Selvático

Onze

Killian

— Caros Alunos, após a última aula do período vespertino, por favor se dirijam ao auditório externo da ala sul — a voz familiar anuncia nos auto falantes.

Faltavam apenas 10 minutos. Ignoro todos os sinais e continuo a distribuir socos pela parede estofada.

"Você é mesmo muito abençoado". As palavras de Luna Soulton ecoavam na minha mente. Não havia nenhuma benção naquilo, eu era uma maldição. 

Você é um fraco. Patético.

"Que seja feita a vontade dos ancestrais" ela disse sorrindo como se soubesse algo que eu não sabia. Após a aula eu voltei para falar com ela, fui em busca do que no fundo eu já sabia: Não conseguiria sair daquela aula, não sem que todo o corpo docente ficasse sabendo, e eu também não tinha um ótimo motivo para que aceitassem.

Por mim os ancestrais podem ir se foder. 

Ao menos Luna havia prometido que não contaria a eles sobre a aula de aparceiramento. Seria melhor se não soubessem. É claro, era só uma questão de tempo até que meus pais ficassem sabendo, mas me daria um tempo para pensar em uma solução. O melhor plano que eu havia conseguido pensar até agora era faltar todas as aulas.

"Você não vai poder se formar se não completar todas as aulas" durante a conversa ela pareceu antecipar meu plano de fuga e me lembrar de que eu não tinha alternativa.

Que inferno.

Talvez já estivesse na hora de tudo isso afinal.

— Vamos lá, Killian, fim do treino — um dos professores ali presentes me chama pela última vez.

Retiro as luvas e enxugo o suor na testa. Vou em direção ao vestiário quase vazio e entro debaixo do chuveiro mal me importando com um possível choque térmico. Seria até benéfico se fosse possível, eu poderia ir parar no hospital e evitar um pronunciamento desagradável. Como seria ser normal? Ficar doente e precisar de ajuda?

— Vamos lá, todo mundo pro auditório... — ouço suas vozes se distanciando.

Não me movo. Apenas fico grato por ninguém ter vindo aqui me chamar de novo.
Estava evitando aquele momento. Porque aquilo estava acontecendo comigo?

Eu só queria paz, mas tudo o que consegui foram mais problemas. Eu só quero paz, mas sinto meu coração bater mais forte, minhas mãos começam a latejar. Respirar fica mais difícil a cada segundo que passa. Me sinto sufocado.

Azul. Penso.

Haviam muitas coisas azuis naquele vestiário. Toalhas, os detalhes no azulejo, no piso. O suporte da lâmpada. A placa na porta... O que mais? Fecho os olhos e tento visualizar o azul. É difícil raciocinar quando se está a beira do pânico. O céu hoje de manhã. Mesmo nublado o céu continuava azul. O vestido dela.

De repente a imagem dela vem na minha mente com bastante clareza, era fácil imaginar seu rosto. Alana era muito bonita.

Abro os olhos.

Bastou alguns segundos visualizando a fada para que minha mente se acalmasse um pouco. Respiro fundo e tento deixar aqueles pensamentos de lado. Eu não estava bem, eu estava piorando. Faltava um mês para o meu aniversário. Fazer 20 anos para muitos clãs era sinônimo de alegria, ter acesso total aos poderes, realizar rituais para achar um companheiro, iniciar a vida adulta.