Oiii! Eu amo esse capítulo, acho que ele mostra uma conexão que o ser humano precisa ter que é perfeito.
Só leiam.
Minha mente não acompanhou quando Samuel saiu correndo do hotel. A maconha tinha me deixado muito estranha e em um nível lento para processar informações, porém aquela veio como um baque. Como a mãe de Sam podia estar morta?
Parei de pensar e só tive um único instinto. Precisava estar ao lado dele, apoiá-lo naquela dor e fazer o meu melhor. Comecei a correr também, mas não consegui chegar nem até a porta da recepção sem que minha mãe me segurasse.
— Mãe! ME SOLTA! Eu preciso vê-lo! Tenho que ir! — Esperneei enquanto ela segurava meus braços.
— Não, filha. O que ele precisa agora é de espaço. Eu odeio ter sido a pessoa a ter dado essa notícia horrível. Ele provavelmente nunca mais vai esquecer desse momento. Me lembro muito bem de quem contou da morte do meu pai para mim — ela me abraçou como não fazia há muito tempo segurando as batidas do meu coração que repetiam como loucas. Lágrimas já tinham começado a escorrer. Eu era pequena quando o vovô morreu e lembro de pouca coisa, mas só eu posso dizer o quanto Samuel amava a mãe. Da forma que ele falava dela, das coisas que estava disposto a perder só pela alegria dela. Eu mesma, das poucas vezes que conversei com a senhora Santana, ela nunca me faltou com sorriso, educação e o carinho que apenas uma mãe poderia ter.
— Mãe — olhei bem no fundo dos olhos dela e reparei em suas profundas olheiras. — Ele pode cometer alguma coisa de ruim. Eu não vou me perdoar se tiver deixado isso acontecer.
— Eu não vou deixar você sair correndo daqui igual uma louca. — minha mãe foi clara. — Eu vim até Manaus e saber que você tá viva já é um presente mesmo depois da péssima mãe que tenho sido. Eu vou deixar você ir, mas primeiro acho que devemos conversar.
Desisti de tentar correr e me mostrei disposta a ter aquela conversa, mas não podia demorar muito porque qualquer minuto perdido poderia ser mais alguma péssima atitude tomada por Samuel e eu era a única pessoa que podia estar ao seu lado agora.
Sentei-me no sofá da recepção e meu pai veio para o meu lado beijando minhas bochechas e murmurando agradecimentos por eu estar bem.
— Pode ficar tranquilo, senhor Gomez que não vou morrer tão cedo — pisquei em sua direção. Por mais que dissesse aquilo, as vezes a vida me pregava peças dizendo que o certo era eu me matar de uma vez. Tentei afastar os pensamentos ruins, porém nada parecia colaborar com o momento, já que a notícia do falecimento e a dor de Sam me mostravam o quão a vida era cruel e que as vezes a paz só poderia ser alcançada se eu estivesse morta.
— Letícia, você só pode estar querendo matar seus pais do coração! — Meu pai parou com os beijos se permitindo ter a primeira postura de bronca desde que me viram. — Não se foge de casa do nada de uma forma totalmente louca para o outro lado do país! Se pelo menos fosse para São Paulo que é mais perto, mas para Manaus? Essa é nova. A polícia veio nos interrogar e tivemos medo de que estivesse envolvida em algo até pior, mas fomos irredutíveis desde o início sempre negando qualquer acusação que eles pudessem fazer sobre você. A mãe de Manu, o pai de Bruno e a mãe de Igor nos apoiaram. A mãe de Samuel ficou conosco o tempo inteiro também, mas então...
Ele hesitou. Como é que ela tinha morrido? Era a primeira vez que pensei naquela pergunta, mas meu pai foi contando tudo tão rápido que precisou respirar e minha mãe assumiu a posição:
— Bem... A polícia só resolveu insistir na pista de Brian na investigação porque os pais da Manuela... Eles investiram dinheiro e disseram que iriam fazer de tudo para que a filha fosse encontrada e foi só assim que a delegacia organizou investigadores para vir pra cá em conjunção com os oficiais daqui mesmo. Nos preparamos para a viagem e conseguimos a primeira passagem que vimos.
— Mãe, mãe — interrompi. — Pode me dizer o que aconteceu com a mãe do Sam?
— Eu não queria ter que explicar essa parte, mas sabia que a dúvida iria aparecer alguma hora — minha mãe começou a chorar e me abraçou mais uma vez. — Letícia, foi horrível. O último dia que ela veio nos ver foram dois dias depois que vocês viajaram. Ela veio saber sobre a suposta viagem a praia que vocês inventaram por telefone para ela. Tinha uma cara abatida, mas achei que era algo que melhoraria e juro que se pudesse voltar no tempo não teria deixado acontecer o que aconteceu. No dia seguinte que ela veio me ver, resolvi visitá-la para informar que você e Samuel tinham mentido, mas quando eu cheguei na casa dela...
Segurei a mão da minha mãe com força para o que quer que ela fosse relatar a seguir.
— Ela... Se enforcou. — Senti como se um imenso buraco surgisse em mim e minha única reação foi colocar meu rosto entre minhas mãos. Samuel nem ficara sabendo da pior parte. Ele se culparia. Já sabia que seria assim. Vai pensar que tomou a atitude errada quando fugiu de casa nessa viagem maluca e que ele poderia ter impedido. Meu Deus...
— E Erick? — Não soltei a mão de minha mãe em momento algum.
— Assim que ele viu o que a mãe tinha feito, desmaiou. Levaram ele para o hospital e agora uma vizinha está cuidando dele enquanto a tia está voltando para Pelotas. — Como tanta coisa poderia ter ruído em apenas em dez dias? A culpa começou a assumir meu coração também. Eu era parte daquilo. Tinha influenciado tudo a acontecer. A viagem seria um dos grandes fatores para ter acontecido o suicídio? Se fosse isso, eu só posso ser um monstro.
— Filha — minha mãe me chamou depois de alguns minutos que me deu um tempo para processar. — Não se sinta culpada. Nem você e nem Samuel é. Ela deixou uma carta, mas não abri. Deixei para que Samuel abra quando quiser. Vocês não são culpados porque tudo estava um caos. Eu e seu pai não vínhamos nos comunicando bem com você, nem entre nós mesmos.
Vi meu pai concordar pelo canto de olho.
— E em meio a sua dor, Erick deixou claro muita coisa. Eu fui a primeira pessoa que ele conversou depois de tudo e ele deixou claro que a mãe deles vinha presa naquela angústia há muito tempo e que Samuel sempre tentou ser o melhor, mas ela nunca procurou ajuda profissional e nunca aparentou melhora em sua saúde mental desde a morte do marido...
— Você ainda conseguiu falar com Erick?
— Sim. Não de primeiro momento, mas quando ele saiu do hospital chorou muito, mas foi muito maduro. Eu acho que tudo que já aconteceu com a família deles amadureceu o garoto, mas ainda pude ver nos olhos desse menino. Ele está assustado e confuso. Só me pediu uma última coisa antes de eu viajar. Trazer Samuel de volta pra casa e seguro porque é a única pessoa que pode ajudar ele nesse luto.
Minha mente imaginou Erick e como deveria estar sofrendo. Tão novo e com perdas tão grandes. Levantei do sofá e fui tomar uma água em um bebedouro próximo, respirei fundo e tentei me acalmar. Se meu objetivo vai ser acalmar Samuel, eu preciso estar calma primeiro por mais que tudo esteja prestes a desabar. O lugar onde nossos amigos estão presos finalmente foi descoberto e as próximas horas serão cruciais para descobrirmos se eles estão bem e agora essa bomba caiu sobre nossos colos.
O que será que a senhora Santana pensou nas últimas horas? Olho para os meus pais e respiro fundo enquanto retorno para o lado deles.
— Querida, você precisa dar seu depoimento agora para os policiais e logo em seguida você pode ir procurar Samuel — informou meu pai. — Se você quiser podemos ir já procurando por ele...
— Pode deixar. Tem que ser eu a falar com ele. Sinto isso no meu coração. Serei rápida ao explicar tudo aos policiais — sorri para eles e segui em direção das autoridades que ficaram de olho nos meus movimentos. Dei todo o depoimento a eles enquanto os mesmos anotavam. Eram três policiais e pelo o que eu sabia, dois eram de Pelotas e um de Manaus. Expliquei tudo desde a festa no sul até agora e tentei manter todos os detalhes cruciais por mais que ficasse desconfortável em detalhar a viagem de avião clandestina, a festa dos Tupiasú e a reserva de hotel. Respondi todas as perguntas e eles agradeceram ao fim da conversa dizendo que assim que Samuel estivesse disposto também seria chamado para testemunhar os eventos. Foi esquisito contar toda a história de forma formal ainda mais tendo tantas preocupações a cabeça.
Por fim, meus pais sorriram na minha direção e um para o outro. Tomei um susto com o sorriso cúmplice que eles se entregaram. Fazia muito tempo que via os dois em um momento leve como se realmente fossem marido e mulher não sendo apenas um casal que se amou no passado e se perdeu depois. Na verdade parecia que tinha algo entre eles que não me contaram, não exatamente um segredo. Talvez estivessem para revelar no momento certo?
Por mais que eu quisesse descobrir o que era, a hora não cabia. Iria correr por e para chegar em Samuel. Eu não tinha certeza exata se ele iria querer me ver mesmo, mas precisava pelo menos vê-lo para saber se ficaria bem sozinho.
— Cidalice, preciso da sua ajuda. — Nossa amiga permaneceu no canto da recepção enquanto assistia eu conversar com meus pais.
Ela parecia estar com uma cara preocupada, provavelmente comigo e também pelo o que seus pais diriam mais tarde ao descobrirem que criou reservas para menores no hotel, abrigou adolescentes na casa deles e foi a uma festa que tecnicamente era para ter permanecido em segredo.
— Você está bem? — Ela voltou a pergunta sem saber ao certo como agir. Sua feição de preocupação parecia ir além das coisas que eu tinha tentado deduzir, mas não existem outras coisas para ela estar se preocupando. Deve ser coisa da minha cabeça.
— Na medida do possível. Estou cansada de receber notícias ruins, mas tento lutar contra tudo isso. Agora eu preciso muito da sua ajuda — voltei a falar do que estava pensando primeiramente.
— Ti, eu sei que quer parecer durona, mas se precisar surtar, saiba que eu posso aguentar isso. Não conheço você há muito tempo, mas já te considero muito — Cidalice foi sincera e acabei me perguntando se ela tinha muitos amigos. Nunca vi nenhum deles por perto. Talvez não tivesse ou fosse aquela garota que se encaixava com muitas pessoas, mas só criava laços se confiasse muito. Gostava de pensar que ela acreditava em mim. — Do que você precisa?
— Eu bem que queria surtar agora, mas tô tentando focar. Preciso encontrar o Sam. Nem que eu tenha que colocar essa cidade abaixo.
— Ei! Ei! As vezes eu reclamo de algumas coisas daqui de Manaus, mas por favor, te imploro, não põe minha cidade abaixo não. Se não eu vou pra Pelotas, em? — Riu logo em seguida de sua pose brava e acabei soltando um riso mesmo com o coração pesado.
— Okay. Não descontarei em Manaus se você me disser que tipo de lugar você iria se estivesse precisando respirar e ao mesmo tempo pensando em acabar com tudo.
— Poxa, que pergunta difícil e específica. Eu não sei nem pra onde vou quando quero comer só um lanche, imagina isso ai que você pediu...
— É sério, Cida! Sei que você consegue... Talvez eu também esteja especificando demais, mas eu sei que ele foi para um lugar diferente — comecei a puxar ela para a frente do hotel. Samuel não estava lá como eu esperava. Poderia ser que ele não tivesse ido muito longe, mas desde o momento que correu até o fim do meu depoimento deveria ter se passado ao menos uma meia hora.
— Bem. Uma vez uma amiga minha disse que se ela precisasse esquecer um pouco as coisas ela iria para uma ponte. No caso, a ponte estaiada do Rio Negro. É um lugar que eu até gosto de passar. É bonito...
— Você pode me levar lá? Não é certeza de que ele estará lá, mas quem sabe? Se ele não estiver, continuarei procurando.
— Mas por que você acha que ele vai estar em um lugar certo? Talvez ele só esteja andando por ai...
— Eu apenas sei... — Respondi. Na verdade a resposta para essa pergunta é mais profunda. Desde que éramos amigos, toda vez que o Sam ficava triste, ele saía de casa e ia para um determinado lugar onde pudesse se acalmar. Nunca era o mesmo local, mas era apenas para respirar e pensar. Foi algo que eu notei com o tempo. Ele nunca me disse por que, apenas percebi.
— Vamos precisar de um carro. Lá não é tão perto — informou Cida sem me contrariar ou acrescentar em nada.
Meus pais assentiram uma última vez antes de eu deixar o hotel com um motorista de aplicativo. Durante toda a viagem, Cida segurou forte na minha mão como se compreendesse tudo e estivesse lá para qualquer coisa que viesse. A viagem demorou um pouco mais do que eu esperava e nada parecia me ajudar na ansiedade. O fato de eu não conhecer Manaus me fazia ficar em dúvida se estávamos ou não perto da tal ponte estaiada que tinha o nome de Ponte Phelippe Daou. Não quis incomodar Cidalice com perguntas sucessivas ainda mais porque não tínhamos nenhuma prova de que ele estaria realmente lá.
— Chegamos — o motorista disse e foi como um alívio porque nem tinha notado. A ponte se estendeu a frente da minha visão. Iluminada por postes não ficava escura em meio a passagem dos carros. Ela era maior do que eu imaginava e linda. A noite entregava um realce diferente para a paisagem e o rio negro movimentado abaixo mostrava-se presente tanto por ruídos quanto por suas águas pretas que corriam com selvageria.
Assim que o motorista foi embora, encarei a passagem dos pedestres da ponte. Algumas pessoas passavam por lá tranquilas e caminhando e nem todos os rostos podia ver com certeza. Concluí que teria de atravessar para ver se Sam estava ali em algum lugar. Avaliando meu rosto, Cidalice disse:
— Pode ir sozinha. Eu espero — sabia que ela tinha dito aquilo tanto por saber que eu precisaria de um tempo sozinha com Samuel como também talvez eu precisasse daquele momento a sós olhando para a ponte.
Comecei a atravessar o local com milhares de pontos de luz aparecendo a minha vista. No centro da ponte levantavam-se várias hastes amarelas que traziam sua principal característica. Soltei um pequeno sorriso por estar conhecendo mais um ponto daquela cidade apesar de uma circunstância ruim. O vento da noite parecia um pouco maior e atingia meu rosto com determinada força e foi por isso que vi aqueles cachos bagunçando no ar.
Os inconfundíveis all stars dele faziam força enquanto ele ficava na ponta dos pés segurando na barra de segurança e olhando para baixo na direção do rio. Seu peito pressionava a barra e quando me aproximei pude ver sua respiração descontrolada. Ele não seria capaz de pular, seria?
— Fica calmo — abracei ele por trás, devagar. Meus braços envolveram o corpo dele enquanto seu peito subia e descia. Ele segurou minhas mãos e pude sentir o quanto estava tenso. Comecei a puxá-lo para longe da grade e fomos dando passos para trás.
— Letícia... Para — pediu ele e senti a dor em sua voz. Seu pedido fez eu apertá-lo ainda mais. — Para...
— Eu não posso dizer que sei o que você tá sentindo e que vai passar, mas agora eu quero que você olhe pra mim — ele se virou devagar e desvencilhando do meu abraço olhou para mim. Seu rosto estava com a expressão mais devastada que eu já tinha visto. Seus olhos vermelhos e lacrimejantes mostravam-se irritados.
— Ela não, Letícia. Ela não. Ela não! — Ele começou a surtar de novo e não me importei com quem estivesse em volta. Sabia que ele precisava soltar o que estivesse dentro de si. — Ela não... — sua voz vacilou e tive que apertá-lo em um abraço novamente, dessa vez mais carinhoso enquanto afagava seus cabelos. Comecei a repetir que eu estava ali várias vezes enquanto sua voz foi diminuindo ainda dizendo as mesmas palavras.
Ela não.
Ele continuou chorando e continuei apenas abraçando-o.
— Eu... Nós... Fomos embora de Pelotas e nem pensamos nas consequências — ele disse exatamente o que eu me culpei quando minha mãe me explicou a situação em detalhes.
— Não pensa nisso, por favor. Não foi nossa culpa.
— Como não? Eu poderia ter evitado? Meu Deus, e o Erick? Ele deve me odiar agora... Me diz que isso não está acontecendo — naquele momento eu só tentava mantê-lo de longe da barra da ponte. Como eu poderia adivinhar que ele não queria cair naquele rio?
— Fica calmo. O Erick está bem, minha mãe me falou. Ele está sofrendo, mas está em segurança com alguém que está cuidando dele. Teremos que fazer força pra voltar pra casa. Se você quiser, podemos voltar agora mesmo...
— Por mais que eu deseje estar ao lado dele nesse momento tão difícil... — se encabulou nas palavras enquanto tentava segurar mais lágrimas. — Nós ainda não podemos ir embora. Começamos isso tudo... Ou eu saio daqui de Manaus com nossos amigos ou eu não terei mais nada! Não consigo medir que quando eu voltar, ela não vai mais estar em casa, não vai mais querer ficar fazendo piada com meu jeito, que ela não estará mais lá.
Depois daquelas palavras, vi o que jamais desejaria em seus olhos. Ele parecia quebrado. Por completo.
Entrelacei nossas mãos. Foi a primeira coisa que me veio em mente. Dar as mãos era uma confirmação de uma ligação intensa e era algo que eu queria mostrar agora. Ele não está sozinho e jamais estará mesmo que nossos amigos não estejam bem...
Apenas com o ato de unir nossas mãos, eu transmiti tudo que ele necessitava saber. O ato que nunca fazíamos porque era uma prova de amor. Uma prova ao que mais odiávamos.
Ele tem a mim. Segurei suas mãos com força. Ele encarou confuso nossas mãos entrelaçadas e soltou um suspiro. Um sorriso, mesmo que com muita dor, ele começou a sorrir. Se aproximou de mim com calma e roçou seus lábios em minha bochecha em um beijo leve. Aquilo me eletrizou.
— Isso é lindo — sussurrou ele ao meu lado e olhou para nossas mãos. E depois olhou em volta para o rio e para a ponte. Virou-se para mim e assentiu como um agradecimento. — No momento, você é tudo que eu tenho.
Meu coração não esperava escutar aquelas palavras e não soube o que responder. Apenas o puxei em direção ao começo da ponte sem soltar sua mão por nem sequer um segundo. Era uma cena triste, mas algo que talvez ficasse guardado na minha mente para sempre. Nossas mãos dadas, e a nossa ligação contra o luto.
— Letícia, como? — ele voltou seus olhos azuis intensos para mim de repente. — Como foi que aconteceu?
Ele ainda não se permitia dizer a palavra morreu enquanto pensava nela e não sabia como explicar aquilo sem piorar a situação. Respirei uma vez antes de continuar:
— A minha mãe disse que a encontrou morta em casa. Ela se suicidou — não sabia mais como adiar a notícia. Não queria detalhar muito o enforcamento. Talvez fosse pior se eu detalhasse.
Senti que sua mão apertou mais forte a minha e não reclamei o aperto. Sabia que aquilo era um sinal de que em sua mente tudo estava desmoronando.
— Faz um tempo. Quando eu entrei no quarto uma vez, ela estava segurando vários remédios na mão e estava olhando pra eles fixamente. Eu perguntei o que era e ela respondeu que não era nada. Eu tentei ser um bom filho, fiz o meu melhor. Achei que ficaria mais fácil com o tempo, mas não. Cada vez ela demorava mais no banho, voltava tarde as vezes para casa e se perdia enquanto conversava comigo. Os sinais sempre estiveram lá, mas eu nunca acreditei que...
De novo as palavras sumiram porque tem coisas que não tem como se explicar na hora da dor e ele apenas ficou perdido em pensamentos. O abracei mais uma vez e dessa vez ficamos assim por um bom tempo. Ele não quis me soltar assim como eu não pararia de confortá-lo. Nos minutos seguintes suas lágrimas continuaram descendo e pude senti-las.
— Melhor sairmos daqui — me referi a ponte para ir a um lugar mais calmo onde ele pudesse pensar melhor.
— Não — ele puxou minha mão fazendo eu encará-lo. — Acho que preciso de um tempo sozinho...
Compreendia perfeitamente, mas meu medo me consumia ao pensar em deixá-lo. Eu queria estar ali para ser uma base de apoio ou que quer que ele precisasse que eu fosse.
— Tem certeza?
— Tenho. Letícia, eu sei o quanto você quer ajudar e você não sabe o quanto tá sendo importante pra mim estar segurando sua mão aqui e agora. Eu tô mal, tô destruído e não poderia prever o que eu teria feito se você não tivesse aparecido, mas olhar para o seu rosto, te abraçar e segurar sua mão, isso me acalmou — seus olhos estavam marejados. — Me acalmou mais do que qualquer outra coisa iria fazer e agora eu acho que consigo ter controle de novo. Confia em mim. Só preciso de um tempo, eu e minha mente.
Ponderei suas palavras. Tentei colocar na minha cabeça que ele se viraria sozinho e que poderia deixá-lo. Talvez fosse a melhor opção deixá-lo com suas memórias e o luto.
— Tudo bem... — aceitei. — Prometa-me que vai voltar e que apesar de tudo não vai me deixar. Sua mãe, Samuel, era muito boa. Sempre amei o jeito que ela me recebia e vai ficar para sempre na minha mente, mas o que eu quero que você entenda é que tanto ela quanto seu pai, os dois queriam o melhor pra você e acreditavam na sua força e em como poderia lutar contra o mundo. Eu sei que pode parecer muito, mas muito difícil agora, mas você consegue. Você conseguiu a vida inteira.
Ele concordou com a cabeça de olhos fechados e sabia que ele tinha entendido. Suas crises, seu pai, as traições e todo o resto que viveu. Sempre suportou e conseguiu.
Sem dizer mais uma palavra ele solta a minha mão com uma expressão de dor e sai caminhando na direção oposta e só quando o vejo bem distante que permito me acalmar. Ele não vai fazer nada de errado, eu confio nisso. Só precisa de um tempo...
Assim como eu preciso!
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Nós Odiamos O Amor (CONCLUÍDO)
Ficção AdolescenteEra para ser mais uma festa normal, porém um desaparecimento aconteceu. Em Pelotas, Rio Grande do Sul, um grupo de seis amigos resolvem sair para badalar na cidade vizinha, mas somente dois retornam daquela festa. Samuel e Letícia vieram embora mais...