Um

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Alana

Bastou um olhar para além do vidro preto do carro para que eu chegasse a conclusão de que nunca me acostumaria com o mundo humano. Até agora eu não estava nenhum pouco impressionada.

"Ah, mas você vai adorar todos os avanços tecnológicos", "Ah, mas eles são muito estilosos", "Ah, mas você vai adorar a comida". Foi o que disseram assim que desembarquei do avião.

Foi uma chatice. A viagem toda durou horas, e por mais que eu quisesse abrir as asas e dar fuga eu não podia, não quando eu já havia causado tanta desgraça para a minha família. E com minha família eu quero dizer meu pai. Ainda não havia tido tempo de processar tudo o que havia acontecido, afinal eu havia sido expulsa de casa ontem. Eu vivi em outra dimensão por toda a minha vida. Há séculos e por culpa dos humanos nós tivemos que criar um lugar só nosso, longe de todos os seus defeitos e injustiças. Eu não era exatamente fã da vida que eu levava, mas estava acomodada e queria desesperadamente voltar.

Tentei disfarçar o choro o máximo que pude, mas meu rosto abatido e olhos inchados me deduravam. Enquanto o carro onde eu me encontrava passava por prédios, pude perceber que a escola não era exatamente no centro da cidade, mas ficava no mesmo bairro. A cidade humana da qual eu já nem lembrava mais o nome era até que aceitável. Por mais que estivesse vendo tudo pela primeira vez eu não me sentia confortável, não era uma ocasião feliz. Eu havia sido expulsa do meu clã, e pior ainda, por um erro que não havia sido culpa minha. Mas será que o motivo importava agora? Se nem meu pai nem ninguém quis ouvir meus motivos, por que eu deveria continuar revivendo aqueles momentos para sempre?

Que se fodam todos eles.

— Senhorita? — chamou o senhorzinho que conduzia o veículo.

— Sim? — murmurei de volta, desinteressada.

— Está confortável? Precisa de algo? Estamos quase chegando. Precisa fazer alguma parada para comprar algum suprimento?

Revirei os olhos pelo que parecia ser a milésima vez. Porque ele não podia apenas dirigir o carro e não me dirigir a palavra? E eram sempre as mesmas perguntas irritantes.

— Não. — falei tentando controlar a raiva e o estresse.

— Tudo bem, senhorita. — ele voltou a dirigir.

Céus, tomara que já esteja chegando...

Um bocejo involuntário escapou e mais lágrimas escorreram pelo meu rosto. Enxuguei com as mãos irritada com tudo aquilo. Irritada por estar cansada, indignada... Não sabia ao certo o que sentir. Meu corpo sentia sono mais não conseguia pregar os olhos por mais de dois minutos, pois quando fazia ouvia os gritos do homem que eu me acostumei a chamar de pai. Desde que minha mãe havia morrido, e isso quando eu era um bebê, ele nunca foi de fato bom comigo. Mas é óbvio que tínhamos que fingir que levávamos uma vida perfeita para os outros membros da alta sociedade. Éramos seres de asas de penas, então todos eram da elite do mundo sobrenatural. Tínhamos orgulho do nosso modo de vida e tudo se resumia a conquistas para impressionar uns aos outros. Desde criança tudo o que esperavam de mim era perfeição. Tudo o que eu aprendi foi a mascarar meus sentimentos, nunca demonstrar fraqueza ou hesitação. Nunca podia me permitir falhar.

— Estamos aqui, senhorita! — o senhorzinho anuncia — Clearhall Heights.

Ele para e faz um gesto para homens do lado de fora, que abrem um enorme portão de grades. Um leve brilho colorido cercava aqueles muros, invisível para seres inferiores como os humanos. Magia, eu havia sentido o cheiro antes mesmo de entrar na propriedade. Após uma trilha cheia de árvores e paisagem bucólica, pude avistar o prédio da escola, ou melhor, os prédios. Era grande. Arquitetura que beirava o ridículo, uma mistura grotesca de moderno e neocolonial. Eu tinha certeza de que aquilo deixaria qualquer humano maravilhado, mas não a mim.

SelváticoOnde histórias criam vida. Descubra agora