Samuel 0.5 (Parte 1)

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Ela era linda dormindo

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Ela era linda dormindo.

Letícia apagou de cansaço ao meu lado enquanto eu dirigia até Pelotas. Não sabíamos o que tirar de conclusão daquele dia exatamente.

Passamos um bom tempo limpando a casa do estranho do Brian. Aquele cara foi mesmo um ridículo. Eu perdi a conta de quantas vezes o xinguei só naquela tarde. O loiro ficou me cobrando uma limpeza melhor o tempo todo, já que segundo as palavras dele, a limpeza de Ti era impecável e eu não pude discordar, parece até que ela treina limpar todos os dias. Já eu, nunca fui bom com organização, sou e sempre serei um eterno bagunçado.

Não tenho certeza se realmente devemos confiar no Brian. Esse homem é um bêbado viciado em fazer sexo, como poderíamos ter certeza de que os sequestradores levaram nossos amigos para Manaus?

Por que justo Manaus? Brian tinha escutado direito ou estaria brincando com nossa cara?

Milhões de perguntas rodopiavam minha cabeça incessantemente. Contando com hoje, era o segundo dia em que nossos amigos permaneciam desaparecidos. Letícia ficou rodando adormecida no banco, desconfortável. Eu também me perguntava o motivo dela ter tido uma crise de pânico hoje mais cedo, consegui sentir o medo e a insegurança dela de não estar agradável, bonita ou algo assim.

Mas na minha visão ela estava mais do que agradável. O corte de cabelo realçou os olhos incríveis que Ti carrega. Eu até diria isso para ela, porém não somos nem mesmo amigos. No passado, nós tivemos intimidade, mas esse tempo parece algo que aconteceu em outra vida. Somos no máximo conhecidos agora, não somos?

Não demorou muito e logo já conseguia avistar Areal, o bairro de Letícia. Ela acordou cinco minutos antes que eu estacionasse o carro. Ela parecia perdida e eu me segurei para não rir, alguns fios de cabelo grudaram em sua boca dando uma aparência bem sonolenta ao seu rosto. Letícia corou por perceber que dormira ao meu lado dentro do carro e quando despertou, me pegou olhando para ela. Senti o constrangimento tangível no ar e resolvi falar alguma coisa:

- Acordou, Bela Adormecida?

- Nem percebi que caí no sono, foi mal - ela soltou uma risada de canto. - Por que não me acordou?

- Você estava muito cansada, Letícia. Não iria acordar uma jovem que precisava dormir, você estava mais parecendo um zumbi!

- Mas agora mesmo eu não era Bela Adormecida? - Letícia riu mais, enquanto eu parava o carro em frente a sua casa.

- E o que impede tu de ser uma princesa zumbi? Não sei como não existe filme sobre isso ainda.

- Meu Deus, Samuel! Como você consegue ser idiota - ela sorriu e ficou me encarando.

- Só não mais que o esquisito do Brian! Gente, que cara maluco. Logo depois que ele mostrou a gravação pra gente, já nos expulsou da casa pela porta dos fundos porque seus pais chegaram - lembrei da cena em que fomos literalmente enxotados. Brian nos empurrou pelas costas e não disse nem um simples obrigado pela limpeza que fizemos, jogou um pacote de balas de menta na boca para disfarçar o cheiro de bebida, seguiu para atender seus pais na porta de entrada e ainda nos deixou com a terrível cena dele coçando a bunda antes de seguir seu caminho.

- Isso eu tenho que concordar. O cara é muito doido. Será mesmo que nossos amigos foram raptados e levados para Manaus? Essa história é muito sem pé, sem cabeça. E mesmo que essa informação fosse verdadeira, o que poderíamos fazer com ela? Manaus é uma cidade longe que não sabemos nada nem conhecemos ninguém de lá. Talvez seja melhor entregar essa informação para a polícia e pararmos nossa investigação por aqui...

- Não! - Interrompi ela sem escrúpulos. - Depois de tudo... Acaba por aqui?

- Tecnicamente não fizemos muita coisa, Sam. Analisamos o dia da festa, fomos até o dono dela, ajudamos ele a limpar a casa e vimos uma gravação que não prova muita coisa. Eu sei que o que mais queríamos era que nossos amigos estivessem aqui do nosso lado agora, mas esse tempo todo as vezes foi apenas para chegarmos à conclusão de que só a polícia poderia resolver.

- Tá dizendo que acabou tudo? Esperamos sentados a partir de agora? - Eu conseguia ficar estressado com facilidade em certos momentos, mas não queria brigar com ela. Deixar essa investigação de lado me faz sentir que estamos deixando nossos amigos abandonados.

- Eu não sei de nada, Samuel - Letícia assumiu uma expressão triste. - Vamos tirar essa noite pra pensar, pode ser? Ao mesmo tempo que temos uma pista, não temos nada, só não fique bravo comigo.

- Não estou bravo, só quero Igor, Lu, Manu e Bruno bem - confessei e aquele realmente era meu único desejo.

- Eu também quero encontra-los e muito - Letícia garantiu e ficamos em silêncio nos encarando e pesando as palavras. Obviamente estamos em pensamentos opostos. Letícia parece ter perdido a centelha de esperança e confiança do início. Será que ela acha que nossos amigos já eram? Ou será que ela não confia em nada da nova pista? Eu a encarei tentando convence-la e ela fez o mesmo até nossos olhares ficarem sem sentido e olharmos para o ponto.

Ela me deixava tão perdido.

De repente ela puxou meu braço, soltou o beijo na minha bochecha e se despediu com um simples boa noite seguindo para sua casa. Foi tão rápido que nem consegui reagir e responder um boa noite para ela.

Uma coisa é certa, eu não sei o que me deixa mais curioso. Descobrir o que fez nossos amigos desaparecerem ou as coisas que mantém eu e Letícia longe de ser amigos, para além daquilo que havia feito no passado é claro, e que esperava que não voltasse mais a ponto dela saber.

Não demorou muito para que eu guardasse o carro na garagem de casa e entrasse na sala. No momento em que fechei a porta, a primeira coisa que escutei foi um barulho na cozinha, todas as luzes estavam desligadas, mas a única luz presente no local era a ofuscante e amarela da geladeira. Estranhei tudo estar desligado, menos a claridade na cozinha. Caminhei apreensivo até a bancada que me entregava uma visão melhor do cômodo. Foi então que vi o que realmente estava acontecendo.

- Erick, isso é sério? - Meu irmão estava sentado no chão da cozinha com todos os doces e guloseimas a sua volta. No contorno de sua boca estava cheio de chantily. No colo havia dois pacotes de Doritos e perto de seus pés, alguns pacotes Fini.

- Ah, que merda! Você sempre chega na hora errada! Qual o problema de uma criança ficar com fome e ter o desejo de querer comer coisas gordurosas durante a noite?

- O problema é que eu já falei pra você não fazer isso! Parece que tu tem três anos. Levanta daí e guarda tudo. Eu estou começando a pensar que você tem uma lombriga na barriga, só pode ser...

- E eu estou começando a pensar que você está destruindo o sonho de uma criança! -Erick jogou as guloseimas mostrando a língua e bufando. Ignorei completamente.

- Erick, como foi seu dia? Apesar de ter te pegado no flagra agora, passei a tarde fora -falei. Gosto de pensar que é mais fácil para ele contar as coisas para mim do que para mamãe.

- Nada muito fora do normal. Fiz os temas de casa completamente obrigado, joguei um pouco e fiquei largado no sofá. E o fato de você ter saído sem dizer para ONDE ia acabou fazendo mamãe ter mais uma crise. Você precisa contar para onde vai. Ainda mais quando sai de carro! Ela foi para o quarto e chorou muito, mas agora está tudo quieto. Tem dias que ela lembra muito do papai - Erick disse e me senti mal. Meu comportamento foi imprudente. Não achei que iria demorar tanto quando fosse até a casa de Brian, deveria ter mandado alguma mensagem, só que aquela limpeza me distraiu completamente... Eu falhei.

- Me desculpa, Erick - olhei nos olhos do meu irmão. Tem vezes que tenho muito cabeça de adolescente e com meu pai morto não posso fazer uma coisa dessas, senti um peso no coração.

- Não tem problema, mas seria ótimo se você conversasse com ela.

Meu irmão subiu e resolvi comer um pouco do Doritos após reclamações da minha barriga. Uma vez no mês minha mãe resolve comprar besteiras para comermos e sair da rotina, só que temos que dosar e não comer tudo de uma vez, Erick quer sair comendo tudo.

Mas apenas uma preocupação não saía da minha cabeça... Como será que tinha sido a crise de mamãe dessa vez? Todas as vezes que ela sente algo de ruim e estoura, estou aqui para segurar a barra. Deve ter sido a primeira vez que Erick teve que lidar com a situação sozinho. Da última vez que ela teve uma crise na minha frente tive que abraça-la por mais de horas e começar a conforta-la. Tem momentos que chego a pensar que ela nunca mais vai superar a perda do papai. Eu sei que não tem como superar de verdade, mas tudo que eu mais desejo a ela é que a dor diminua. Por isso tomo conta de muitas coisas quando ela não consegue e preciso ser forte.

Subi as escadas sentindo meu corpo reclamar por um banho quente e por um descanso. Quando cheguei ao segundo andar, encontrei a porta do quarto de minha mãe entreaberta e resolvi ir até lá e ver o que eu ainda podia fazer. Olhei para dentro e caminhei em direção a cama dela, a mesma estava virada para a parede, deitada.

Sentei no colchão fofo e comecei a fazer carinho no braço dela como um ato de conforto. Eu não fazia ideia se ela já estava adormecida ou não. Seus cabelos ondulados e castanhos como o meu estavam revirados. Sem aviso prévio ela se mexeu diante das minhas carícias, pelo visto tinha a acordado, se virou para mim e me observou serena e sem palavras.

- Filho, o que aconteceu? - Não sabia dizer se minha mãe estava prestes a chorar.

- Eu estou bem, mãe. Pode voltar a descansar. Eu só queria saber como você está - olhei para os lençóis sem saber ao certo se iria conseguir olhar por muito tempo para o seu rosto.

- Por que você ficou longe por tanto tempo? Usou cinto de segurança no carro? Eu fiquei tão preocupada. Me sinto uma mãe horrível nesses dias...

- Sinto muito, eu esqueci de falar para onde ia. Pode deixar que dirigi direitinho, fui fazer um trabalho com a Letícia - disse a primeira coisa que me veio à mente. Ela sempre perguntava se eu tinha usado cinto de segurança e esse tipo de pergunta fazia reabrir uma ferida que tentava cicatrizar-se em vão. Meu pai não usou cinto de segurança no dia de seu acidente e isso o fez voar do veículo em uma batida no viaduto. As memórias retorcidas do carro destruído voltam a mim como se tivessem acontecido ontem, mas tento fingir que elas não me incomodam, mas causam sim uma perturbação. Como já disse, preciso ser forte!

- Filho... Você fez trabalho com a Letícia? Isso não faz sentido. Não era essa garota que você não falava mais? Como vocês fizeram trabalho de escola se estamos no fim do ano e caminhando para a reunião de pais final? - O cenho dela se levantou. Minha mãe podia aparentar estar frágil em seus momentos de crise, mas é uma mulher esperta e as vezes tenho que ser um pouco mais esperto na hora de mentir...

- Sim... Claro... Fim de ano, né? Graças a Deus, penúltimo ano da escola! Ai, ai... Não foi bem um trabalho... - Me enrolei nas palavras o que fez a desconfiança dela só aumentar. - Foi... Voluntário! Isso! Sabe, ajudar alguns velhinhos sempre é ótimo! Viva a solidariedade? - Indaguei perdido.

- Você não parece estar dizendo a verdade, Samuel. Mas já que está bem, isso acalma meu coração e se está de rolo com aquela Letícia, não sou contra. Ela parece ser uma ótima menina - ela esboçou um sorriso e fiz uma cara de dúvida.

- Sério, mãe? Eu sou o cara que ODEIA o amor lembra? E eu e Letícia voltamos a nos falar faz um dia. Ela é bacana, mas saiba que nem amigos somos.

- O ódio é como o amor, meu querido. Aconteceu de alguém errar na equação e os dois andarem separados por uma linha tênue, mas agora eu quero que você vá tomar um banho! Por algum motivo você está vestindo roupa de casamento com um cheiro estranho...

Lembrei de quando limpei o vômito na casa do Brian. Lembrança nada legal.

- Promete que vai ficar bem, mãe? - Caminhei em direção a porta enquanto ela ria um pouco.

- Prometo. Eu te amo, Samuel - por mais que ela risse de vez em quando de mim, nunca mais vi brilho em seus olhos, desde que meu pai se foi. Carrego o medo dela cometer algo contra si mesma. Será que ela seria capaz, se ficasse tremendamente angustiada se lembrando de quando éramos uma família completa?

- Eu também te amo, mãe - respondi e saí do quarto.

XXX

Eu levantei da cama a uma pilha de nervos, tinha uma ideia e era maluca, mas bem interessante. Coloquei a primeira roupa que vi na frente quase caindo no chão, cheguei até a bater a cabeça no guarda roupa, mas sem danos graves.

Vou considerar esse sábado como um dia iluminado. A informação de Brian não era uma pista até que considerássemos ser uma pista. Podia não fazer sentido, mas tudo estava ligado ao meu pai... Mesmo depois que ele se foi, conseguia me ajudar sempre!

Disparei pela escada quase caindo de novo. Pelo visto nem minha mãe ou Erick tinham acordado ainda, fui até a estante da sala completamente afobado e comecei a abrir as gavetas. Muitos papeis e fotos, mas a coisa que eu buscava em específico tinha que estar ali em algum lugar. Comecei a jogar a papelada e tudo mais a minha volta em busca do que exatamente eu precisava.

Revistinhas inúteis do Erick, revistas da Avon que não fazia a mínima ideia como carregavam o cheiro de perfume por tanto tempo. Ficava pouco mais de uma hora na minha pele e saía, já o cheiro das revistas pareciam infinitos. Joguei atrás de mim mais alguns panfletos de mercados aleatórios e logo tinha conseguido avistar.

O boleto. Puxei com força do fundo da gaveta e lá estava o que precisava. Um número anotado, suspirei aliviado e então veio um grito:

- Samuel! O que você fez com minha sala? - Minha mãe tinha acordado, olhei para trás como se fosse um criminoso sendo capturado. Soltei um risinho nervoso.

- Foi mal, mãe, só que essa coisa que encontrei pode salvar vidas...

- Vai ter que arrumar a sala antes de salvar vidas, mocinho. Tu não tem nenhuma empregada aqui não! - Ela afirmou e seguiu para a outra parte da cozinha com objetivo de fazer o café. Suspirei frustrado, estava a mil para contar a Letícia nosso próximo passo. Até que terminasse de arrumar a sala, isso demoraria.

Quando minha mãe distraiu seu olhar para seu afazer, comecei a recolher todos os papeis do carpete vermelho com velocidade e joguei tudo dentro da gaveta sem organização. Peguei algumas revistas e as posicionei por cima da papelada e quando minha mãe baixou seu olhar sobre mim novamente, viu que já estava fechando a gaveta com uma sala limpa.

- Você sabe que eu sei que esse serviço teu foi o mais mal feito que já vi, né? Eu ainda vou te forçar a arrumar tudinho aí... Não pense que se livrou - seu olhar crítico me fez corar entregando que eu realmente não tinha organizado nada direito.

- Ah, mãe! Estou falando a verdade quando digo que vou salvar vidas! - Levantei do chão com o boleto em mãos e fui até bancada da cozinha, engoli a banana que vi na minha frente e em um segundo andei até a geladeira.

- E que vidas você vai salvar? Virou polícia do dia pra noite e não fiquei sabendo? - Ela pegou uma torrada e passou manteiga para comer.

- Isso é confidencial, porém uma hora você deve saber de tudo, eu prometo. Cadê o Erick? Vai dormir até meio dia? - Peguei o Iogurte e o virei em um copo com pressa, não preciso dizer que virei aquele copo em um segundo na minha boca. Quase engasguei.

- Deixa ele... Quando aquele garoto acordar vou fazer ele lavar a louça toda e limpar o quintal - ela entregou um sorriso maléfico. - Se você não se lembra, Samuel, sou sua mãe e tenho o direito de saber por que, como e onde vai salvar uma vida. Se é tão confidencial, então você deve ser do FBI agora? - Ela mordeu a torrada com gosto.

- Logo devo estar de volta e no caminho de salvar uma vida! Preciso ir! Vou usar o carro! - Avisei na correria, larguei o copo na pia e sem dar a chance dela refutar o que eu disse, saí pela porta da sala de casa, ansioso. Não precisei nem olhar para trás para saber que minha mãe ficou com uma cara melancólica ao saber do uso do veículo, mas eu precisava e era melhor avisa-la do que deixa-la ter uma crise com Erick depois.

Antes de dirigir e sair da garagem, liguei no mínimo umas 17 vezes para o celular da Letícia, ela não estava online, só que eu estava disposto a incomoda-la até que a mesma atendesse. Eu ainda não tinha um plano exatamente, entretanto o número no boleto poderia ser um sinal. Sem aguentar mais, disparei com o meu carro velho pelas ruas de Pelotas até o bairro dela, estacionei meu transporte bagunçado em frente a casa dela, mas a incerteza do que eu queria fazer a seguir começou a me assombrar assim que desci do carro. Comecei a rodear em frente ao portão da casa dela, pensativo. Talvez eu devesse deixar o que tinha pensado para lá ou não...

Após sapatear demais a calçada com meu All Star, tomei um susto. O portão sendo destrancado. Fiquei sem reação e fingi estar olhando para outro lugar enquanto estava encostado na lataria do meu carro.

- Samuel? O que faz aqui? - Letícia indagou. Olhei para ela fingindo estar desentendido sobre a situação.

- Não, nada. Eu só estava passeando e resolvi parar o carro para apreciar um pouco a paisagem, sabe? Por que saiu de casa? - Que papel de besta eu estava fazendo! Talvez devesse voltar para casa com minha ideia e fingir que nada tinha acontecido.

- Passeando por Pelotas? Aqui não tem nada de legal - ela riu da minha pose tensa. - E por que resolveu parar bem na frente da minha casa? Minha mãe já tinha pensado que era alguém querendo nos assaltar quando olhou pela janela. Segundo as palavras dela, você estava rodando igual a um peru tonto - é sério, Letícia? Me comparando com um peru? Que status que eu estou diante da sociedade?

- Certo... Eu não estava passeando - constatei.

- Nossa, nem tinha percebido isso ainda! - Ela disse ironicamente e eu ri.

- Eu tive uma ideia! Parece que nossa investigação não acabou! - Fiquei inspirado ao dizer isso em voz alta.

- Pra mim, parece que acabou - Letícia disse cortando minha felicidade. - Não viu os jornais, hoje?

- Não, espera! Por que exatamente tu cortou minha brisa? Eu fiquei muito empolgado... O que passou nos jornais? - Perguntei com medo daquilo destruir a minha ideia em pedacinhos.

- A polícia... Está atrás dos nossos amigos. O pai de Bruno e as mães do Igor e da Manu foram até a delegacia relatar o desaparecimento. O máximo que podemos fazer é ficar na expectativa agora - ela parecia confortável com a ideia, mas eu não.

- Mesmo você achando que nossa investigação acabou, eu ainda digo que não acabou - disse com um sorrisinho convencido.

- Tá! Diz logo o que você veio fazer aqui e por que está tão animadinho - ela revirou os olhos, parecia que tinha acabado de acordar com olhos sonolentos e cabelos cheios sem ter penteado. Deve ter sido por isso que ela não atendeu minhas ligações. Bela adormecida zumbi.

- Você deve se lembrar de que a única pista que tínhamos foi que o Brian falou que nossos amigos provavelmente poderiam ter sido levados para Manaus.

- É claro que me lembro, né? Meio que aconteceu ontem, sabe? - Ela disse irônica.

- Enfim, eu voltei para casa pensando e me lembrei de algo que aconteceu no passado quando eu era mais novo e meu pai ainda era vivo. Eu escutei ele falando com um homem no telefone e logo depois ele anotou um número no boleto em cima da mesa - mostrei o boleto para o rosto dela que ainda parecia perdida sobre aonde eu queria chegar. Letícia observou o número registrado por tinta de caneta.

- Entendi... Mas sobre a pergunta que não quer calar: O que uma ligação que seu pai fez no passado tem a ver com nossos amigos sequestrados?

- Esse número que meu pai tinha ligado aquele dia é de um homem que devia algo ao meu pai. Eu escutei a conversa meio entrecortada, mas me lembro como se fosse ontem, meu pai disse ao homem na ligação que qualquer coisa que ele precisasse, esse cara teria que fazer ou seja, esse cara estava em dívida com meu pai!

- Okay, seu pai fez alguma coisa para esse cara, o que fez seu pai ter uma vantagem sobre ele. E daí?

- Podemos cobrar a dívida que esse homem tinha com meu pai! Eu ainda lembro da parte da conversa que meu pai disse que ele trabalhava em um aeroporto. E se...

- VOCÊ QUER VIAJAR PRA MANAUS? - Letícia gritou e logo depois se constrangeu pelo seu tom de voz. - E cobrar a dívida de um cara que você nem conhece?

- Exatamente, esse homem poderia conseguir um lugar para nós no avião. Se fossemos para Manaus, poderíamos investigar mais e ver se nossos amigos realmente foram parar lá!

- Isso é loucura. Não. Melhor você ir embora - Letícia disse receosa e quase se virando para voltar para dentro de casa. Eu tinha que provar que não era loucura. Segurei a mão dela instintivamente, o toque a fez parar e olhar na direção do meu rosto novamente.

- Você tem que me dar uma chance, eu acordei com essa ideia na cabeça e acho que não foi por acaso. Passei a acreditar mais no Brian de que talvez ele realmente tenha escutado isso dos sequestradores mascarados. E se nossos amigos estiverem dormindo no porão de alguém em Manaus agora? - Não soltei a mão dela enquanto tentava convence-la de que o certo seria minha ideia controversa. Fiz o contrário, apertei ainda mais sua mão.

- Digamos que você cobrasse a dívida desse cara - ela falou e colocou a mão dentro do bolso da calça que usava. Letícia pareceu surpresa com o fato de eu ter segurado a mão dela, mas foi preciso esse ato. Ti parecia ficar em choque quando eu segurava ou a tocava, da mesma forma que eu a segurei no dia anterior durante sua crise. - Iríamos até Manaus e fazer o que em seguida? Passear e tirar fotos? Nossos pais pensariam o quê? Ainda estamos em aula!

- Vamos procurar pistas na cidade. Com certeza deve ter algo por lá que ligue ao desaparecimento se perguntarmos e investigarmos direito. Estamos nos últimos dias de aula, faltar algumas não será um problema e nossos pais, tenho certeza que conseguimos pensar em algo - Não tinha pensado muito na família ainda. Iríamos chegar e dizer o quê? Pode deixar que vamos dar um passeio ali pertinho em Manaus, tá? E ainda vamos atrás de nossos amigos desaparecidos, VIVA!

- Isso é uma visão bem otimista. Não é melhor sempre esperarmos o pior das coisas? Penso que assim ficamos mais preparados para certas situações que podem acontecer. Não vejo uma forma de explicar uma viagem dessas aos meus pais e tem outra coisa também! Se você ligar nesse número anotado e ninguém atender? Pode acontecer - ponderei um pouco aquele pensamento, fazia sentido, e se a pessoa já tivesse trocado o número?

- É por isso que eu te peço, vamos apenas tentar! - Letícia ainda parecia indecisa diante do que eu pensava, mas depois cedeu e pegou o boleto da minha mão.

- Vamos ligar então - ela encarou os números mordendo os lábios, peguei meu celular e comecei a discar enquanto ela ditava. O telefone começou a tocar indicando que estava chamando, tanto eu quanto ela ficamos nervosos querendo saber o que iria acontecer.

O número atendeu.

- Alô? - A voz grossa de um homem falou do outro lado e tomei um susto que quase deixei o celular cair. Letícia me deu um tapinha em desaprovação. - Com quem eu falo?

- Er... Samu-e-l - respondi engasgando e Letícia riu sem fazer barulho.

- Samuel? Perdoe-me, não lembro de conhecer ninguém com esse nome. O que deseja? - Fiquei em silêncio, Letícia prestava atenção em tudo já que estava no viva voz.

- Eu... Sou filho! Filho do Rodrigo...

- Rodrigo? Santana?

- Isso mesmo!

- E o que você quer? Não falo com o Santana há anos e nem quero voltar a falar com ele, inclusive com o seu filho - o estranho parecia carregar amargura na voz. - Não faz sentido essa ligação.

- É claro que faz, já que você deve meu pai! E quero cobrar essa dívida agora - me impus sem falhar na voz, Letícia concordou com a cabeça, indicando que eu estava fazendo o certo.

- Você deve ter o que agora? 16 anos? Não tenho dívida nenhuma... E se tiver que resolver qualquer assunto não vou falar com crianças, Santaninha. Passe o celular para o seu pai - Apertei os olhos de raiva, que cara inconveniente! E que merda era Santaninha?

- Estarei fazendo 18 mês que vem - Eu queria xinga-lo, de otário ou babaca, porém me segurei. - Meu pai morreu e sei muito bem que você tinha uma dívida com ele. E quero cobra-la agora. Me lembro do motivo e não estou para brincadeiras, se não pagar o que deve, pode ser bem pior - tentei soar intimidador. Letícia já estava com a mão na boca para não rir da minha voz grossa ou das coisas que estava dizendo. Eu disse que sabia o motivo, mas não fazia a mínima ideia do por que esse homem devia ao meu pai.

- O que acha de nos encontrarmos? Assim podemos resolver cara a cara. Ou ainda está limpando a fraldinha pra fazer isso? - Arregalei os olhos e olhei para Ti em busca de respostas do que deveria fazer. Ela negou com a cabeça. Pelo visto ela não quer que eu me encontre com esse cara.

- Quando e onde? - Perguntei e Letícia me fuzilou com o olhar porque não segui o que ela queria. Ela bufou em seguida.

- No aeroporto, no meu local de trabalho, daqui a dois dias. Saiba que não sou fácil de contrariar e provavelmente não vou pagar porra de dívida nenhuma - ele desligou a chamada. Nós dois fomos incapazes de dizer algo, apenas processando.

- Você é problemático, tadinho. Um completo caso perdido - ela disse me atacando.

- Ti, Apenas se arrume! Estaremos em Manaus daqui a dois dias! - Sorri para sua cara séria.

- Não era você que estava com medo de investigar as coisas no começo? Por causa da sua mãe e do seu irmão? - Ela me olhou estranhando. Eu tinha medo de morrer sim quando começamos a procurar por nossos amigos, porém comecei a perceber que a qualquer momento pode acontecer algo comigo. Se eu parasse de procurar nossos amigos, iria carregar culpa. Vou tomar cuidado e se embarcarmos nessa viagem, talvez fosse melhor para minha mãe passar um tempo reservado com Erick e perceber de que pode voltar a viver sem meu pai.

- Eu fiquei com medo, mas quem me convenceu a entrar nessa investigação foi apenas você, Letícia - apontei para ela.

- Eu só espero que esse cara não suma com nós dois como aconteceu com nossos amigos... - Ela afirmou.

- Sabia que você é pessimista até demais?

- Quê? Claro que não, eu só penso na verdade que ninguém quer dizer em voz alta, Sam.

- Não, pra tudo você pensa em um cenário ruim. Viagem para Manaus? Uma loucura. Falar com esse cara do número? Perigoso. Quando eu tentei ligar no número? Você disse que talvez o cara já tivesse trocado de número...

- Já entendi, senhor otimista... - Ela revirou os olhos e eu ri. - Em dois dias estaremos a caminho do aeroporto então?

- Sim, Ti. Dois dias - garanti e comecei a voltar para o carro - Só não esqueça de lavar o rosto e tirar essa remela enorme daí! - Avisei e sentei no banco do motorista. Tive um leve vislumbre dela levar a mão ao rosto preocupada a procura da remela e constrangida. Eu estava apenas zoando com a cara dela.

Não tinha remela nenhuma, estava linda mesmo depois de acordar...

Saí com o carro sem olhar para trás.

Logo estaríamos a caminho de um aeroporto, tentando cobrar uma dívida que eu nem sabia se daria certo...

Fim do capítulo! O que vocês estão achando? Eles deram sorte em ter um homem para cobrar dívidas que trabalha justo no aeroporto. O que acham que vai rolar?

Comentem! ❤

Galera, só gostaria de agradecer porque chegamos em 1000 leituras e 1000 comentários! Muito obrigada por tudoo! Essa história não seria nada se não fosse vocês!

Não desistam de mim... Logo sai o próximo cap!

Ps: Eu tive que dividir esse capítulo em dois😂

Nós Odiamos O Amor (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora