☾~•Quatro

926 100 26
                                    

ADDISON:
🌙

Um dia extremamente caótico se fazia presente, e enquanto o sol da manhã raiava do lado de fora, eu almejava apenas poder ir para casa. A madrugada toda foi regada a partos e cirurgias, e meu corpo todo já estava dolorido; minha cabeça parecia latejar mais a cada segundo.

- Olha por onde anda, droga! - xingo uma pessoa qualquer que andava enquanto falava ao telefone, ao invés de prestar atenção à merda do caminho.

Faltava uma hora para o fim do meu plantão, aparentemente pouco, mas a verdade é que tudo pode acontecer no período de uma hora.

- Amélia, pelo amor de Deus, me tira daqui - sento ao seu lado no banco do refeitório descansando a cabeça à mesa.

No entorno, pessoas iam chegando para tomar café da manhã.

- Ruiva, relaxa...

- Relaxar? Está brincando comigo? Eu não aguento mais! Meus pés estão me matando e... - meu pager toca.

Amélia reprime uma risada me vendo exasperar.

- Puta merda, eu mereço - levanto-me e corro, afinal, duas vidas estavam em jogo.

- Sim, e eu mereço continuar aqui com meu delicioso bolinho - grita, de longe eu apenas direciono a si um dedo do meio.

No trauma vejo dois rostos conhecidos - e por esse motivo fiquei ainda mais preocupada. Jake e Betty, o casal que esteve no hospital há uma semana. A mulher teve o reflexo de um aborto espontâneo. Mas agora, aparentemente, algo havia mudado.

- Ei... eu me lembro de vocês. O que aconteceu?

- Acho que está na hora do bebê nascer, a bolsa estourou - respondeu a mulher ansiosa, mas claramente sentia dor.

Examinei-a. Com o exame de toque tive a constatação de que ela já estava na fase do período expulsivo, contando com 10 centímetros de dilatação do colo do útero.

Após avisar Betty sobre a preparação para o início do parto, e levá-la ao quarto, separei os materiais cirúrgicos necessários. Durante toda a ação percebi sobre mim o olhar de seu marido - ato que se estendeu até o momento em que perguntei-lhe se algo de errado havia. Ele negou.

🌙

O bebê nasceu após o período de três horas, e após tanto esforço de sua mãe, entreguei-o em seus braços. Por um momento sorri cativada pela cena, logo após me irritei pelo fato de o pai de Isaac não demonstrar afeto algum a ele ou Betty. Mas eu nada disse.

Querendo me retirar de lá, apenas desejei boas vindas ao pequeno e cumprimentei os dois adultos. Seria hora de ir. Girei nos calcanhares feliz da vida - mas a infelicidade veio com o característico som aterrador, indicando a ausência de atividade cardíaca da paciente.

- O que? - me exaspero aproximando-me atenta ao visor que indicava a parada cardíaca.

O homem segurava o bebê desajeitadamente e olhava-me atônito, pedi que o tirassem de lá quando iniciei a massagem cardíaca, e logo a reanimação com o desfibrilador.

- Merda, não... - após três tentativas ainda não obtive resultado.

Ouvia Jake gritar do lado de fora, esmurrar o vidro, e eu tentava não me desestabilizar mais. Um fino frio percorreu o entorno de meu corpo - aquilo não podia estar acontecendo.

- Carrega em 250... Afasta

Nada.

- Vamos, Betty, vamos...

Ainda após mais tentativas, ela não reage. Fecho os meus olhos com força jogando longe as pás do aparelho. Jake adentra a sala e o olhar que me transmite é o suficiente pra me fazer sentir ainda mais dor.

- Você matou minha esposa - olha para a maca com os olhos caídos.

Sinto o impacto daquelas palavras como um soco no estômago. Certamente, nada que eu fiz foi matar aquela mulher, mas comecei a questionar mentalmente todos os meus passos. Passei as mãos pelo cabelo, faltando arrancá-lo fora em virtude do nervosismo que corria solto em cada célula do meu corpo.

- Senhor - tento soar passiva - é desconhecida a origem da insuficiência cardíaca. Apenas pode-se afirmar sua causa após a autópsia - profiro gentilmente apesar de sentir náusea e vontade de chorar.

- Não... não funciona assim. Nós estivemos aqui e você disse que estava tudo bem.

- Porque estava - minha voz treme.

- Você não a examinou direito - deu o bebê à enfermeira - estava mais preocupada em salvar a criança.

- Jamais. Me preocupei em salvar ambos.

As lágrimas dos seus olhos correm, desvio o olhar de si porque aquilo me afetava ao extremo.

- Eu sinto muito pela sua perda - aproximo-me um pouco.

- A perda que você causou - grita enfurecido.

Aquiesço e saio, apenas.

🌙

Percorria cada corredor daquele hospital com extrema dificuldade, sentindo o corpo todo tremer e as pernas vacilarem à execução do simples ato. Precisei parar em alguns momentos em que estava tão impotente a ponto de vivenciar demasiada vertigem.

Ainda ouvia com afinco o som do aparelho indicando parada cardíaca, e depois a voz de Jake acusar-me de matar sua esposa - seria eu uma médica negligente?

Apertei freneticamente o botão do primeiro elevador ao qual fui capaz de chegar. Pessoas saíam dele com extrema pressa e quando reparei na última figura restante, estaquei-me.

- Bom dia, Doutora Montgomery - cumprimentou-me Meredith.

O elevador fechou-se e eu nem ao menos entrei. Meredith logo se dispôs defronte a mim analisando cuidadosamente cada centímetro do meu rosto; depois lançou-me uma face que mesclava preocupação e desentendimento.

- Está... tudo bem? - apoiou as mãos em minhas costas tirando-me do meio do fluxo de pessoas.

Quando estávamos ao canto, ela retornou a indagar sobre meu estado, e eu apenas assenti, sem conseguir assimilar elementos de meus próprios sentimentos.

Eu sentia como se o mundo ao meu redor girasse, e girasse, e nunca parasse. E a única coisa que eu conseguia frisar era: "eu matei alguém".

- Você está chorando? - Meredith passou o polegar em meus olhos, secando-os.

Seus braços puxarem-me para um quarto escuro, que depois iluminou-se à meia luz de perspectiva provida do abajur.

Does love overcome pain? - 𝑐𝑜𝑛𝑐𝑙𝑢𝑖́𝑑𝑎.Onde histórias criam vida. Descubra agora