Capítulo 23

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Ignorei deliberadamente a instrução que Bruce realizou antes de partir. Eu vasculhei as gavetas e armários em busca de aparelhos ou apetrechos tecnológicos malucos. Identifiquei morcegos de diferentes tamanhos voando em pontos específicos. O som de pingos de água tornava a atmosfera ainda mais sombria, mas combinava com todo o restante.

Eu tentei manter a mente ocupada ou os pensamentos sob controle, entretanto havia o sentimento de impotência e preocupação. Era opressor não ter informações. O tempo parou de funcionar como deveria... os segundos não passavam tão rápido quanto deveriam. Eu era um vulcão prestes a entrar em erupção, todas as emoções tinham se misturado.

Em determinado momento, encontrei os famosos batarangues do herói mascarado. Eu fiquei eufórica e resolvi testar os objetos, tudo em prol de uma distração saudável. Peguei as ferramentas em formato de morcegos e atirei na parede, onde haviam alvos presos. Eu sorri e aproveitei a oportunidade, isso ajudaria com a montanha russa que me dominou.

A atmosfera gélida era incômoda e esse vestido fino não contribuía com nada. Uma de suas capas foi esquecida na bancada e quase consegui sentir o calor agradável. Eu andei na direção e envolvi o material maleável sobre os ombros. O interessante foi o cheiro intenso de morangos frescos, o mesmo amaciante que é utilizado na minha lavanderia.

Isso desencadeou memórias antigas... a verdade é que eu lavei essa capa. Estava com manchas de sangue por todos os lados. Eram pequenos detalhes, mas desencadeou muitas borboletas no estômago. Ele guardou mesmo depois de tanto tempo? Infelizmente, eu tinha esquecido aquele fatídico dia, talvez pelo fato de estar bêbada além da conta.

O Batman retirou a própria capa e trouxe para mim... tão carinhoso e cuidadoso. É uma sensação complexa relembrar de atitudes que passaram despercebidas por mim. Bruce e eu teríamos histórias variadas para contar, todos os momentos constrangedores que criamos e vivemos em pouquíssimos meses. O som das engrenagens foi ouvido e Alfred chegou.

- Senhorita? - Murmurou chocado com a minha figura parada no meio da caverna.

- Olá, senhor - Acenei educadamente em sinal de respeito - Tudo bem? - Indaguei como se fosse algo natural e rotineiro.

- Como chegou aqui? - Exigiu parecendo estar quase surtando, reação aceitável se nós pensássemos no segredo revelado.

- Bruce me trouxe aqui e saiu depois que garantiu que estivesse em segurança - Afirmei fazendo o resumo do que aconteceu.

- Ele contou? - Questionou e neguei com a cabeça imediatamente.

- Eu descobri sozinha - Revelei e omiti as participações de minhas amigas, imagino que Bruce não ficaria feliz sabendo que Seline não guardou sua identidade misteriosa.

- Compreendo... - Comentou e ficamos a mercê do silêncio constrangedor.

- Eu prometo manter tudo no sigilo e não interferir em nada, Alfred. Gotham precisa das mãos firmes do Batman... só Deus sabe como estaríamos sem ele nos protegendo - Suspirei e seus olhos amoleceram e a postura relaxou, era como receber sua benção.

- Apenas cuide do meu menino - Pediu e compreendi o amor fraternal entre eles.

- Desde que você cuide da Sra. Bennett - Provoquei antes de sermos interrompidos pela chegada do proprietário da mansão, Alfred foi discreto e se despediu de mim.

O batmóvel parecia mais imponente, era sinônimo de poder e justiça. Me aproximei e a imagem do morcego saindo do automóvel era inesquecível e acalorada. Eu ainda segurava o batarangue que restou e mantinha a capa. Ele apenas olhou e balançou a cabeça, mas havia um pequeno sorriso em seus lábios. Reagi em instantes e o abracei apertado, despejando os medos e incertezas para longe.

- Mexeu em tudo, não é? - Perguntou em um sussurro aliviado, ele permaneceu com os braços ao meu redor.

- Já estava assim quando cheguei - Sorri enquanto aproveitava o abraço quente.

Ambos sabíamos que era mentira, prova disso era a bagunça explícita. Os armários me entregaram logo de cara, afinal haviam muitas ferramentas fora do lugar. Eu queria falar uma infinidade de coisas para o homem parado na minha frente, mas não consegui. A verdade se tornou forte demais... eu amava Bruce Wayne e isso era assustador no momento. O fato era incontestável, a frequência cardíaca rápida de meu coração comprovou a teoria.

- Eu também amo você, Bruce - Afirmei e a fragilidade inicial desapareceu.

Ele disse as três palavrinhas primeiro na varanda de sua mansão, e nada apagaria essa memória valiosa. Bruce confessou que amava uma brasileira maluca e desbocada. Seu olhar brilhou conforme ele entendeu a situação, ele parecia incrédulo com a confissão. Eu sabia a série de obstáculos que enfrentaria, afinal não seria um relacionamento comum. Eu estaria a par do bilionário disputado e do anti-heroi que muitos odeiam. Seria um desafio.

Eu provavelmente passaria noites sem a companhia de Bruce para me aquecer e talvez não conseguisse dormir, aflita com o trabalho noturno que ele realiza toda madrugada. Teria que suportar o assédio da mídia e ouvir todas as mulheres julgando cada ação tomada. Não seria um paraíso, disso eu tinha certeza. E era óbvio que teríamos discussões, ambos temos personalidades fortes e provocativas.

Ou, talvez, não progrediríamos como era esperado por mim. Talvez, nosso namoro nem atingisse níveis seguros. Esse é meu defeito e pior traço que carrego... pensar demais. Bruce cresceu com outro estilo de vida, enquanto eu gostava da coisas simples. Eu tinha dúvidas e incertezas, mas decidi arriscar tudo e abraçar a possibilidade de companheirismo e amor. O futuro era incerto, mas emocionante.

- Pegou o palhaço maldito? - Perguntei e ele recuou e respirou fundo - Oh ou... isso não parece um bom sinal - Murmurei.

- Ele conseguiu fugir, Eloise - Admitiu em irritação mortal, sua voz ficou gélida e fria, um tom bastante diferente do habitual.

Eu sabia que ele estava culpado, ambos eram conhecidos pelas disputas recorrentes e violentas. O fuga do vilão afetou seu ego, eles eram como peças opostas do tabuleiro tóxico dessa cidade amaldiçoada. As pessoas tem o medo desesperador de sair de casa, bandidos tem se multiplicado nos becos escuros. Culpa corroía os pensamentos de Bruce, ele sentia a necessidade de proteger a população.

- Você vai encontrar um jeito de deter os planos desse maluco, Wayne. Aconselho usar as técnicas que usou comigo: perseguição ou vencer pelo cansaço - Brinquei e funcionou da maneira que deveria, ele sorriu.

- Eu não persegui você - Respondeu e eu não acreditei na sua capacidade de atuação e nas mentiras descaradas.

- Tem razão, você venceu pelo cansaço - Zombei e reverei os olhos, era bom conversar abertamente e sem qualquer filtro.

- A minha boa aparência não contribuiu? - Questionou me puxando para mais perto, era automático e natural essa proximidade.

- Boa aparência? Quem mentiu de forma cruel para você, Bruce? - Desdenhei e envolvi os braços ao redor de seu pescoço.

Dessa vez não houve respostas e senti a adrenalina diminuir aos poucos. Eu fiquei com o coração apertado somente ao imaginar qual seria o desfecho da história caso o Coringa se mostrasse ainda mais ardiloso. Eu ficaria sem poder admirar seus olhos que gradativamente tem ganhado brilho e vida. O cansaço chegou e senti as consequências iniciais da festa que planejamos juntos. Eu precisava de um banho quente e cobertores felpudos.

- Acho melhor ir embora - Sussurrei e ele franziu o cenho - Estou exausta, morceguinho - Confessei e bocejei logo depois.

- Dorme comigo, Isie - Pediu e fiquei sem saber como reagir diante disso.

- Apenas dormir, certo, Wayne? Sou uma mulher de família, então mantenha a cueca no lugar e tenha pensamentos puros - Afirmei em tom de brincadeira, mas fiquei surpreso como suas bochechas ficaram rosadas.

- Inacreditável... - Sussurrou andando de maneira apressada para longe com o objetivo de tirar o uniforme e subirmos para a mansão extravagante e agora silenciosa.

Caos e Ordem - Bruce WayneOnde histórias criam vida. Descubra agora