enredos que criei eram extensões de mim mesma, os lados de minha personalidade que lutei para omitir. O contato direto com o Coringa destruiu a confiança de uma vida inteira, ele me deixou assustada. Eu voltei a ser a garotinha chorona que acabava de saber que os pais tinham sido mortos. A diferença é que neguei as lágrimas a chance de mostrar fraqueza.
- Isie - Congelei ao ouvir a voz arrastada e baixa, era feminina, as palavras saíram quebradas.
- Seline? Você está bem? - Perguntei surtando e aliviada com seu despertar da inconsciência.
- Está doendo, Isie - Reclamou e senti a vontade de chorar aumentar e atingir níveis elevados.
- Eu vou tirar você daqui, ouviu? - Assegurei e os seus suspiros vieram carregados de dor.
A nova onda de esperança renovou o espírito. O medo sendo substituído por determinação. Eu movi as mãos com desespero e tentei soltar as amarras. A fricção constante e desenfreada causou ferimentos e a pele foi rompida. Eu tentei ignorar a dor, mas sentia que ela permaneceria sempre fresca na memória. Era uma luta contra a tempo, felizmente, o esforço trouxe resultados e comemorei quando a corda afrouxou de forma recompensadora. O suficiente para que elas se soltassem e eu encontrasse liberdade. Eu levantei da cadeira e senti a queimação na perna.
A calça jeans estava rasgada, mostrando o lado deteriorado da panturrilha esquerda. Os arranhões se encontravam horríveis, o tecido grudou na pele e uma boa quantia de sangue seco aumentou a aderência. E a situação piorou quando ouvi passos pesados vindo ao nosso encontro, mas esses eram diferentes, o seu ritmo constante divergia do drama do Coringa. Forcei os músculos a obedecerem e aguardei atrás da porta e implorei aos céus por intervenção. Eu esperei como o leão observa e espera a hora certa de atacar.
O seguidor do palhaço entrou e congelou, seus olhos buscaram por mim com desespero. Eu pulei da melhor maneira que pude, levando em consideração a extensão das escoriações, e soquei o seu rosto nas áreas com maior vulnerabilidade. Ele não revidou, era óbvio que não esperava pelo ataque. Ele caiu no chão inconsciente e, por um instante, desejei estar deitada na cama bem longe desse inferno. Vasculhei as suas roupas esfarrapadas e procurei armas úteis, somente encontrei duas armas carregadas.
- Tem que ser brincadeira - Murmurei e comecei a olhar ao redor, havia um bastão de baseball jogado próximo de um monte de entulho e lixo.
- Eu conheço esse olhar... - Afirmou Seline e não conteve a preocupação presente no olhar.
- Aqui, o desgraçado tinha apenas duas armas - Comentei indo até ela e desamarrando seus pulsos, a mulher gato agradeceu - É para atirar, entendeu? Sem hesitação ou misericórdia - Ordenei entregando cada uma delas em suas mãos.
- E você? - Questionou assustada, era a primeira vez que ela demonstrou essa emoção.
- Eles foderam com a gente, amiga. Eu vou atrás de cada um deles e vou retribuir a gentileza, ninguém mexe com minha família e fica impune - Assegurei na mesma intensidade, mas incentivada por raiva.
- Eloise, essa não é você. É o ódio nublando seu cérebro e impulsionando suas atitudes. Eu sei que as pessoas boas não buscam vingança - Respondeu e o som de mais passos interrompeu a conversa.
- Então, talvez eu não seja boa - Murmurei antes de segurar o taco de baseball e gira-lo no ar.
É provável que os homens tenham sentido falta do companheiro e vieram averiguar, grande erro. Sorri e caminhei determinada a garantir a saída de Seline e eu desse maldito lugar esquecido por todos. Eu tinha esquecido da sensação ardente da adrenalina que se comportava igual a combustível. O meu corpo tinha a agilidade e força necessárias para causar estragos, o caos absoluto encontrou seus destinos. Eu soquei os homens responsáveis por meu sequestro, chutei uma boa parte da escória de Gotham e desviei de ataques e investidas perigosas. Sairemos daqui!
Eu torcia para que o Batman chegasse, porém o mascarado poderia nunca chegar. Eu não poderia ser a princesa indefesa para sempre, as vezes temos que levantar e assumir as rédeas da situação. É como ser a Princesa Fiona e permanecer trancada na torre. Era semelhante a olhar para as estrelas e implorar para a chegada do amor eterno. Eu decidi levantar e revidar. Eu decidi ser meu próprio pequeno milagre! Bati com o bastão de baseball e derrubei o exército de homens armados, a maioria não sabia usar a arma que exibia com tanto orgulho. É melhor assim.
- Apareça, palhaço desgraçado - Gritei quando o último indivíduo foi rendido e trancado na minúscula sala que encontrei no lugar, corrente e o cadeado não eram novos, mas funcionaram
- Quer brincar, bonequinha? - Sussurrou e sentia que faíscas voaram através da voz gelida.
- Por que tão sério? Vamos colocar um sorriso nesse rosto - Repeti suas palavras anteriores e girei o bastão com facilidade, havia sangue na ponta.
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Caos e Ordem - Bruce Wayne
Teen FictionEvangeline Eloíse Santos, brasileira de apenas 21 anos, se mudou para Gotham em busca de uma vida melhor, tentando esquecer seus traumas, tristezas e a solidão. Apesar da atmosfera sombria e os elevados índices de violência, ela foi acolhida pela ci...