Boa leitura!Bruno continuou em frente ao alcorão. Ele se sentia indignado: Por que Luana fizera aquilo? O jovem decidiu acreditar nela depois de como ela tratara Manu, fora fria e sem emoção. Parecia uma nova Luana...
De começo ele não tinha acreditado que ela estava realmente do lado de Khalil, mas depois a garota passou em testes e provou não ser um perigo. Se pelo menos ela não estivesse do lado deles, não teria coragem suficiente para tentar algo. Mas agora tinha sido provado o contrário.
E só Bruno sabia como a mesma podia ser traidora, como Manu também podia ser. Lembrando leitores, que não exatamente essa é minha opinião, estou contando apenas o que o personagem pensa. O ódio dele de alguns dias atrás, agora está frio e quase inexistente. Sabia que seu futuro com Khalil seria brilhante diante daquelas promessas ditas pelo homem.
— O que você faz aqui? — Samuel parecia ter tido um arroubo no peito quando Letícia se aproximou dele.
Khalil saiu da sala sem se demorar após impedir a fuga dos adolescentes. Sem dizer mais uma palavra. Os guardas que mantiveram alguns de refém, jogaram todos no chão e apontaram as armas para suas cabeças. Sem se demorar, Letícia abraçou o cacheado:
— Eu fiquei tão preocupada! Você me deixou. Prometeu que não ia, mas fez mesmo assim. Mesmo depois de nossa noite — seus olhos queriam chorar.
— Eu tô aqui agora, fica calma. Eu tive que vir, Ti. Eu precisava — as mãos dela percorriam os cabelos dele. Para acalmá-la, Sam a beijou na testa, suavemente e sussurrou em seu ouvido que ele jamais ousaria deixá-la de verdade, que sua decisão fora um impulso necessário.
— E se você tivesse morrido? — a chateação se tornou visível no rosto dela.
— Mas eu não morri, né? Olha, se eu deixasse a polícia resolver... — Samuel se sentia encabulado a explicar suas motivações, porém Letícia acabou beijando-o de forma sincera e repentina. Ela esperava que quando o encontrasse, brigaria e quase o mataria pelo o abandono e a loucura que decidira fazer. Mas agora com Sam a sua frente, não conseguia nem sequer pensar com ódio, precisava somente tocá-lo, senti-lo por perto e tê-lo ao seu lado que era o que mais importava.
— Nossa! Quanta coisa rolou — Ísis desatou a falar sorrindo. — Eu não acredito que vocês dois ficaram juntos e eu tava aqui enfiada nesse maldito buraco!
A ruiva emburrou enquanto os outros dois riam ruborizados do comentário. Samuel ignorou o quanto eles fizeram papel de casal fofo nesse momento. Era engraçado, os dois ainda não eram nada definitivo, mas agiam como se fossem algo mais.
Ele não queria se enganar nem sofrer com seus sentimentos, muito menos que aquela demonstração de afeto acontecesse, contudo era como se fosse impossível controlá-los, apenas acontecia.
— Fiquem em silêncio! Vocês nunca sabem levar as coisas a sério? — Bruno apontou sua arma para todos sendo impassível.
Na cabeça de Letícia era difícil processar que um de seus amigos mais queridos, agora ameaçava sua vida como se fosse atirar. Se Khalil ordenasse, será que o garoto faria mesmo?
— Eu tenho nojo de você. Se eu quiser vou falar, gritar ou até correr. Nós somos as vítimas, podemos morrer a qualquer momento. Você Bruno, consegue ficar em silêncio já que traiu todos os seus amigos ou não foi isso que aconteceu? — Luana segurou Ísis que quase voava enfurecida em cima dele. Os guardas entraram em posição de luta para caso houvesse um ataque.
— Acho melhor todos sossegarem. Khalil ordenou a morte em caso de desordem — rebateu o jovem armado.
— É claro. Só os guardas podem fazer o serviço. Você não seria corajoso o suficiente — falou Samuel e Letícia o repreendeu com um tapa no braço.
— Seja o mínimo humano possível e traga algo para enfaixar os machucados de Brian — anunciou Luana, voltando sua atenção ao loiro. Ísis segurava a mão dele apoiando sua cabeça no seu colo.
Manu se aproximou de Brian avaliando os ferimentos. Lembrou-se de sua tortura e sentiu repulsa. Khalil estava machucando muita gente. Aquilo precisava parar. O sequestrador precisava morrer.
Para Ísis, mordidas de rato eram piores do que em imaginação e a mesma não sabia por onde começar a ajudar. Ela queria fazer muito para que ele ficasse bem, mas como?
— Esqueçam! Khalil mandou que ninguém saísse da sala — o garoto disse agitando a pequena pistola mais uma vez.
— Não tô acreditando nisso. O Bruno é mesmo outra pessoa — Manu sussurrou mais para si mesma enquanto alcançava Luana. Na cabeça da jovem negra, tudo ainda era muito confuso. Bruno tinha virado outra pessoa depois que descobriu sobre as duas e Luana também era uma das vilãs ao ter se juntado com o sequestrador, mas de repente, ela se voltara contra Khalil e Manuela notou que tudo aquilo tinha sido um papel.
— Como posso ajudar? — apesar das muitas questões que rodeavam sua cabeça, se prontificou a fazer qualquer coisa por Brian.
— Segure esses panos — disse a ruiva que já tinha rasgado sua camiseta em frangalhos e espalhado pelo corpo dele.
— Okay — ela segurou por mais que aquilo era uma medida confusa, já que seus machucados precisavam ser limpos imediatamente, então talvez só segurar tecidos, não ajudaria em nada contra o sangue.
Bruno e os guardas continuaram andando em volta sem dizer uma palavra. Luana colocou suas mãos sobre as de Manu. As duas trocaram olhares intensos. A de cabelos cacheados ainda sentia dor por tudo que a outra fizera. A de cabelos pretos se sentia a pior pessoa do mundo como se nada daquilo tivesse valido a pena agora que todos estavam sem saída novamente.
— Sinto muito — falaram ao mesmo tempo e Ísis notou que precisava dar espaço a elas. Por mais que quisesse permanecer ao lado de Brian, disse que precisava falar com Samuel e Letícia.
— Por quê? Por quê? — Manu chorou. Depois de tudo que tiveram de confiar uma na outra pra esconder o relacionamento, ela não via motivos para Luana ter mentido daquela forma.
— Eu precisava descobrir um jeito pra gente sair daqui. E se eu não fizesse você acreditar que eu tinha mudado de lado, Khalil não confiaria em mim...
— Eu não vi nenhuma emoção em seu rosto — Manu não voltou seus olhos para a gótica porque era dolorido.
— Foi um papel.
— Um papel? Depois de tudo que estamos passando aqui, você ainda me faz isso? Não é a droga de uma brincadeira!
— Eu precisava colocar sua segurança em primeiro lugar — rebateu Luana de forma furiosa. Elas não eram mais crianças e alguns sacrifícios de vez em quando eram necessários, pelo menos na visão da gótica.
— Segurança, segurança. Você nem sabia se ia conseguir alguma coisa fazendo isso e realmente não conseguiu. Olha como estamos agora? Ainda presas.
— Não precisa jogar na minha cara que não deu certo. Pelo menos eu tentei.
— Tá dizendo que eu deveria ter feito alguma coisa? — Parece que o clima está esquentando por aqui. Os outros três assistem as duas como se fosse uma partida de ping-pong.
— Ah, é. Vocês dois ainda não sabem — disse Ísis no meio de Letícia e Samuel. — As duas são o mais novo casal do nosso grupo de amigos. Novo não. Elas estão juntas faz um tempo. Manu que traía Bruno e ficava com a Lu em segredo. Mas como a Luana era um caso secreto e passou por várias coisas, acabou beijando Bruno também. No fim das contas, todo mundo traía todo mundo e Luana fingiu ser má nos últimos dias pra fugir daqui quebrando o coração da Manu.
— Elas... São um casal? — Letícia indagou e não se conteve em rir. É por isso que elas estavam tão estranhas quando saíram do banheiro de uma festa um dia, porque Ti quase as pegara no flagra.
— Eu não sei como não percebi, de verdade — Ísis se permitiu pensar.
— Não somos um casal — disse Manu voltando sua atenção de volta aos panos.
— É claro que somos.
— Se fôssemos, você não ficaria pisando nos meus sentimentos assim e me contaria todos os seus planos — Manu foi sincera.
— Você me manteve em segredo e nunca pensou nos meus sentimentos quando nos escondia. E agora que fiz uma coisa pra salvar nossas vidas, eu sou o monstro? — indignou-se a garota que vinha se desdobrando em mil para sair dali.
— Claro que seríamos um casal assumido, claro. Olha para a sua família. Eles não te deixam andar fora da linha, como você teria uma namorada? — a ginasta sabia que estava sendo dura demais, mas não se importava. Pensando em como vinham sendo os últimos dias, se achava no direito de brincar com os sentimentos de Luana. Uma das pessoas que mais amava na vida, porém que nem sequer confiava nela.
— Letícia, nossa briga é boa, mas elas com certeza são melhores nessa parte. Podemos fazer mais esse negócio de perguntas chocantes? — Samuel resolveu brincar com a situação por mais séria que fosse. Claro que ele havia dito mais baixo para Ti, porém ela revirou os olhos. O que se passara na cabeça dela foi que Manu e Luana eram mesmo um casal, mas não eles. A verdade era que Letícia vinha percebendo que logo eles teriam que ter uma conversa sobre isso.
— Sabe... Tem hora que eu acho vocês tão dramáticos.
Khalil tinha retornado com algumas pessoas que seguravam coletes? Me desculpem, leitores, mas é que eu preciso confirmar se é isso mesmo que estou vendo. Nas mãos das pessoas ao lado dele, tinham coletes com vários fios. Acoplados aos coletes, estavam bombas C4, prontas para explodirem a qualquer momento. Samuel que só as tinha visto em jogos coçou os olhos para ver melhor. Khalil posicionou as pessoas em volta dos reféns com os guardas logo atrás.
— Bem aqui na mão, eu tenho a morte de vocês — ele mostrou um controle que tinha em mãos a todos. O pequeno objeto era composto com um único botão vermelho e os adolescentes já deduziam o poder de destruição que apertar aquilo poderia ter.
A cabeça de Letícia viajou para uma realidade em que todos eram explodidos e o esconderijo era reduzido a pó. Toda a esperança de Samuel parecia ter sido extinta também. Como poderia ter uma saída? Segurando os coletes, as pessoas começaram a se movimentar para colocar a vestimenta mortal nos adolescentes. A cena poderia ser vista como um jogo terrível em que o destino terminaria em apenas um cenário. Ísis e Luana lutaram quando duas mulheres se aproximaram para colocar o colete em seus corpos, porém os guardas interviram a fim de forçar a entrada da roupa por suas cabeças. Letícia começou a chorar e pensou que o melhor era aceitar a C4 com mais tranquilidade, afinal não sabia se um movimento brusco poderia causar a explosão.
Assim que cada jovem foi vestido com o colete bege e colocados enfileirados em frente aos guardas e funcionários, Samuel segurou a mão de Letícia procurando um ponto de conforto para si mesmo e a ela.
— Já estava na hora de eu contar a parte final de minha história — os olhos de Khalil brilharam.
Stephen tremia como nunca na vida. E mesmo nos piores momentos em que tinha vivido, nunca perdera o controle daquela forma. Tentava forçar sua mente a registrar uma fuga, mas pela primeira vez também, o único caminho era esperar.
— Durante o atentado nas Torres gêmeas eu estive por perto, entrei em mais de três grupos terroristas. Eu precisava entender os passos deles e montar o plano perfeito. Na verdade, o idiota do Badu já havia montado tudo que eu precisava saber, a única coisa que me faltava era entender como os líderes funcionavam. Como lidavam diante das pressões. E eles nunca tremiam diante do que precisavam passar. Nem no atentado ao hotel Mumbai, uma das ações que mais admirei até hoje. Todos eles estavam certos em lutar pela nossa fé, porém eu precisava fazer o que nenhum tinha feito até hoje... Fazer o mundo querer ficar com nossa fé.
Todos acompanhavam o discurso com medo iminente, mas continuaram a escutar:
— E o mundo é um lugar fútil. Fazem tudo por dinheiro e por uma vida melhor. Estou reunindo o que eles precisam. Provas. Provas de que seguindo o islamismo seremos um planeta melhor. Todas as sensações e nossas conversas até hoje aqui nesse lugar, eu gravei. No começo, vocês eram ariscos e voláteis, mas o tempo passou e se tornaram obedientes, alguns até vieram para o meu lado. Mas como ato final, vocês se sacrificarão. Se sacrificarão em nome de Alá na terra dos infiéis!
— Eu não vou fazer nada pra você, seu filho da puta! — Ísis gritou se remexendo em seu colete. Uma das funcionárias a segurou tampando sua boca.
— Vai ser lindo. Eu terei salvo todos sem distinção. A garota viciada em drogas, a recriminada pela família, o traído e até a transexual. Meu plano inicial era incluir o garoto com ansiedade e a garota com autoestima baixa no plano também, mas Stephen só teve a capacidade de me trazer quatro e fazemos o que está ao nosso alcance com o que temos.
— Você não nos salvou... Você destruiu nossa saúde mental! Acabou com tudo!
— Tem certeza, Ísis? — Khalil se aproximou do rosto raivoso dela. — Eu a trouxe felicidade, sei que trouxe. Eu fiz a verdade ser revelada e no caso de Bruno, também abri os olhos dele.
Bruno fez uma pequena reverência com a cabeça como agradecimento. Khalil acabara se tornando a única pessoa que no fim das contas confiara em ser sincero com ele. A única coisa que agora o jogador de futebol precisava fazer, era retribuir.
— Muito bem — o sequestrador se alongou mexendo no pescoço. E repuxando os braços. — Eu acho que antes de tudo, eu deveria punir vocês. Luana, você realmente fez errado tentando ir embora e não acho que tudo deve passar impune. E Ísis, você mesma acabou de dizer que eu não os salvei. Você não acredita, nem nunca acreditará na fé.
Khalil ergueu sua pistola de repente e todos começaram a gritar e tentar sair do lugar, mas os guardas pareciam ter treinado mil vezes para aquele momento e impediam que a resistência mudasse alguma coisa.
Khalil mirou a pistola bem na direção da cabeça da ruiva que passou a chorar copiosamente. Ele destravou a arma e posicionou seu dedo de leve contra o gatilho, mas sem apertar ainda.
— Você morre aqui nas minhas mãos, mas o mundo achará que você se sacrificou. Se sacrificou pelo islamismo. A história vai ficar ótima — Ísis abaixou sua cabeça rendida e praticamente aceitando um fim próximo. Normalmente em momentos como aquele ela pensaria em alguma piada ou zoaria que sua vida estava chegando ao fim tão cedo, mas agora era diferente. Sua mente só paralisava ao olhar para o bico da arma.
Ninguém realmente achou que seria tão rápido. Em um momento a arma só ameaçava, mas no seguinte disparava furiosamente após o dedo de Khalil apertar o gatilho. Uma bala pode alcançar 975 metros por segundo quando atirada, mas apesar desse e outros milhares de dados que eu tenha pesquisado sobre armas e disparos, nada mais importava já que a diferença entre Khalil e Ísis era de dois metros ou menos talvez. A ruiva fechou os olhos quase que imediatamente e soltou um suspiro no exato momento.
A bala quando passa pelo cérebro além de carbonizar cabelo e pele pela frente, é capaz de quebrar oito ossos cranianos efetuando todo seu estrago. Destruindo seu hipocampo e córtex pré frontal, ela acaba com tudo o que era o órgão mais importante do ser humano, no caso o cérebro. Apesar dessa descrição gráfica ser mais lenta, toda a destruição acontece em bem menos do que isso acabando com a vida da vítima. E por mais que tudo isso seja terrível, não foi esse o caminho perseguido pela bala.
No minuto em que o sequestrador chefe ergueu a arma mortal, ninguém reparou, mas lentamente Stephen tinha se aproximado do lado esquerdo da ruiva e dando um susto ainda maior em todos quando empurrou a garota da frente da arma assim que Khalil fez o disparo.
Ísis saiu tropeçando para o lado enquanto toda a cena desenrolava e a bala seguia diretamente para o peito do homem, o lançando para trás assim que o projétil destroçou seu pulmão. Khalil arregalou os olhos enquanto o zunido do tiro ainda cortava o ar. A hemorragia começou rápido assim que Stephen vinha ao chão.
Passaram-se mais alguns segundos e Khalil voltou a sua expressão fria anterior e se retirou da sala. Stephen ainda estava morrendo.
— Por quê? Por que você fez isso? — Ísis não tinha mais nenhum controle sobre si e caiu sobre o corpo de Stephen com um vazio indescritível. O peito dele era um lago sangrento quase negro e ele passara a se engasgar no próprio sangue com seu pouco tempo de vida.
— Por que... Era... O certo... — lágrimas também despontavam do rosto dele. Minutos antes de Khalil levantar a arma, Stephen já sabia o que aconteceria. O sequestrador estava batucando os dedos contra a pistola em seu cinto e ele sempre fazia isso quando ia matar alguém. Stephen assistira a algumas execuções que Khalil cometera e se atentara a esses detalhes. Quando você passa uma vida inteira na ilegalidade, ao lado de pessoas criminosas, que fariam de tudo para obter o que desejam, você passa a reparar nesses detalhes. O estilo de uma pessoa ao matar. Khalil tinha o estilo de tamborilar os dedos na arma antes do assassinato.
— Você não precisava, Stephen! Não precisava! — Ísis grudou sua testa na do homem e se lembrou de quando ele contou sua história. Stephen fora um homem sem oportunidades e que sempre precisou sobreviver. Ele nunca vivera de verdade, apenas lutou para continuar vivo. E agora, tinha salvado a vida dela.
— Eu... Precisava... — mais sangue pintava os dentes dele. Seu sorriso era de tranquilidade por mais que tudo a sua volta gerasse desespero. — Você... É melhor do que eu.
Stephen levantou suas mãos sujas de sangue e fez um leve carinho na bochecha de Ísis. Aquela garota tinha provado ser mais forte em alguns dias do que ele fora sua vida inteira. Ela tinha que ser salva, e se a vida dele seria perdida no processo, era um detalhe.
— Não sou melhor, não sou! Ai meu Deus! Você precisa ficar vivo — ela começou a passar mão em volta da ferida como se pudesse resolver tudo com um toque mágico. Os outros adolescentes assistiam a cena em completo estado de choque. Letícia tremia em um nível descontrolado.
— Ísis... Me prometa uma... Coisa... — ele já estava fazendo uma força descomunal para continuar falando.
— O quê?
— Conte a eles — voltou seus olhos para o resto do grupo. — Eles merecem saber quem você é... de verdade, assim como Brian já sabe...
Stephen deu um último sorriso antes que sua vida se desvanecesse por completo, mesmo que seus olhos continuassem abertos. Desde o começo do sequestro, Stephen tinha sido o cara que importunava a vida dos adolescentes e só um cachorrinho seguindo ordens. Mas aquilo mudara a vida daquele homem. Ele criou empatia pelos adolescentes. Queria mudar de vida ao tentar pegar o dinheiro naquela noite, mas falhou. Portanto se fosse para sair morto depois de trair Khalil, sairia salvando a vida de alguém.
Os minutos seguintes foram preenchidos pelas fungadas fortes de Ísis. Era ela quem estava na mira da arma, era ela quem tinha que ter morrido. Por que ele pulara na frente? Por que arriscar tanto a própria vida? A mente dela era um turbilhão e parecia não conseguir respirar direito com aquele colete envolvendo sua caixa torácica. Notando que a ruiva precisava de ajuda, o grupo se reuniu ao redor do corpo de Stephen. Luana segurou a mão da amiga. Letícia cuidou de fechar os olhos do morto eSamuel pegou seu casaco e jogou por cima do mesmo.
Ísis estava sofrendo e começou a gritar de repente. Brian queria conter a dor da garota que tanto gostava, mas não conseguia se mover sem que sentisse tanta dor. Lutava para não acabar desmaiado novamente. As lamúrias se seguiram e a dor permaneceu sem o retorno de Khalil para piorar a situação.
Bruno pensava em sua mente racional que se Luana não tivesse se revoltado, nada daquilo teria acontecido e Ísis não estaria sofrendo muito. Ele já começava a se alienar ao pensar que ninguém teria dor nenhuma se aceitassem as ideias de Khalil. Era questão de aceitação em sua mente.
Gente, alguém bate no Bruno? Ele precisa acordar pra vida! Tipo agora!
— Foi o último pedido dele — voltou a falar Ísis limpando o rosto destruído por suas lágrimas. — Que eu contasse a verdade para todos vocês.
Todo mundo escutava enquanto ela falava dolorosamente. Letícia já tinha entendido mais ou menos quando Khalil estava falando sobre seu plano minutos atrás.
— Khalil disse que estava salvando a garota das drogas, a reprimida e a trans. Gente, meu nome de verdade é Ísis — até Bruno escutava com atenção. Era uma revelação de uma pessoa que estava com eles todos os dias. Luana segurou forte a mão da ruiva para dar forças. Letícia se emocionou diante da cena, não queria que uma de suas amigas mais próximas tivesse se escondido por tanto tempo.
Samuel se aproximou e beijou a testa de Ísis lhe passando conforto. Ele sempre sentiu que aquele Igor nunca sorria de verdade e que algo parecia desencaixado, mas agora as coisas faziam mais sentido porque aquele Igor não existia. Quem era de verdade era Ísis.
— No começo, as coisas eram esquisitas porque minha mãe sempre me chamava de Igor, meu menino favorito, mas quando eu chegava na escola, era difícil porque estar entre os meninos nunca fez sentido pra mim. Eu me sentia feminina. De primeiro momento eu tentei ignorar e seguir a vida, afinal aquilo não fazia sentido. Do quinto para o sexto ano que eu vi a primeira transexual na vida e foi em uma entrevista. Foi ali que eu me toquei e me identificava com ela. Um sorriso me apareceu naquele dia, nunca vou esquecer.
Samuel se culpava um pouco. Como ele nunca percebera antes? Na sua família ele tinha uma prima transexual e sua mãe sempre lhe ensinara a respeitar e dar apoio caso alguém próximo dele precisasse de ajuda.
— Eu tive medo de contar pra vocês, já que um dia o Bruno fez uma piada transfóbica e todos riram, sem exceção. Eu tive que fingir que tudo estava bem, mas eu chorei muito depois. Meu pai sempre esperou que eu fosse um garoto másculo ou algo sim, mas como eu contaria pra todo mundo? Só sei que sempre foi tudo muito difícil, mas eu tive que contar agora. Stephen me deu coragem.
Ísis fez um carinho sobre o rosto dele que já estava coberto.
— Me desculpa, Ísis — pronunciou Letícia se sentindo a pior pessoa do mundo. Ela se lembrava do dia que Bruno fizera a piada. Eles riram e debocharam.
— Tá tudo bem — respondeu ela enquanto era abraçada pelos três amigos ao mesmo tempo. Samuel, Luana e Letícia.
— Mas por que você nunca contou antes? Da onde é que você tirou isso? — Manu começou a lançar várias perguntas. Nada fazia sentido na cabeça dela. Como que Igor era uma garota? De repente aquilo e ela não sabia como lidar. A vida inteira Igor sentira aquilo, o que quer que fosse e nunca falou a verdade para o grupo? Ela não concordava com isso.
— Eu... Não sabia como... Como contar pra vocês. Porque eu tinha medo e...
— Não precisa se explicar, Ísis. Ela não contou antes porque não estava preparada, Manu — Luana se voltou para a ginasta com revolta. — E ela não tirou isso de lugar nenhum! É o que ela é.
— Ah tá bom! Agora é Ísis? Pra mim ainda não faz sentido.
— Juro que de todos, você é a que eu menos esperava esse tipo de reação — confessou a gótica em tom de decepção. — A Ísis teve que mentir a vida toda por medo, o mínimo que a gente tem que fazer é ficar quieto quando ela finalmente conta as coisas pra gente.
— É isso que me indigna. Ele não precisava ter mentido em nenhum momento. Eu acho que o Igor está confuso. Esse sequestro tá acabando com a gente e estamos tirando conclusões erradas...
— Luana, não precisa brigar — a ruiva interveio antes que a gótica brigasse ainda pior com Manu. As duas já estavam brigadas e outra intriga pioraria a situação. — Manu, talvez demore um tempo pra você entender. Eu sou ela. É uma coisa complicada porque eu não sabia por onde começar pra contar a vocês. Eu tinha medo de ficar sozinha o resto do ensino médio ou algo assim. Perder meus amigos seria o pior castigo na minha cabeça. Mas na verdade, o sequestro foi o pior castigo. Aqui tivemos que enfrentar quem nós somos. Foi aqui que eu percebi que não podia continuar vivendo como estava. Brian me fez entender isso — ela voltou-se ao loiro que tinha lutado para arrastar-se para perto deles que estavam em volta de Stephen. Ele soltou um beijo caloroso na mão dela que significava mil coisas: eu agradeço você, eu amo você, eu tenho orgulho de você. Só não conseguia dizer em voz alta porque sua situação era debilitada.
Bruno assistia tudo de longe. No fundo, se sentiu péssimo por ter feito aquela piada e as proporções terríveis que a brincadeira tomou. Mas uma coisa era certa, ele entendera o que faltara a sua ex namorada entender, Igor... Ísis era sim uma mulher. Ela nunca parecera tão séria na vida e dos anos que Bruno tinha passado ao lado dela, a garota sempre tinha brincado com tudo, mas não dessa vez porque aquilo era sua maior verdade. O jovem se lembrava de quando fizera a brincadeira.
Ísis dera um sorriso falso naquele dia, olhara para o chão e ficara em silêncio.
— Você tem razão — Letícia arrumou seus cabelos tomando o lugar de fala. — Pelo o que percebi desde que cheguei aqui, vocês estão muito diferentes. Estão mais dispostos a serem sinceros, mais maduros. Manu e Luana, eu sei que não estão em seu melhor momento agora, mas o que vocês duas têm, é sim real. Esse sequestro deu abertura para que fossem verdadeiras. — Manuela abaixou sua cabeça diante da declaração. Se sentia péssima afinal dissera aquelas coisas a Ísis, mas não sabia como lidar com aquela situação ainda e sobre Luana, a garota realmente tinha machucado seus sentimentos. Porém o fundo de verdade era que eles tinham crescido. O sequestro não durara meses, mas cada hora contou para uma nova mudança.
— E você, Ísis, encontrou alguém importante — Os olhos claros de Ti, voltaram-se a Brian. — Encontrou a si mesma e está me enchendo de orgulho agora.
Letícia não citou Bruno no discurso. Não poderia citar por mais que ele estivesse escutando cada uma das palavras dela, atento. Ele deveria ter amadurecido também, mas fizera algumas escolhas erradas. Ela ainda esperava que ele dissesse que era tudo uma mentira, que não estava no lado de Khalil. Contudo, Bruno sabia que se queria manter a si mesmo vivo, sua irmã e a mãe precisava continuar ao lado do sequestrador.
— É como se estivéssemos nos reconstruindo — os olhos de Ísis ficaram bem marejados. — E aprendendo. Antes éramos parte de alguma coisa como 0.1, 0.2 ou 0.3, mas agora eu acho que estamos no caminho certo. Completos talvez como 1.0 ou 2.0. Completos porque fomos sinceros. Talvez ainda tenha muita coisa que precisamos fazer, mas uma coisa é certa: Se ficarmos vivos, não terão mais segredos ou mentiras. Seremos nós mesmos.
Caramba, Ísis! Cada dia eu te amo mais. Você acabou de explicar todos os capítulos do livro. De alguma forma, vocês não são mais partes de alguma coisa. Estão mais completos depois de tudo isso. E é lindo. Me perdoem, leitores. Não sou eu que estou chorando, são vocês.
— Até Samuel e Letícia mudaram. De dois colegas que se estranhavam passaram a ser ficantes que gostam do amor! Quem imaginava isso? — Disse Ísis.
— Nós odiamos o amor! — os dois disseram ao mesmo tempo e deram risada em seguida. Ficaram constrangidos pela sintonia da frase. Letícia ruborizou.
— Não odeiam não — refutou Luana. — Eu acho que duas pessoas que atravessaram o país para buscar os amigos e passaram por diversos perigos pra isso, inclusive invadir um sequestro, essas pessoas fizeram tudo isso por amor.
Letícia nunca parara pra pensar sobre isso e assim que passou a refletir sobre, se virou para Samuel a ponto de saber o que ele achava.
— Eu acho que ela tem razão — riu em seguida. Os cachos se remexeram em volta de sua cabeça enquanto seu sorriso se destacava. Ti assumiu para si mesma o quanto aquela cena à agradava.
— Tá, gente. Vamos fazer a cena de filme agora — Ísis chamou todos para abraçá-la. E o abraço coletivo aconteceu. Manu foi hesitante, mas fechou os olhos enquanto todos se abraçavam. Bruno revirou os olhos e fingiu que arma era mais interessante por alguns segundos.
— Vamos ficar bem — o otimismo de Samuel falou e no minuto seguinte Khalil retornara a sala.
Khalil de alguma forma parecia transtornado. Seus olhos estavam vermelhos agora, sua roupa mais bagunçada que nunca. Seus cabelos, não mais com os fios no lugar, mas seu rosto diferente de que momentos atrás, assumira uma nova expressão obstinada.
— Vocês, guardas! Peguem esses dois! — ordenou sem mais nem menos. Seus seguranças foram em direção ao grupo abraçado e desmembraram o lindo momento que eles criaram em meio ao sequestro. Ísis foi carregada para perto de Khalil assim como Brian que fora erguido do chão, as pressas. Samuel, Luana e Letícia se arrastaram ao fundo da sala incomodados com o sufocamento do colete.
— Ísis vai aprender uma lição das duras agora — Khalil não media mais suas palavras. Sua voz parecia rouca e refletia o desequilíbrio que o corpo inteiro dele mostrava. O chefe do sequestro saiu da sala com os guardas segurando Ísis e Brian.
— Não! — gritou Luana enquanto a amiga era levada, mas não havia o que fazer com a C4 perto de seu coração que só aumentava sua angústia.
XXX
Khalil sentira a perca de controle poucas vezes na vida. Ele não entendia por que muitas das vezes as pessoas não sabiam qual escolher entre a razão e a emoção. Pesar, calcular e seguir regras sempre foram fáceis em sua concepção.
E uma das regras de seu plano era: Não deixe ninguém te impedir de chegar na conclusão final.
Mas ele falhara miseravelmente em respeitar aquela regra. Falhara porque decidira atirar em Ísis. Aquilo não tinha sido o certo. A garota trans era parte de seu grande feito e ele não se daria por satisfeito enquanto cada um daqueles jovens não tivessem se sacrificado por seu plano. Por Alá.
Quando Ísis percebeu, estava no alto. Acima de tudo e sob a luz do luar. Khalil tinha subido até a superfície do esconderijo com ela e Brian. Os guardas andaram em silêncio com suas armas em punho e ficaram de prontidão quando se aproximaram da torre de vigia. O atirador a longa distância ficava ali no horário certo. Samuel invadira o local por ali mais cedo. A torre de vigia agora era fria.
Khalil mandara Ísis e Brian subirem as escadas a força, até o topo. De cima era possível ver toda a floresta em volta, a clareira que compunha a entrada do lugar e os carros também ali presentes. A vista de dia não deveria ser nada mal, mas a ruiva era incapaz de pensar nisso ao estar em uma plataforma tão alta ao lado de Brian que estava quase fora de si. Ela segurou ele no canto da torre quando Khalil terminou de subir os degraus e chegou lá dizendo:
— A minha vida me ensinou lições das formas mais dolorosas e posso dizer que funcionou. Olha pra mim agora.
“Um degenerado escroto” pensou a mente da ruiva com ódio efervescente.
— Sou um dos maiores chefes do crime que esse país já viu e estou construindo um mundo melhor. As lições começaram para mim antes mesmo de que nascesse. Quando Samira morreu, ela determinou meu destino. E sabe o que eu vou fazer agora, Ísis? Vou determinar o seu destino.
Khalil puxou Brian com força para perto dele e ela gritou.
— Ora, ora. Parece que alguém ficou desesperada — brincou ele com o desespero de Ísis e apontou a arma para a cabeça de Brian.
— Por favor, eu faço qualquer coisa — passou a implorar sem demora e chegou a se joelhar. Não importava o quanto aquilo era humilhante. Só precisava de Brian vivo. Aquela arma na têmpora dele já era como um tiro em seu coração.
— Agora você faz? Você disse que eu não te salvei, não se comportou um momento sequer e agora faz qualquer coisa? Eu acho que eu te salvei, afinal, você nunca se aceitaria se não fosse o meu sequestro.
— O seu sequestro não serviu de nada — ela se apoiou em uma das barras da torre afastando seu cabelo da testa embebida em suor. — Eu sempre me aceitei, só precisava de tempo para expor a verdade.
— Se meu sequestro não valeu de nada, a partir de agora, ele valerá! — gritou ensandecido o homem e sem mais nem menos fez uma coisa que Ísis não poderia prever.
O peso de Brian se chocou contra a mureta da torre e em seguida ele caiu. Com violência, despencou metros no ar. A única reação do loiro foi seus olhos arregalados e em seguida fechados devido ao susto. A ruiva esgoelou e correu para a ponta da torre para ver Brian.
O loiro estava caído desengonçado no chão de pedra, seus cabelos bagunçados e em volta deles, uma poça de sangue que crescia.
Brian estava morto.
— A lição está aprendida. Não se desrespeita um homem superior a você e nem uma crença maior que você, se não haverá consequências.
Ísis vomitou.
MEU DEUSSSS, EU NEM FALO NADA.Até o próximo capítulo!
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Nós Odiamos O Amor (CONCLUÍDO)
Teen FictionEra para ser mais uma festa normal, porém um desaparecimento aconteceu. Em Pelotas, Rio Grande do Sul, um grupo de seis amigos resolvem sair para badalar na cidade vizinha, mas somente dois retornam daquela festa. Samuel e Letícia vieram embora mais...