Vinte e sete

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Killian

Estávamos de volta em Clearhall. Antigamente era uma enorme fazenda, antes de um pequeno grupo de deuses virem pra cá e comprarem o lote. O governo da época havia acabado de conseguir sua independência, portanto não havia grandes empecilhos para fundar uma escola. Naquela época Shifters e outros seres ainda faziam questão de se esconder dos humanos. Eu devia ter feito o mesmo. Devia ter deixado esse lugar e me escondido melhor. Todos os que conheço estariam bem melhores e mais seguros sem mim. Eu só trouxe problemas para todos aqueles que se preocuparam comigo e que tentaram me ajudar. Inclusive ela.

— Está tudo bem? — Alana toca meu ombro. Ela está bem atrás de mim. Estamos exatamente no mesmo local onde nos conhecemos. De frente para o lago.

— Não. — admito me sentindo péssimo. Não depois do que eu havia sido obrigado a fazer.

— O que aconteceu? Pode falar comigo... — ela tenta.

— Agora não — tento soar o menos grosseiro possível, mas não sei se consigo — Por favor, me deixe sozinho.

Ela parecia querer dizer mais alguma coisa, mas não diz. Melhor assim. Sem olhar pra trás eu ando pra frente na direção da água. A garota que deixei lá sozinha estava preocupada, eu podia sentir. Pelo bem dela eu devia saber que não poderia me aproximar tanto, não devia ter insistido em passar tempo com ela. Fui egoísta demais pra pensar em seu bem estar. Eu já devia saber que aquele deus canalha estava vigiando todos os meus passos, afinal ele não queria perder o bichinho de estimação.

Mergulho assim que estou fundo o suficiente. Mesmo ali dentro, eu não me sinto melhor. A culpa me consumia cada vez mais. Lá em cima, Alana ainda me esperava. Depois de duas horas ela diz que precisa ir, mas que voltaria logo. Consigo ver claramente que ela chorava ao se afastar. Me sinto ainda pior por fazer isso com ela. Mas eu havia entrado aqui para bloquear qualquer lágrima que eu não conseguiria parar. Mais alguns minutos se passam antes que eu nadasse de volta a superfície. Não ligo para a água ou as roupas molhadas enquanto entro no prédio. Eu tinha que dar o fora dali antes que ela voltasse.

Meu quarto estava do jeito que eu havia deixado. Parecia fazer muito tempo desde que eu estive ali pela última vez. Mas fazia apenas um dia. Muita coisa ocorreu em pouco tempo. Até ontem a noite eu estava em um jogo na educação física. De madrugada eu estava de volta na dimensão de onde vim e depois na dimensão para onde eu vou quando não posso me controlar. Agora eu estava de volta. Apesar de querer muito descansar, apenas ignoro a cama e vou. em direção ao armário em busca de roupas secas, me sinto exausto mas não podia perder tempo.

Me troco e jogo algumas roupas na mochila. Isso era ridículo. Fecho a porta do armário com tanta força que ela quebra e cai no chão. Derrubo livros e outros pertences no chão. Aquilo tudo era ridículo. Agora sei porque Tiordan acha que sou uma piada. Eu realmente havia brincado de ser humano por todo esse tempo. Eu não sei porque ele me fez Shifter, talvez estivesse solitário e quisesse uma companhia que achasse digna. Talvez quisesse um monstro grande o suficiente para entretê-lo ainda mais durante a época de acasalamento, quando todos os crocodilos brigavam até a morte por fêmeas, território e liderança. Uma falsa liderança, já que o crocodilo que tivesse mais vitórias ganhava mais comida. Ou pelo menos era assim de como eu vagamente me lembrava, antes de eu matar todos eles.

Meu corpo fraqueja e caio de joelhos no chão sem suportar a culpa pelos meus atos. Eu nem se quer havia conseguido resistir, e então de uma hora pra outra eu salvo uma garota sem qualquer esforço para me controlar ou resistir a ele. Tiordan estava certo, eu sou um fraco. Me levanto e ouço algo pingar no chão. Levo uma mão ao rosto, não tinha percebido que estava chorando.

SelváticoOnde histórias criam vida. Descubra agora