28. A vez em que um jovem lobo conheceu a origem da lenda

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— Eu não sei se entendi direito o que você tá querendo dizer com isso, vô... — mencionei, com cuidado, ainda um pouco espantado com o que eu tinha acabado de ouvir. — Como assim eu vou "me transformar" nesse bicho aí da pintura? — perguntei. — Ele não me parece nada bonzinho e eu sinceramente não sei se essa é mesmo uma boa ideia...

— Não se preocupe, meu filho, não é tão terrível quanto parece — vô Chico me tranquilizou, sorrindo. — E, de acordo com tudo o que você me contou, essa transformação já começou a acontecer, de qualquer forma. Não é como se a gente pudesse evitar.

— Você tá falando das garras de lobo que apareceram do nada, quando eu fui atacado no posto de gasolina? — indaguei. — Ou do fato de eu ter me transformado em lobisomem na pista de pouso, mesmo sem estar perto do Davi?

— As duas coisas. Ambas são mesmo fortes indícios de que meu palpite está correto — confirmou ele.

— E quem é essa criatura na parede?

— Uma divindade cultuada por nossos antepassados mais antigos — ele revelou. — Eu imagino que você não deva o conhecer, mas esse aqui é Xolotl.

— Nunca ouvi falar... — admiti.

— Então vamos começar do princípio — disse meu avô, estranhamente empolgado. — Mas, antes de qualquer coisa, eu tenho uma pergunta pra você, Ian. Quem você acha que veio primeiro, o homem ou o lobo?

— Essa é uma daquelas charadas filosóficas, tipo "o ovo ou a galinha"? — eu quis saber. — Porque, se for, eu não faço ideia da resposta...

— Não é uma charada — ele comentou, rindo. Em seguida, assumiu uma postura de um professor prestes a iniciar sua aula — Bem, de acordo com os cientistas, os lobos surgiram há 300 mil anos. Já havia neandertais antes disso, então, de certa forma, podemos dizer que os homens vieram primeiro. Mas, se considerarmos o homo sapiens, um ancestral mais próximo de nós, veremos que lobos e homens caminham nessa terra por quase a mesma quantidade de tempo.

— Bacana, mas por que isso é importante? — eu questionei, confuso.

— É porque existe uma tendência a sempre colocar o homem como o princípio de tudo, o superior, o ser racional, que está acima da forma animal — meu avô explicou. — Mas, quando se opta por esse tipo de discurso, muitas vezes a gente acaba esquecendo que o lado animal, a força selvagem, também existe neste mundo há muito tempo e tem uma infinidade de coisas a ensinar e talentos que muitas vezes nos esquecemos de tirar proveito. Eu tenho outra pergunta — ele prosseguiu. — Como surgiu o primeiro metamorfo lobo?

— Bem, segundo a lenda que contam pra gente desde que nascemos, foi quando um lobo negro e a Deusa Lua se apaixonaram e ela deu um pedaço do coração dela pra ele — respondi.

— Exatamente — ele confirmou. — Essa é a Dádiva Lunar, que garantiu àquele lobo original uma maior longevidade e a capacidade de se transformar em um homem, uma forma mais próxima à da Deusa Lua, o que facilitava o relacionamento dos dois, por consequência. Mas o que eu quero destacar nessa história é um detalhe que muitas vezes passa despercebido.

— E qual seria? — perguntei, interessado.

— Segundo esse mito, nós, lobos, somos animais que aprenderam a se transformar em homens, e não o contrário, como muitas vezes se presume — vô Chico explicou. — Dessa forma, apesar de compartilharmos muitas semelhanças, nós não somos seres humanos em nossa essência. Nós somos lobos.

— Vô, você sabe que o inteligente da família é o Benjamin e que minhas notas nunca foram lá essas coisas, né? — mencionei. — Não sei se tô conseguindo acompanhar o seu raciocínio. Ok, a gente é mais animal do que humano, é isso que você tá tentando dizer? E por que isso é importante, no fim das contas? E o que isso tem a ver com esse bicho de nome difícil aqui da pintura?

O Clube da Lua e a Noite Sem Fim (Livro 3 - em andamento)Onde histórias criam vida. Descubra agora