Encosto a cabeça ao vidro do carro como sempre faço durante as viagens. Não sei se pela melancolia instalada por causa das músicas que sempre tocam na rádio, ou se porque os caros têm estas coisas de que quando lá damos entrada somos possuídos por algo que nos corta as cordas vocais e nos incapacita de desenvolver as relações interpessoais neste cubículo.
- E o que é que a menina Miller vai fazer para festejar?
Sou surpreendida por Calum que, ainda que um resto de felicidade me preencha o coração, me desperta desta tristeza superior. Ele estava muito concentrado na sua condução.
- Nada. - Respondi. Ia festejar com quem? Com ele? Sim, talvez. E o que faríamos? Jogaríamos fitas de carnaval ao ar e confetis? - Não é motivo para tanto. - Soltei uma gargalhada para tentar dispersar a atenção dele.
- Espera... Não estás feliz? - Questionou. Assenti-lhe, esperando que ele continuasse a falar. - Então, é um motivo para festejar. E isso chega. Faith, tens de aprender a dar valor à tua felicidade.
- Devíamos dar valor a coisas raras, não é? - Brinquei com os meus dedos, entrelaçando-os uns nos outros, envergonhada e frustrada com esta conversa.
- Dizes-me então que é raro estares feliz? - Volto a assentir, sem palavras possível para dizer. - Não comigo. Comigo vais ser feliz todos os dias Faith. E vais começar por escolher algo que queiras fazer para festejar. Sei lá, conduzir um carro.
- Não tenho carta. - Revirei os olhos perante um sorriso.
- Por isso mesmo.
Olhamo-nos parecendo que ambas as nossas mentes foram invadidas pela mesma ideia, pelo mesmo receio, e pela mesma vontade. Repentinamente saímos, coordenadamente do carro, trocando de lugares, indo eu para o do condutor e ele para o do acompanhante.
Nestes meus dezassete anos de idade apenas vim a conduzir uma vez, e digo que a experiência, embora boa para mim, não se tratou dessa forma para a minha mãe que estava a gritar no banco de trás com medo que eu espetasse o carro contra uma parede.Lembro-me também que quando era pequena muitas vezes o meu pai me colocava no colo dele e me dava indicações, mesmo que eu soubesse que era ele quem estava a guiar, a meter as mudanças e a calcar o travão e o acelerador, pois isso era-me impossível.
Sem duvida que de tudo o que me posso recordar que presencie o meu pai, isto contaria como uma memória bastante marcante. Uma memória que me deixa saudades, pois eu sentia-o presente; feliz; lá, coisa que ele agora não o é. Coisa que ele deixou de ser com o passar dos anos e eu unicamente vejo a culpa disso em mim. Talvez porque eu não me tornei naquilo que ele queria, ou talvez porque com o meu nascimento ele deixou de ter tudo aquilo que queria da minha mãe, e a única coisa que adquiriu foram despesas, cargos, responsabilidades.
O meu pai deixou de gostar de mim.
- Pareces nervosa. - Observou Calum. - Não há que ter medo. - Pousei a mão sobre a manete de velocidades e ele sobrepôs lá a sua.
- Eu estou bem. - Sorri, embora tremendo, realmente, de nervos.
- Talvez não seja uma boa ideia conduzires, Faith. - Apreciou desapertando o seu cinto, que já havia colocado, e desprendendo o meu também.
Estou paralisada no passado, nas memórias, no meu pai, nas saudades. Tenho de concordar que sim, de facto ele não foi um bom pai de todo. Nunca tinha as palavras nos momentos certos, nunca sabia como dar abraços. Aquilo que os substituía eram empurrões que, no pensamento de John, eram demonstrações de afeto muito nítidas.
Posso dizer que o meu pai é daqueles que maior parte das adolescentes se queixa de ter, aqueles que só lá estão para apontar defeitos. Sim, confesso que o meu pai é assim.
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PAPER SOULS • CALUM HOOD
FanfictionFaith e Calum. Adolescentes com passados com arestas para limar. "Ele só queria ser meu amigo, mas eu escolhi amá-lo." Plágio é crime Copyright © 2015 All Rights Reserved by Joana Nunes