CAPÍTULO VINTE E UM

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Pisquei algumas vezes seguidas tentando adaptar minha vista ao ambiente luminoso. Próximo ao meu ouvido o meu celular despertava com um toque alto, anunciando-me que Diego estava prestes a ser liberado da creche e que eu precisava me apressar para buscá-lo. Ativar a função soneca não era uma possibilidade, porque eu propositalmente colocava o despertador em cima da hora, justamente para que eu não pudesse voltar a dormir. Sonolenta me fiz sair da cama, sabia que um minuto de dúvida me faria voltar ao sono pesado em que eu estava instante antes e que eu provavelmente seria acordada com uma ligação da direção tentando descobrir porque eu era a única mãe que havia deixado o filho perdido por lá.

O caminho entre o prédio em que eu morava e a creche de Diego nos últimos dias parecia ter se prolongado, os passos que eu costumava dar de um lugar ao outro pareciam ter se multiplicado, trazendo-me uma sensação de pavor. Eu não conseguia ficar sem olhar na cara das pessoas e sem observar tudo ao meu redor, acreditando que a qualquer momento algum conhecido do meu passado iria esbarrar comigo e me reconhecer, ou pior ainda, tinha uma sensação de que quase todos os homens estavam prestando atenção em mim, mesmo eu me vestindo sempre roupas largas. Eu já tinha passado por isso no começo quando fugi de casa e demorou muito para que isso passasse, pelo menos agora eu sabia que uma hora ou outra, esse sentimento amargo iria desaparecer, mesmo que temporariamente.

A sensação de alívio ao pisar do portão para dentro do prédio era quase que instantânea. As batidas do meu coração desaceleravam, minhas pernas trémulas tentavam recuperar a força e o ar voltava gradativamente para os meus pulmões, como se eu tivesse passado por um momento de perigo e naquele instante estivesse a salvo. Diego com toda sua inocência parecia contente durante todo o trajeto, especialmente no final do dia que ele simplesmente largava sua mochila comigo e começava a correr na minha frente, vez ou outra parando para ter a certeza de que eu estou o seguindo e como todos os outros dias, ele saía correndo para dentro do prédio para chamar o elevador.

— Boa tarde, dona Dulce.  — Desejou o porteiro, vindo na minha direção com alguns envelopes.  — Pra senhora.

— Contas?  — Perguntei forçando um sorriso, mas no fundo eu temia ter que recebê-las. Elas pareciam estar chegando mais do que o normal e o dinheiro na conta bancária só estavam diminuindo.

Me deu um frio no estômago quando eu as peguei, lembrando-me que há muito eu não saía para procurar emprego. Eu sabia que precisava continuar a minha busca ou iria para o olho da rua com meu filho, mas eu tinha me dado um tempo para tentar me reconectar.

— Eu odeio quando elas chegam também.  — Disse ele, tentando descontrair.

— Por mim eu colocava fogo. Preciso ir, obrigada.

— Tenha um bom final de dia.

Eu segui meu caminho e para minha surpresa, quando cheguei no saguão o local estava vazio. Por um instante eu quis me desesperar, mas logo me lembrei que além de ter câmera no elevador, Diego sabia exatamente qual botão apertar para chegar no nosso andar porque aprendeu comigo e muitas das vezes ele fazia questão de apertar ele mesmo para subirmos. Fiquei observando os números crescerem até parar no sete e depois que parou eu o chamei de novo. Não demorou muito até que ele voltasse a descer e fiquei ali, pensando que Diego à essa altura estaria na porta do apartamento chamando por mim e começando a entrar em desespero por estar sozinho naquele corredor deserto.

Quando abri a porta, para minha surpresa ele estava lá dentro, mas não sozinho, senão no colo de Christopher. Por um momento eu congelei, já fazia alguns dias desde que eu o tinha visto pela última vez e céus, ele estava tão bonito quanto eu me lembrava.

— Achei ele perdido lá em cima.

— Ele fugiu, obrigada.  — Estendi meus braços para pegar Diego, mas ele logo me deu as costas.

Confiar | VONDY - FINALIZADAOnde histórias criam vida. Descubra agora