Letícia 0.20

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O lençol era macio e não quis abrir os olhos quando acordei

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O lençol era macio e não quis abrir os olhos quando acordei. Degustei aquela sensação de conforto da cama e soltei um suspiro. Mas então, as memórias maravilhosas da noite passada alastraram minha mente.
 
Socorro meu pai, o que eu faço agora? Eu tinha mesmo transado com o Samuel, e provavelmente estava nua ao seu lado agora...
 
Notei que seu corpo não estava encostado no meu e resolvi abrir os olhos de uma vez...
 
A cama. Eu estava sozinha.
 
A sua parte estava revirada e nenhum sinal dele no resto do quarto. Me desapontei por acordar sózinha, todavia conseguia enxergar o lado bom. Meu rosto estava completamente ruborizado. Durante a noite nem cheguei a pensar, já que o desejo me consumia, mas agora, eu, eu...
 
Pulei da cama tentando manter a calma. Pelo menos, ele não estava por aqui. Não ainda. Ele tinha ido tomar café? Aquilo não era nada romântico e com uma expressão contrariada, imaginei que ele poderia ter me esperado acordar. Mesmo com isso, a errada era eu na história, na noite passada tinha tentado o máximo mostrar que não queria ser um casal.
 
Peguei meu celular que estava jogado pelo chão do quarto. Meu Deus! Era uma da tarde! Deveria ser por isso que ele não aguentara me esperar, eu tinha praticamente hibernado!
 
Joguei uma água no rosto, ajeitando o cabelo e coloquei uma roupa. Talvez ele estivesse me esperando na parte de baixo do hotel e fizesse alguma piada do meu sono infinito. Mas eu nunca tivera uma experiência sexual realmente boa e sendo essa a primeira, eu tinha ficado cansada. Ri comigo mesma.
 
Será que ele havia fugido para evitar constrangimento? Eu que não iria julgar. Mas uma coisa era certa, queria encontrá-lo logo.
 
Ao descer para recepção não o vi, porém Cidalice estava lá, roendo as unhas e checando o celular.
 
— Bom dia! — exclamei sorridente ao meu aproximar.
 
— Ei! Ei! Já é boa tarde né, fofa? — ela me olhou aborrecida e era a primeira vez que eu a via de mau humor desde que nos conhecemos.
 
— Ei, ei digo eu. Tá tudo bem? — Nada poderia estragar meu dia. Eu estava meio avoada.
 
— Não tá sabendo? Seus amigos! Pararam as investigações. A polícia vai demorar mais tempo pra buscá-los — Cidalice cruzou os braços e meu sorriso sumiu na hora que processei o que tinha sido dito.
 
— Não vão mais buscá-los? —  olhei com seriedade para o rosto da minha amiga.
 
— Isso mesmo. Falaram que precisavam contratar reforços, ter certeza de como agir e algo assim. Eu nem imagino como vocês devem estar se sentindo — quando ela disse vocês, imaginei que precisava encontrar Samuel diante dos novos fatos. É claro que ele já sabia, devia ter acordado faz tempo.
 
Me culpei por ter dormido tanto. Por que aquilo tinha de acontecer? O desespero me consumiu aos poucos e minha vontade era de ficar sozinha. Se eles adiariam as operações, o que aconteceria com nossos amigos até lá? Era questão de necessidade ver Samuel!
 
— Você viu o Sam? — perguntei notando que ele não aparecera ainda.
 
— Não, mas a sua mãe disse que falou com ele de manhã. Deve ter saído com as novas notícias na cabeça...
 
Ele prometera não me abandonar na noite passada e já estava fazendo isso. Eu não estava chateada totalmente, já que ele disse no sentido de não me deixar para sempre, não por uma noite, mas agora, estava obstinada a encontrá-lo.
 
— Cida... Eu sei que o almoço é fora do pacote dos meus pais daqui do hotel, mas eu acordei com uma fome imensa. E antes de qualquer coisa, preciso comer.
 
Consegui tirar um sorriso do rosto dela. Cidalice podia até estar brava, mas não conseguia manter aquela postura por muito tempo. Era uma garota muito gente boa.
 
— Você tem sorte que eu conheço todos os segredos desse lugar.
 
Por mais que eu não estivesse comendo um almoço apropriado para horário, a maçã e as fatias de bolo que ela me serviu foram bem vindas. Meu estômago estava mais vazio do que tinha pensado. Aquilo me lembrava os dias que passava sem comer em briga comigo mesma. Eu não gostava de refletir sobre aquelas memórias. Eu passava muito mal e chorava...
 
Afastando aquelas imagens da mente, assim que terminei de "almoçar", resolvi dar uma passada no quarto de Samuel. Talvez ele estivesse matando tempo por lá, já que por estranho que parecia, ainda não tinha dado as caras.
 
Eu estava começando a desconfiar. Estava me evitando será? Não é possível que seja isso. Vou ficar brava se for.
 
Assim que paramos em frente ao quarto dele, percebo que a porta está entreaberta. Ele deve estar por ali mesmo.
 
— Samuel? — começo a chamar com uma Cidalice curiosa em meu encalço. Durante minha comilança, ela tagarelou sem parar. Eu estava começando a achar que o motivo de seu mau humor não era só o sequestro. Não deixaria de perguntar mais tarde qual o outro motivo de sua inquietação.
 
O quarto estava vazio assim como o banheiro. Franzi a testa. Ele deixara a porta aberta sendo que saíra para outro lugar?
 
— Ele não está mesmo por aqui. Mas você sabe como é... O luto mais uma notícia dessa dos amigos não deve ser nada fácil suportar — eu sabia. Enquanto ela tentava discursar para afastar meu desapontamento, encontrei algo que dizia mais sobre a falta de Samuel naquele lugar. Seu celular.
 
— Quem em sã consciência deixa o celular para trás? — Cida olhou para as minhas mãos em que a tela de bloqueio de Samuel brilhava estonteantemente. Um papel de parede com uma lua. Poético, como seu jeito de sempre. Haviam algumas mensagens de Erick, mas não bisbilhotaria nada.
 
— Talvez ele tenha esquecido na correria — fiz uma suposição.
 
— Correndo? Ele teve alguma crise? — sua pergunta me fez voltar a crise de ansiedade dele que eu presenciara. Meu coração apertava só de pensar naquela cena. Não poderia ser...
 
— Deus que me perdoe, mas vou olhar o celular dele. Eu não queria pelo respeito da privacidade dele, mas pode ser que ele esteja precisando de mim agora...
 
— Isso é errado, mas apoio você, querida — Cidalice balançou a cabeça.
 
Esperávamos uma senha ou algo do tipo, mas o passe estava livre o que não deixou de ser questionado pela minha cabeça a mil. Erick era o único comunicante presente no Whatsapp. Notei que ele não era de conversar com muita gente, e suas conversas recentes ainda incluíam mensagens de sua mãe. Aquilo me partiu o coração. Toda vez que ele abria o aplicativo, se deparava com aquele jorro de lembranças constantes e doloridas.
 
Checamos tudo que poderia ser verificado. Nada. Suspirei diante dos fatos apurados. Ainda não era motivo para ficar desesperada, ele devia estar bem, só tinha saído para pensar e esquecera o celular. Quando se está com a cabeça cheia é normal não se lembrar de alguma coisa e só querer ir para outro lugar.
 
Eu me sentia uma egoísta por ainda julgá-lo como uma pessoa má. Contudo, ele havia me deixado esta manhã. Poderia ser diferente se ele me acordasse e conversássemos. Confiamos um no outro, mas tem hora que parece que esquecemos disso...
 
Cidalice me guiou de volta a recepção e ficamos por lá. Eu esperava que não seria uma longa espera e meus olhos mantiveram-se pregados na porta como uma águia atenta. Tentei mexer no meu próprio celular para distrair. Não demoraria tanto tempo até que ele retornasse com certeza. Era o que meu lado otimista dizia.
 
Meu pessimismo estava rondando como se eu fosse sua presa, mas pela primeira vez em muito tempo, eu não o deixava dominar. Eu conseguia ter um lado mais confiante quando se tratava de Samuel apesar da minha preocupação.
 
— O que mais está te incomodando? — virei-me na direção de Cida que não parava de balancear os pés em um ato de nervosismo. Por mais que eu estivesse a beira de um pico de nervoso, Cidalice mostrava seu rosto muito mais afligido por seja lá qual o outro problema.
 
— O Pedro! Ele tá me deixando louca. Eu mandei mensagem pra ele em um ato de impulso. E sabe o que ele fez? A pior coisa que se pode fazer com um adolescente nos dias de hoje! Visualizou e não me respondeu. A mensagem tem três dias e eu tô surtando com isso! — A história de Pedro me veio na memória. Cida havia me contado sobre o garoto no dia que Samuel saiu do hotel.  Ele tinha derramado sacolé na camisa dela, mas no fim da tarde eles se beijaram.
 
— Cida, eu sei o quanto isso é péssimo. Talvez ele tenha ficado com medo de te responder ou só achou uma loucura ter beijado logo na tarde que se conheceram!
 
— Não diz isso! Parece um pesadelo. Eu finalmente achei que estava vivendo meu amor de fanfic e que seríamos um casal maravilhoso e eu senti a química. O que ele não pode ter gostado? — o desapontamento mascarava sua feição e ela parecia ter tido todas suas expectativas quebradas.
 
— Dê mais um tempo. As coisas nem sempre são o que parecem e têm garotos que nos enganam de vez em quando — pensei em quando Samuel desfez nossa amizade sem nunca me falar a verdade sobre tudo. Lembrei também de sua promessa de não me abandonar e que tinha feito isso logo naquela manhã.
 
— Eu espero mesmo que seja um mal entendido! — Cidalice cresceu um pouco a voz e em seu ato de raiva, deixou o celular de Samuel cair no chão. Vinha segurando ele desde que começamos a esperar por Sam.
 
— Ai, senhor! Eu sou um desastre! — ela se queixou de si mesma e foi ao chão resgatar o aparelho. Quando se levantou novamente, carregava um olhar curioso na cara. — Você viu isso?
 
Ela apontou o celular para mim e vi que ele estava aberto na galeria. Deveria ter aberto quando deslizou na queda. Puxei o objeto das mãos de Cidalice encarando o vídeo que ali se apresentava. Um vídeo gravado por Samuel era a última coisa disposta na pasta da câmera na galeria. Cliquei para verificar se era mesmo recente. A data indicava hoje.
 
Assustadas, nós duas voltamos a nos sentar no banco da recepção atentas ao que Samuel dizia no vídeo. Em uma espécie de transe, escutei cada uma de suas palavras e foi difícil processar, Samuel tinha saído há mais de horas para ir direto ao lugar que nossos amigos tinham sido sequestrados! Ele estava correndo perigo!
 
"Mas então, não vou demorar muito mais. Obrigado também, Letícia, você me fez entender muitas coisas e evoluir como pessoa. Ser forte."
 
As últimas palavras cantaram na minha mente como uma canção impossível de ser esquecida. Nesse exato momento, eu era única do meu grupo de amigos que não corria perigo mortal. Aquilo me deixou com falta de ar e só me recuperei da realidade quando Cidalice colocou suas mãos sobre a minha que continuou estendida no ar com o celular desde que o vídeo acabara.
 
— Amiga... — sua voz saiu como um incômodo no início, porém não demorou a ser um conforto quando cai em lágrimas. Ela querendo ou não, era a única amiga que restara. — Eu não queria dizer isso, mas eu sei uma maneira de você encontrar Samuel...
 
Meus olhos focaram Cidalice e me perguntei se tinha escutado direito. Encarei-a como se fosse um extraterrestre. Todavia seu rosto resplandecia tranquilo e certa do que dizia, mas com um pouco de medo.
 
— O quê?
 
— Eu sei uma maneira de entrar no esconderijo! — gritou ela apertando os olhos como se eu fosse ficar com raiva. — Eu descobri nesses últimos dias, porque não parei de investigar. Foi mais forte que eu... Eu observei Valentina Tupiasú a mando dos meus instintos e...
 
— Você sabe outro jeito de entrar na toca do sequestrador sem ser o jeito que eu e Sam descobrimos? — indignei-me finalmente entendendo a gravidade da informação. Por que ela não me contara?
 
— Eu não quis contar a você e Sam porque vocês ficaram abalados com a morte da mãe dele e os policiais já estavam firmes na procura. Por isso, fui até eles e apresentei as provas do que tinha descoberto. Valentina tem um caminho até o esconderijo e pode ser uma cúmplice de todos os crimes! Ela mesmo disse quando brigou com Eduardo! Eu escutei a conversa dela com o irmão perfeitamente. A polícia prometeu dar uma olhada, mas sem muita confiança já que eu errei com eles na última pista que entreguei...
 
Ela parou finalmente pra respirar e se sentia pressionada. Eu não quis ficar com raiva por não ter ficado a par daquela informação. Não precisávamos de uma briga agora, tínhamos que agir.
 
Podemos odiar o amor, mas não negá-lo. Era o que tinha aprendido com Samuel no vídeo e eu não só aceitaria aquele sentimento como também lutaria por ele. Sam e meus amigos eram minha base e boa parte do que sou agora foi construído pelo o que vivi com eles. Eu precisava deles.
 
— Cidalice, eu já entendi tudo. Vamos até a casa de Valentina. Agora. — disse com um pedido mais calmo do que ela esperava e a mesma concordou imediatamente.
 

Nós Odiamos O Amor (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora