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São duas da manhã. Creio que a minha mãe já deve estar com um sono bastante pesado, pois nenhuma chamada me caiu no telemóvel até à data.

Eu e Calum ficamos por tempos infinitos a falar no terraço sobre coisas aleatórias. O tema da minha partida ou da nossa relação não tinha outro remédio se não ficar pendente.
O maço de tabaco quase por enxertar agora já se encontrava no fim. As minhas tonturas ainda eram existentes e eu tinha medo do que pudesse acontecer quando me fosse levantar.

- Bela maneira de acabar o dia das bruxas. - Comento. Deixo o fumo invadir-me os pulmões e a sensação era fantástica. Como sempre.

- Finalmente este mês está quase no fim. E o ano. Para o próximo mês é o natal.

- Finalmente! - Dou um pulo de alegria. - Eu adoro o natal, mesmo que eu tenha todas as razões para o detestar.

- Conta-me todos os porquês. - Calum recosta-se no chão, deitando-se com os braços por baixo da cabeça. - Adoro ouvir-te. - Ele volta a cabeça para mim, encarando-me.

- Bem... no primeiro natal, depois de que os meus pais se separaram, eu tinha feito os meus treze anos. Para mim foi um sacrifício ficar longe do meu pai naquele dia. Era natal, afinal de contas e eu sabia que ele ia ficar sozinho porque ele e os meus avós, os pais dele, não falavam já há algum tempo. Na noite de dia 24 eu falei com ele ao telemóvel. A voz dele era cortada por choro e o fumo do tabaco. Eu ainda me consigo lembrar do tom dele e do que ele me disse. Da mentira que ele me contou para eu não me preocupar e não chorar. Mas eu sabia a verdade, eu sabia que ele estava sozinho e que ele queria estar comigo, mas também sabia que ele não queria que eu não estivesse com a minha mãe. Afinal foi ela que sempre esteve comigo, e ele reconhece que nem sempre foi um bom pai. - Parei de falar por uns instantes. Sabia que ia chorar novamente e isso era demais para um dia só. Calum pousou a sua mão na minha perna, como demonstração de apoio e eu tomei a mão dele na minha entrelaçando os meus dedos nos dele. - Os meus natais baseiam-se em passar um dia com um e outro com outro. Não sabes o quanto me corta o coração, porque esta data sempre teve muita importância e significado para mim, porque assim fui educada. Mas de qualquer eu adoro o natal. O frio. As luzes. As férias. - Ambos gargalhamos quando eu disse este ultimo pormenor.

Seguidamente também eu me deitei, apreciando as estrelas. Estava um ligeiro vento e frio. Amanhã provavelmente vou estar doente, mas não me importo.
Aproximo-me de Calum, numa tentativa de me aconchegar. Este olhava para mim com um sorriso e aquele olhar. Aquele olhar que me fazia lembrar Tyler. O olhar de admiração.

- O que foi? - Questiono.

- Nada. Apenas gosto de te ouvir falar. - Há medida que ele diz isto, viro-me para ele e deixo as minhas mãos por baixo da minha cara como género de suporte. Já ele, ainda com aquele sorriso, olhou para o céu. - Não importa daquilo que tu queiras para nós, desde que fiquemos como sempre estivemos. Eu já me habituei ao calor do teu corpo durante a noite. - Ele sussurra ao meu ouvido.

Engulo em seco. Aquelas palavras, pronunciadas naquele tom rouco, de maneira harmonioza, fizeram-me ficar em pele de galinha sem ser preciso esforço algum.
A mão de Calum afagava o meu cabelo suavemente, e foi aí que eu pude dizer que me senti realmente bem, pois isto não foi só um carinho de amizade. Notava-se que não tinha sido dessa forma quando o batimento cardíaco dele era acelerado, e a serenidade habitual dele se tornava em movimentos irrequietos.

- Olha para o céu. - Diz-me ele. - Ali está a constelação cruzeiro do sul. - Aponta, com bastante admiração.

- Gostas de ver as estrelas?

- Adoro! O meu pai passou-me esse gosto. Ele formou-se em astronomia. - Informa.

Durante o silêncio que se formou, Calum olhou para o relógio onde este marcava as duas e dez da manhã.

- Ficas aqui? - Pergunta.

- Não. Tenho de ir embora. - Numa tentativa falhada, levanto-me, mas logo em seguida caiu de rabo no chão. Calum riu.

- Eu levo-te.

Já ele se encontrava em pé quando eu ainda passava de uma tentava para me levantar. Calum apenas ria, ate ao momento em que decidiu ajuda-me. Pegou em mim ao colo, porém eu não gritei.

- Uau. Estás mesmo bebeda. - Aprecia.

- Sim, pois estou. - Gargalhei, encostando a cabeça contra o peito dele.

Deste modo ele me transportou até ao andar de baixo e quando aí chegamos ele pousou-me, ficando eu de pé e com algumas dificuldades em me equilibrar.

- Gostava de saber como ficaste assim. - Ele abana a cabeça em género de negação ou lamento.

- Vai à cozinha, e vais entender.

Sem pouco ponderar, ele lá foi e quando viu a garrafa, já quase vazia, lançou um suspiro idêntico ao de desgosto porém com um ligeiro sorriso.

- Tens a certeza que queres ir para casa? Se a tua mãe te vê assim... Provavelmente vai ser mau. - Calum trinca o lábio, aproximando-se de mim. Sei que não o fez por malícia e sim por precaução.

- Tenho. Eu tenho de ir para casa, Calum. De qualquer das maneiras não ficaria aqui, sabes bem porquê. - claro que já faltava tocar no "assunto".

- Respeito o teu pensamento, Faith. Só espero que saibas que não sou nenhum desistente. - Proferiu. - Então prepara-te para seres minha.

PAPER SOULS • CALUM HOODOnde histórias criam vida. Descubra agora