24- O grasnar do corvo

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    O processo de roubo ao museu trouxe uma noite longa de pensamentos até Max, ele teve dificuldade em pegar no sono. Já se estava se acostumando em não conseguir dormir direito, quando não era fuzilado por pensamentos auto depreciativos, questionamentos e dúvidas batiam a sua porta, o derrubando por dentro com bolas de demolição. Não sabia dizer se gostava do silêncio, as vezes sua mente falava demais.
     Ele tinha um método para isso, era uma espécie de ritual que ele praticava toda vez que não dormia. Max caminhou até o cavalete posicionado no canto do quarto próximo a janela, atrás das cortinas a lua transitava de minguante para nova, a cidade inteira dormia menos ele. Conectou o celular ao fone de ouvido, rolando por suas playlists, por fim dando play em Bored-Billie Eilish e com um lápis começou a rabiscar o que vinha a mente. Risco soltos e movimentos rápidos de mãos, as vezes parava pra esfumar algo com o indicador ou o polegar.
Ele não considerava um dom e não sabia se poderia ser classificado como talento, mas no final dos riscos despretensiosos o resultado sempre era algo surpreendente. Fruto do que seu mente fervilhante produzia. Uma mensagem vinda do chaos de seu subconsciente.

— Toc toc — o som de algo batendo contra janela sobressaiu a melodia da música.

Ele ignorou por um momento voltando ao desenho.

— TOC TOC — novamente o barulho.

  Max abriu as cortinas dando de cara com um corvo. Um fucking corvo no batente da janela. Ele ficava e arranhava o vidro da janela. Seja lá o que ele queria estava do lado de dentro.

— merda eu sabia que não tava louco — ele sussurrou para si mesmo, abrindo a janela. A ave voou pousando sobre encosto da cadeira que em que estava.

    Max divagou se lembrando de todas as vezes que pensara ver o pássaro negro. No dia no parque, no beco na boate de Asmodeus. E tantas outras vezes durante sua infância.
Ele não contara a ninguém mas umas das poucas lembranças que restavam com seu falso avô, era de quando tinha por volta dos   13 anos, ele encontrou um corvo caído próximo ao quintal dos fundos. Era um filhote, provavelmente abandonado por ser pequeno e fraco, por estar machucado, ou era um órfão assim como ele. Max cuidou da pequena ave com a ajuda dele durante alguns dias, se dando ao trabalho de fazer longas pesquisas na internet e se certificar de que tinha comida e água todos os dias, cuidou de seu olho ferido que recebeu um tom acinzentado e uma cicatriz vertical. Até que um dia ele de repente foi embora.
Quando voltou da escola em um uma tarde de outono ele não estava mais lá, havia içado voo e ido viver sua vida de pássaro, em algum lugar da Inglaterra.
Agora ele se perguntava se realmente esteve lá esse tempo todo? Não poderia ser o mesmo pássaro.
Mas aquela cicatriz no olho direito.

  Max andou de um lado para o outro dentro do quarto.

— okay eu te ajudei, mas você não pode ficar aqui — disse ele para ave. — uma das regras é não ter animais, sem exceção.

  O garoto caminhou até a janelas.

— foi ótimo te ver de novo mas agora é hora de dizer tchau — disse ele fazendo um gesto com os braços como se desse passagem ao animal.

    O corvo piscou uma vez inclinando a cabeça para o lado. Ele não se moveu.

— ah qual é, vamos lá! Vai embora! — implorou o garoto aos sussuros.

  Sem paciência, pegou o corvo em mãos o levando até a janela, o animal se debateu um pouco, pinicando seu dedão.

— aí! Seu pequeno marginal emplumado! — esbravejou vendo a ave voar de volta para a cadeira.

           Dessa vez o menino notou algo mais adiante enquanto sacudia o dedo bicado, atrás do corvo encima do cavalete estava o seu desenho, agora mais distante conseguia distinguir as linhas. Algumas delas ziguezagueavam formando um par de asas, outras uma pata, um borrão sombreado fazia o contorno de um olhar frio e mortal.

A Resistência: Legados Onde histórias criam vida. Descubra agora