2- Vozes silenciosas

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     A algum tempo atrás uma garota lembrava claramente de quem era e quem queria ser, hoje ela já não reconhecia quem um dia foi.
Uma garota chamada Lyla, de descendência japonesa, treinada por sua avó desde os seus seis anos, agora se tornara uma guia espiritual. Assim como toda linhagem da família Yamamoto, que ela nunca chegara a conhecer.
      Os integrantes desse clã foram devastados por uma inesperada onda de "Kurai tamashī" ou almas sombrias, como são denominados os espíritos que são corrompidos pelas sombras, antes de completar a passagem para o mundo espiritual. Esses seres são condenados a vagar atormentados, procuram almas para satisfazer o fazio de seu interior, atacando as pessoas pelo mundo.
As Kurai tamashī assumem formas mostruosas quando famintas. Quanto maior seu tamanho, maior sua fome por almas, maior seu poder e consequentemente grande quantidade de almas ela consumirá.
   E é aí que Lyla entra. A única que restou do seu clã capaz de sentir, ver e libertar um alma corrompida. Lyla é agora uma jovem de 16 anos e a última com a Função de proteger e guiar as almas em sua travessia.

   Sua avó sempre a dizia antes de sua partida dois meses atrás, que já estava velha e fraca demais para esse trabalho, que séria muito mais fácil para a menina seguir em frente sem ela.
Contudo não estava sendo nada fácil.

— Socorro, alguém me ajuda!— gritou uma garotinha perceguida por uma das almas. A  menininha reluzia em uma aura branca e brilhante, ela também era uma alma ou melhor dizendo, um espírito. Muito provavelmete recém partido, um acidente trágico ela presumira.

— hey bichão feio!- Lyla gritou para a figura monstruosa de mais de três metros, que perseguia a garotinha.

O mostro virou o rosto acinzentado e soltou um rugido que espalhou gotículas de sua saliva ectoplasmatica.

— Que tal você deixar ela em paz e pegar alguém do seu tamanho?— provocou ela.

FOME!!!!- A criatura cibilou com a voz arrastada. Era como um inseto negro gigante, tinha quatro pernas longas e dois braços espinhosos com dedos pontiagudos que mais pareciam garras.

— vegetarianismo não é uma opção pra você, não é? — debochou a garota.

— Me ajuda, por favor!— a garotinha murmurou assustada correndo para atrás dela.

Lyla se posicionou abrindo levemente as pernas e ajeitou a guarda, levou a mão lentamente até a bainha do punhal em sua cintura. Então trocou o peso dos pés, retirou a adaga passando a lâmina pelo ar, da altura de seu ombro até alguns centímetros do chão. Segundos depois um pequeno portal em forma de rasgo transbordando de um brilho da cor branca se abriu.

— Vai rápido!— ordenou ela para a garota.

— mas e você?— A menininha hesitou.

— eu tô acostumada a lidar com eles, fica tranquila que isso vai acabar rápido. Agora vai! — Ela disse cada palavra seriamente, mas lançou um rápido sorriso meigo para a menina.

A garotinha atravessou o portal que se fechou em seguida em uma explosão de luz.
A rua mal iluminada voltou a assumir a penumbra da madrugada.

  MINHA COMIDA! FOME!! — gritou a criatura tomando impulso para se lançar contra a figura de Lyla.

"Esses bichos estão ficando cada vez mais inteligentes. Nunca tinha visto um tão grande antes"— pensou Lyla dando um leve suspiro.

— Okay vamos acabar logo com isso!— disse ela movimentando seu punhal no ar. O que antes era um pequeno punhal, se esticou e se alongou a uma comprida espada. Maior até mesmo do que a garota. Em uma agilidade antes escondida, investiu para cima da gigante figura.

— vocês não aprendem nunca!— usando um movimento rápido de espada ela cortou um dos longos braços negros que caiu no chão com um estrondo, fazendo uma nuvem de poeira.

Era quase engraçado como ela se movia com tamanha maestria contra a figura do monstro, que sequer tinha tempo de contra ataca-la.
Ela recuou e então por um milésimo de segundo esquivou de um ataque que séria certeiro, fizera isso a semana toda e já estava exausta.
Tentou dar a volta por ele, mas foi atingida por um dos braços que a jogou pelo ar, parando apenas quando se chocou contra uma parede. Com dificuldade se levantou do chão e foi atrás da monstruosa figura.
Ela estava decidida a destruí-la e possuída por uma fúria descomunal, entrando em um combate corpo a corpo com o mostro, desferindo ataques após ataques sem parar um minuto sequer.
Ela a cortou como um jardineiro poda os galhos de uma árvore, destrinchando parte por parte, que sumiam em um brilho dourado como se estivessem se desintegrando no ar. Em seu braço um corte ardia e sangrava deixando escorrer seu líquido vital vermelho.

O mostro tentou lhe acertar novamente, cravando as garras no asfalto. Já exausta atravessou sua grande espada pelo tronco da criatura que com um grito explodiu no mesmo brilho que seus membros.
Cansada caiu sobre os joelhos naquela rua deserta e pouco iluminada.
   Mesmo ofegante ela ainda pôde ver uma silhueta se aproximar em um caminhar elegante e refinado. Ela se enganara ou realmente era uma mulher vestida uma roupa social? será que ela virá tudo o que aconteceu? ou por algum motivo atravessou a viela só agora?
Não. Seu andar era muito confiante para não estar ciente dos perigos da noite.
O farfalhar dos saltos parou. Aquela mulher sabia exatamente o que queria, parada em sua frente com a mão delicadamente estendida.

— isso não é hora para uma jovenzinha estar sozinha em um lugar como esse — cantarolou.

— não se preocupe, só estou de passagem— a essa altura a espada já voltara a ser punhal onde ela cuidadosamente guardou em fácil alcance.

— que perigo não acha?, pode aparecer alguém perigoso ou pior! algo perigoso.

— d- desculpa senhora, mas eu realmente tenho que ir— disse a menina apressada.

— há por favor não me chame de senhora— disse ela lhe ajudando a se levantar, então prosseguiu:

— Ir?, ir para onde minha querida?— a mulher lhe lançou um sorriso. — não me diga que vai procurar mais daquelas criaturas?

Então ela realmente havia os visto. Visto o suficiente pelo menos, embora ela parecesse saber muito mais do que os olhos podem contar, era misteriosa demais para se decifrar assim.

— você, eu já conheço senhorita Lyla, porém permita me apresentar. Sou a srta Bird e não espero que me conheça, muitas pessoas não me conhecem, comando pessoas para uma causa maior do que se pode imaginar — ela lhe deu o braço.

— por outro lado, você minha jovem, será de grande ajuda.

E assim saíram as duas de braços dados, caminhando pela escuridão da noite sem destino aparente.

A Resistência: Legados Onde histórias criam vida. Descubra agora