O Clube da Lua e a Noite Sem Fim (Livro 3 - em andamento)

1. A vez em que um jovem órfão se tornou um homem de negócios

Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar a nossa vã filosofia. A minha própria presença, numa sala de conferências de um hotel de luxo, depois de todas as ameaças que eu enfrentara num passado bastante recente, estava ali para comprovar a verdade naquelas famosas palavras.

— Davi, agora eu quero que você se sente com as pernas cruzadas, abra o livro que está sobre a mesa de centro e aja como se estivesse lendo alguma coisa muito importante — pediu gentilmente o fotógrafo.

De imediato fiz tal qual ele me instruíra e logo pude ouvir mais uma sequência de disparos da câmera fotográfica, apontada em minha direção. Aqueles que acompanhavam a execução do ensaio e da entrevista certamente nunca imaginariam que o garoto que agora posava tão sério diante das lentes era o mesmo que, meses atrás, havia fugido de Esmeraldina, carregando consigo o corpo quase morto do príncipe dos vampiros da América do Sul. Chegava até mesmo a ser irônico.

— Tenho mais algumas perguntas antes de encerrarmos — informou a repórter, que trabalhava para uma das revistas de negócios mais importantes do país. — Como você encara a responsabilidade de assumir sozinho todo o conglomerado de empresas de seu pai com tão pouca idade?

— Acho que o mais importante nesse processo foi reconhecer minha ignorância e sempre me lembrar de que ainda tenho muito o que aprender — respondi, sem titubear, aquelas palavras que eu já sabia de cor. — Isso me ajuda a manter os pés no chão e a não deixar o cargo me subir à cabeça.

Sem dúvidas, ser o CEO de uma companhia multimilionária era a menor das minhas preocupações naquele momento da minha vida (o meu namorado, supostamente desaparecido, e a minha tia, feita de refém, que o digam).

— Você foi emancipado recentemente e ainda está concluindo o último ano do ensino médio com tutores particulares — a repórter mencionou. — Como consegue conciliar todas as suas responsabilidades na empresa com os estudos e a sua vida pessoal?

— Bem, não é querendo me gabar, mas eu estou cercado de uma das melhores equipes do país — respondi, engolindo em seco, enquanto dirigia meu olhar aos três vampiros que me observavam atentamente, mais ao fundo da sala. — Com a ajuda de profissionais tão competentes, eu consigo me dividir de maneira eficiente entre todas as minhas tarefas e garantir que nada seja deixado de lado. Eles me dão todo o apoio necessário.

A repórter sorriu ao ouvir minha resposta e continuou a conversa, empolgada.

— Semanas atrás você admitiu ser homossexual em uma outra entrevista — ela pontuou, com cuidado. — Como foi tomar a decisão de expor tão corajosamente essa parte da sua vida para o resto do mundo?

— Eu não consigo entender todo o estardalhaço ao redor desse assunto, pra falar a verdade, mas parece que, infelizmente, essa ainda é a sociedade em que vivemos — comentei, já cansado de discutir aquilo. — Ninguém pergunta a um empresário hetero porque ele decidiu se relacionar com mulheres e não com homens, mas, no meu caso, as pessoas simplesmente não se cansam de especular a respeito disso — continuei. — Eu não pensei muito sobre "o que significaria revelar detalhes da minha sexualidade para o resto do mundo"... Pra falar a verdade, eu nunca escondi a minha orientação sexual de ninguém, desde que me assumi para os meus pais, alguns anos atrás. Então, quando me perguntaram se eu era mesmo gay, eu apenas confirmei. Foi algo natural e não planejado.

— É bom podermos contar com mais pessoas como você em posições de destaque, isso pode ser um exemplo positivo para outros adolescentes que ainda estão em conflito com sua orientação sexual, você não acha? — ela quis saber, insistindo naquele assunto.

— Tudo aconteceu muito rápido comigo, eu ter me entendido gay, a morte dos meus pais, minha emancipação, o cargo de presidente da empresa... Durante todo esse turbilhão de acontecimentos inesperados, nunca passou pela minha cabeça me tornar uma pessoa pública ou ser um modelo de conduta para alguém — admiti, com sinceridade. — Mas, se minha história impactar positivamente alguma pessoa, seja quem for ou da forma que for, ficarei mais do que honrado.