Localização dada e uma campainha a tocar. Não demorou muito para Clarke cá chegar. Recebo-a com um abraço apertado. No meu pensamento, com isto, eu pedia perdão por todos os erros que cometi. Tanto com Tyler como com Calum. Oh, desejava que ela soubesse o quão parecidos são e o quanto vejo Tyler nos olhos de Calum. É desesperante.
Ambos fizeram-me sorrir perdidamente. Ambos fizeram-me gritar que nem uma louca. Mas um é só um amigo, e outro é a ilusão de que podia ter existido algo mais.
- Que se passa, meu anjo? - Clarke pergunta na sua voz doce, sussurrando-me ao ouvido, no meio do abraço.
- Saudades, apenas. - Murmuro em lágrimas, com um nó na garganta, tentando não chorar mais.
- Minhas ou daquele sem tomates? - Ela questiona já com um ligeiro tom de brincadeira na voz.
Desde sempre Clarke apelida Tyler de "O sem tomates" por achar que ele não tem coragem suficiente para dizer o que sente por mim publicamente. Mal sabe ela que ele os tem mesmo, literalmente.
Nunca lhe contei o que se passou entre mim e ele, e nem sei se o devo fazer ou não. Talvez noutro dia, noutra hora. Hoje somos nós as duas, num dia de melhores amigas como já não temos à muito tempo.
- Tuas, claro. - Confesso. - Bem, terei de te trazer até à cozinha. - Digo, virando as costas e limpando as pequenas lágrimas que ousavam escorregar pela minha face.
- Faith... - Com um olhar de compaixão, Clarke encara-me, puxando-me novamente para um abraço.
Os abraços dela diziam tudo aquilo que ela não tinha coragem de dizer, e neste ela pedia-me para eu voltar. Mas, meu amor, já estou longe demais para voltar.
- Por favor, para de fazer maluquices. Eu sei que andas a abusar naquilo que não devias. - Ela sussurra com a voz tremula e medo. - Cheiras a álcool. E a tabaco. Não quero que te tornes nisso. Não és tu.
- Clarke... Esta é a maneira que eu tenho de me salvar.
- Salvar? Salvas-te matando-te? - Ela grita desesperadamente.
Este era o futuro que ela não queria que eu passasse. Estas são as ações que ela não queria que eu tomasse, por medo. Pelo seu segredo. Pelo seu passado que intercala no meu presente.
Clarke sempre teve cuidado comigo e com o que eu poderia fazer. Isto era uma desilusão para ela, ver-me tornar em algo que eu não sou por via de algo que fui obrigada a ser. Clarke sempre tentou afastar-me dos meus gostos peculiares. Sempre tentou afastar-me do mal. Primeiro de Tyler, depois do tabaco e seguidamente do álcool.Muitas noites, quando eu ia sair, ela sempre me dava um beijo na testa e dizia: "Tem juízo." Duas palavras que eu tentava com que tivessem efeito em mim e tudo o que faziam era desesperar-me e desiludir-me, porque eu estou a fazer algo que não devia. Mas como posso controlar isto? Como posso deixar de o fazer se é essa a minha vontade? Como posso deixar de beber nos momentos de agonia, quando é isso que me afasta dela? Sinto-me tão para além daquilo que sou, daquilo que posso ser, quando estou sob o efeito do álcool. Bem lá em cima. Clarke protegia-me disso porque não me queria ver a cair num poço, numa falésia. Ela não queria ver-me naquele estado. Bêbeda. Ela sabia que alguma coisa podia acontecer a partir dai. E ela não quer que eu fosse como o pai dela.
Quando a conheci, há três anos atrás, ela tinha o olhar vazio. O olhar dela não transparecia nada. Nada a não ser dor.Muito calada, resguardada de si mesma. Ela era distante e eu tinha medo de me aproximar. Tinha medo do que poderia dizer ou fazer que ela não gostasse porque, aliás, eu não sei os limites dela.
Mais tarde ela viria a falar, num dia cinzento e chuvoso, ela viria a desabar. Na casa de banho da escola onde ela pensava estar segura e sozinha, eu apareci e ela desabou nos meus braços chorando a dor imensa que se passava por casa. Aí entendi que ela não era de falar dos seus problemas, - por muito bom que por vezes possa ser - mas a dor era tanta que ela teve de o fazer. Quase como se as palavras saíssem daquela boca automaticamente. Foi ai que eu entendi o medo dela, os avisos dela, tudo o que ela me dizia. "Tem juízo".
Ela não queria que eu fosse como o seu pai, que todos os dias chegava a casa bêbedo e uma discussão gerava. Ela não queria que eu ficasse bêbeda, dependente. Isso ainda acontece, por vezes.
Lembro-me de quantas noites se passaram e era tarde. Lembro-me de quando ela me ligava e chorava, se lamentava e dizia: "Eu quero sair daqui." Preocupada com o que podia acontecer, com o rumo que as coisas iriam tomar e o que podia acontecer depois de tudo acabar.
Clarke pensava que queria sair. Era um desabafo, mas ela não queria. Ela não era capaz de deixar a sua mãe. Ela não era capaz de deixar a sua mãe a sofrer sozinha nos braços de quem a tratava mal. E eu entendo-a tão bem desde à uns tempos para cá quando me vejo uma fugitiva por parte de uma pessoa que nem sequer é da minha família.
Clarke tinha medo que os pais se divorciassem, e eu sei que ela ainda continua com esse medo pois, tal como ela diz, nada disto acabou. O pai dela volta ao mesmo no final de todos os dias.
Mas afinal, quem sou eu para o julgar, sendo que me sinto bem sob o efeito de algo que não sou 24h por dia?- Desculpa... eu... eu não te quero desiludir. - Deixo-me escorregar pela parede mais próxima. - Tudo é tão difícil aqui. Por muito que eu não queira, ainda gosto do Tyler. E tudo é tão difícil porque eu fiz amigos aqui e eu quero sair daqui, mas... não sei. Temos uma ligação que me incapacita de sair daqui. Pelo menos para já. - Ligação. A ligação que Calum me falara antes.
- Meu amor, eu entendo que tenhas amigos e a minha mãe sempre te disse para os fazeres e para te dares bem com aqueles que te rodeiam, mas por favor, não te vingues no álcool. Não te vingues no tabaco. Tens amigos, fica com eles. Se são mesmo amigos, eles ajudam-te a ultrapassar aquilo que precisas, mesmo não sabendo o que passas. - Ela puxa-me para só, levantando-me do chão. - Mas por favor, não te vingues no álcool. - Clarke sussurra-me ao ouvido.
Da forma que ela ia dizendo cada palavra, com cuidado e carinho, ela parecia conhecer Calum e descreve-lo. Ela parecia ter conhecimento da sua existência e do efeito que ele tem vindo provocar em mim. Tudo o que me passa pela cabeça, pelos olhos, é a forma como ele me trata. O carinho que ele tem por mim. Oh, isto não iria durar para sempre, mesmo que ele agora seja o rapaz 100% carinhoso que me tenta abrigar do meu próprio eu.
Daquela vez que ele veio a minha casa proteger-me dos meus medos, dos trovões. Daquela vez, no dia seguinte, quando ele beijou os meus pulsos e jurou-me que me ia ajudar. Ele não tem a noção do quanto aquilo me pode ajudar.
Abraço-me a Clarke recordando-o e recordando o que eu lhe disse porque, tal como ele fez e faz comigo, eu apenas o quero proteger das escolhas dele. Isto é tudo sobre escolhas no final de tudo. Eu só queria proteger Calum das mãos do diabo. De Tracy.
No fundo, todos queremo-nos proteger porque todos temos afetos e medos. Clarke tem medo de me perder da forma como perdeu o pai, dessa maneira ela me protege. Calum tem medo de algo, algo mais profundo que o meu conhecimento permite saber, então ele tenta abstrair-me do mundo para eu não cair no erro de sofrer uma recaída. Mas ele foi a minha recaída, porque eu confesso, tenho medo de o perder para outra pessoa. Ele foi o primeiro com quem eu tive contacto aqui. Ele foi o primeiro que me orientou, salvou, ambientou, e foi o primeiro com quem eu estabeleci uma ligação. Eu tenho medo de perder a sua amizade para o amor de uma pessoa, como já me aconteceu antes.
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PAPER SOULS • CALUM HOOD
FanficFaith e Calum. Adolescentes com passados com arestas para limar. "Ele só queria ser meu amigo, mas eu escolhi amá-lo." Plágio é crime Copyright © 2015 All Rights Reserved by Joana Nunes