Boa leitura!
Ao acordar, me deparei que Letícia ainda dormia. Ela tinha um sorriso no rosto mesmo que estivesse desmaiada e eu gostava de vê-la feliz. Ou melhor, de ser o motivo dessa felicidade. Eu podia ter transado mil vez com Camila, mas nada tinha sido como ontem. Fora real. Ao menos para mim.
Minha mão desceu pelo corpo dela em formato de carinho indo de suas costas até sua bunda. O fato dela estar com minha camiseta me deixava mais fora de controle, mas no momento não a acordaria porque queria um tempo para mim. Me levantei com cuidado retirando meu peito debaixo dela e caminhei até o banheiro porque precisava muito mijar. Depois de fazer xixi, parei pra pensar no que minha mente não queria refletir desde ontem à noite.
Eu não havia dormido bem. Eu poderia depois daquela transa que me deixou cansado visivelmente, mas duas palavrinhas me incomodavam e minha ansiedade não deixou que eu caísse no sono.
Amizade colorida.
Elas me faziam odiar o amor ainda mais. Eu odiava senti-lo. Ela me via só como um amigo importante talvez e alguém que ela pudesse gozar de vez em quando. Passei as mãos nos meus cabelos em constante confusão. Era aquilo de novo, um ciclo viciante.
Outra garota me fazendo de bobo, só que dessa vez não é uma simples garota, é só a menina que eu protegi com unhas e dentes do meu relacionamento abusivo. Minha única melhor amiga da vida toda. Aquilo mudava tudo. Minha única reação quando ela disse que eu era apenas seu amigo colorido foi rir, porque eu queria me proteger, porque eu precisava.
Precisei a vida inteira.
Letícia virou de um lado pro outro na cama com seus cabelos acompanhando. O problema é que ao olhar para ela eu poderia fingir que tudo é um jogo. Uma brincadeira. Na verdade, pra ela foi isso mesmo, desde o começo. Mas fingir nunca foi meu forte e para mim não era brincadeira.
Eu tinha sido inconsequente desde a morte da minha mãe...
A culpa me atingiu com força. Eu não deveria ter deixado a cidade! Não deveria ter beijado, muito menos transado com a Ti! Eu... Eu... Lá estava vindo todo aquele maldito estresse na minha cabeça. Eu não deveria ter feito aquelas coisas, mas eu fiz e não me arrependo. Somente da parte que eu não deveria ter deixado a cidade porque assim minha mãe ainda estaria viva. Eu quero me arrepender de ter transado com ela, mas não consigo. É uma memória boa demais para se arrepender.
Assim como aquela viagem. Não queria ter deixado Pelotas, mas também nem sei quem seria se não tivesse vivido tudo isso. Meu pai me ensinara a ser forte e lutar pelos que amo e fiz isso. Poderia parecer inconsequência para quem olha de fora, mas foram decisões que foram tomadas pensando nos meus amigos e na Ti que também eram importantes para mim. Eu não queria me culpar de ter ido até ali, mas como? Eu nunca mais veria minha mãe na vida!
Chorei porque estava começando a ter um ataque de pânico. Respirei fundo. Eu não podia deixar que Letícia visse aquilo se acordasse. Coloquei minha calça jeans e sai do quarto indo em direção ao meu. Fiz alguns exercícios de respiração buscando a calma.
Eu precisava ser coerente.
A morte da minha mãe não havia sido minha culpa. Eu teria que repetir aquilo mil vezes na minha mente até que entendesse de uma vez por todas. Seria difícil, mas conseguiria.
A Ti quer uma amizade colorida comigo e eu não sei bem se esse é para ser nosso status de relacionamento, mas também não queria entrar em um relacionamento sério. Para evitar essa confusão não deveria nem ter beijado ela, mas acabei até transando e aquilo mudava as coisas para outro patamar que eu não conseguia entender, mas Letícia já havia definido bem. Amigos coloridos.
Talvez eu estivesse disposto a fazer aquilo por ela. Mas e os meus sentimentos?
Rodando no meu quarto, coloquei uma nova camiseta e chequei meu celular que não via há tempos. Erick tinha mandado uma mensagem que precisava falar comigo e me atentei a isso, mas então vi algumas coisas na minha dm do Instagram que chamaram mais atenção devido a manchete que apareceu no meu celular. Abri o link da publicação que me enviaram.
Policiais indefinem avanço investigativo no caso dos adolescentes desaparecidos de Pelotas.
Em uma coletiva de imprensa, os oficiais do norte e sul do país deliberaram informações sobre o caso nos últimos dias. Suas alegações constavam que eles haviam alcançado pistas importantes sobre o paradeiro dos jovens desaparecidos. Essas pistas foram confirmadas e agregavam para a conclusão do caso segundo algumas fontes, porém o delegado de Manaus emitiu uma nota hoje de manhã constatando que o avanço investigativo do caso entrou em data indefinida devido a algumas complicações sobre o crime. O ato criminoso é considerado um sequestro até o momento.
Uma decisão tomada pelas autoridades até agora foi a de não revelar as pistas descobertas à mídia para que não ocorra especulações ou divergências quanto ao que foi descoberto. Não há suspeitos sobre quem seria o responsável do sequestro ou cúmplices envolvidos, deixando muitas perguntas em busca de respostas.
Em uma entrevista feita aos familiares ontem à tarde, o único pronunciamento dos mesmos foi o pedido de consideração por parte da população e dos jornalistas para que não façam mais perguntas a eles devido ao momento difícil que estão enfrentando.
Os adolescentes envolvidos e considerados sequestrados se chamam Igor Antunes, Luana Mazzuchini, Bruno Pereira e Manuela Tomáz. As fotos das vítimas estão inseridas ao fim desta notícia. Caso tenha quaisquer informações contate a polícia de Manaus e de Pelotas imediatamente.
— Meu Deus... Pararam o caso. Por que não vão mais invadir o esconderijo do profeta? — Me perguntei em voz alta com medo. Nossos amigos dependiam do avanço daquela investigação...
Liguei para Erick em seguida. Quem sabe, poderia me preocupar com outra coisa. Entretanto, era difícil saber o que era pior afinal a voz de Erick nas ligações não tinham mais aquele jeito animado que era só dele. Mesmo que ele me dizia estar bem, sabia que nada estava indo bem. Eu queria tanto abraçá-lo, mas o máximo que podia fazer por enquanto era finalizar as ligações dizendo eu te amo, chorando e lembrando da mamãe.
As lembranças da minha infância e as brincadeiras que ela fazia comigo pareciam mais vívidas que nunca. Tenho que segurar para permanecer em pé, não me jogar na cama me acabando de tanta dor. Agora tinha mais aquela notícia para pesar nas minhas costas.
Não tinha data para nossos amigos serem buscados do sequestro.
Eu não entendia por que tinham parado as investigações, já que eu e Ti entregamos tudo. Local, suspeito e como tínhamos investigado. Eles só precisavam resolver com a força bruta ou sei lá o quê. Meu corpo começou a ficar impaciente. Eu precisava entender por que os policiais haviam parado. Sai no corredor e desci até o local do café da manhã. Acho que Letícia continuava dormindo, sempre dorminhoca.
Assim que cheguei no refeitório, encontrei os pais de Ti saboreando uma torta com uma vitamina. A mãe dela me abraçou com força e sorriu sem entusiasmo para o meu rosto perguntando se eu estava bem. Afirmei com a cabeça. Eu via a culpa nos olhos dela. A senhora Gomez se sentia mal por ter sido a pessoa que me dera a notícia. Eu não a culpava, mas olhar para o rosto dela ainda era difícil.
— Por que pararam as investigações? — Fui direto ao assunto e vi o rosto do senhor Gomez ficar sério.
— Olha, garoto. Os policiais nos informaram que o esconderijo onde seus amigos estão pode ser um lugar mais perigoso do que eles imaginam. Há um tempo atrás eles já estavam atrás de uma espécie de máfia daqui da cidade. Tem homens armados lá, mais vítimas e criminosos. Não é um lugar que se queira estar. Eles precisam reorganizar os reforços e saber quando atacar...
Eu fiquei puto. Eles não estavam vendo o que estava acontecendo? Cada dia, era um dia a mais que todos os meus amigos podiam estar mortos e aquilo me enfurecia. Só de pensar que qualquer um deles podia estar sendo torturado ou qualquer coisa ruim, já me descontrolava. Descontei minha raiva fechando minha mão com força e empurrando as unhas contra a pele.
— Eles realmente não tem nenhuma data? Ou foi só o que disseram a mídia? — Eu implorava por informações.
— A única coisa que sei é que pode demorar talvez uma semana ou um pouco mais — respondeu o pai de Letícia.
Tempo demais. Até lá, eu acreditava que já poderia ter acontecido uma catástrofe.
— Obrigado por me contarem tudo. Eu vou sair pra espairecer um pouco — disse não querendo preocupá-los com a minha reação ou com o que pensava sem parar.
Peguei uma maçã e uma banana para aprumar o estômago que também já reclamava a essa altura. Notei que a mãe de Letícia não deixou de me acompanhar e quando vi, ela tinha um sorriso e já estava dizendo:
— Samuel, eu venho esperando esse momento a sós com você para te dizer obrigada — não entendi direito pelo o que estava agradecendo e olhei em dúvida para ela.
— Ah, desculpe. Eu me explico. Eu sei que muitas mães ralhariam e o odiariam por levar a própria filha para o outro lado do país, mas desde que eu cheguei aqui em Manaus, não poderia estar mais agradecida. A Letícia está linda. Ela sempre foi, mas dessa vez há algo diferente nela como se sorrisse mais e estivesse encarando a vida de outra forma. Como mãe, eu sei que temos o poder de enxergar as coisas quando nossos filhos mudam e ela está tão... Bem! Eu não sei explicar direito, eu acho que não tenho sido uma boa mãe no último ano...
— Senhora Gomez — a interrompi e ela me olhou nervosa. — Agora que eu perdi minha mãe, achei que a vida não fizesse mais sentido, mas ela ainda faz. Amar alguém não é uma coisa fácil, você precisa se dedicar a pessoa e buscar entende-la sempre que for possível. Eu sei que você deve ser uma mãe incrível. Só te dou uma dica, aproveite o máximo com a Ti porque tudo que vai restar no futuro são momentos. Minha mãe jamais iria querer que eu desistisse de tudo e sei disso por causa dos momentos. Eles ficaram.
Quando vi, já estávamos abraçados e fechei os olhos. Os momentos voltaram mesmo com força e eu sabia que eles jamais sumiriam. Era grato pela minha mãe. Era por ela que estava pronto para fazer o que faria em breve.
Precisava sair do hotel.
A mãe de Letícia me agradeceu pelas palavras e disse que apesar de eu ser apenas um adolescente já sabia muito da vida. E que aquilo era especial. Eu não sabia se estava certo em fazer aquilo que estava prestes a acontecer.
Talvez ela achasse que eu sabia muito da vida, mas no fundo, ainda era apenas um adolescente inconsequente.
Voltei ao meu quarto e saquei meu celular abrindo a câmera. Coloquei-o pra gravar.
— Então, se alguém estiver vendo esse vídeo, deu merda — ri um pouco diante da situação e como parecia aqueles personagens de filme que deixavam uma última carta ou algo do tipo. — Enfim, eu pensei muito e antes que pensem: "Caramba, aquele moleque idiota praticamente se matou", quero dizer que estou sentindo no meu coração que preciso fazer isso e agora. Uma coisa gritante está dizendo pra eu ir e fazer! Meu pai disse a mim uma vez que eu precisava lutar por aqueles que amo e é o que eu tô fazendo. Nesse exato momento em dezembro de 2017, estou indo atrás dos meus amigos. Eles foram sequestrados e caso precisem saber meu paradeiro, eu fui atrás deles. Vou deixar meu celular aqui no quarto para que alguém veja esse vídeo se for preciso. Erick, você foi o melhor irmão que eu poderia ter, jamais se culpe por nada, você é um filho maravilhoso e com certeza melhor do que eu sequer já fui, afinal não é você que está entrando nessa enrascada agora, né? Olha, eu só te peço algumas coisas. Não exagere nas besteiras, por favor! Não desista dos seus sonhos, eu sei que por mais que você queira ser um jogador de vídeo game profissional, até isso você consegue. Você foi o melhor pra mim nos últimos tempos. Obrigado.
— Letícia... — continuei hesitante. — Foi a melhor noite da minha vida. Passamos um tempo afastados e se quiser pode rasgar uma foto minha me culpando com raiva. Eu vou rir se tiver ido parar em algum lugar chato no pós vida. Mas prometo que não volto pra te assombrar, tá? Eu andei pensando sobre uma coisa... Devemos odiar o amor porque certamente foi ele quem nos trouxe até aqui e foi por culpa dele que eu tô fazendo isso! É uma loucura. Pode odiá-lo, se quiser, mas não podemos negá-lo. Ninguém pode. Eu ainda quero entender melhor essa parte, mas é uma grande ironia já que nós odiamos o amor, mas é por ele que vivemos nossos melhores momentos, não é? Mas então, não vou demorar muito mais. Obrigado também, Letícia, você me fez entender muitas coisas e evoluir como pessoa. Ser forte.
Parei o vídeo por ali. Não queria deixá-lo muito extenso e pensar em Erick e Ti me deixava melancólico com o que iria fazer.
Parei de enrolar e sai do quarto deixando meu celular com o vídeo gravado para trás.
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Nós Odiamos O Amor (CONCLUÍDO)
Teen FictionEra para ser mais uma festa normal, porém um desaparecimento aconteceu. Em Pelotas, Rio Grande do Sul, um grupo de seis amigos resolvem sair para badalar na cidade vizinha, mas somente dois retornam daquela festa. Samuel e Letícia vieram embora mais...