cap 24

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Emma Swan

Infelizmente Regina não pode me acompanhar na viagem para Nova York. O que era uma pena, queria que ela pudesse rever sua família e passar um tempo com ela, mesmo que curto. Assim que o avião pousou, peguei um carro que me aguardava e fui direto para a Trojan Horse Security, a lendária empresa de David Booth, hoje sob as mãos do CEO Killian Bell, um homem extremamente habilidoso e inteligente e que ampliou o catálogo da empresa para inserir robótica. Assim que o carro chega na avenida mais movimentada de prédios comerciais, vejo um que é recoberto por um material estilo espelho, que reflete tudo o que vem de fora. E por dentro, assim que entro, vejo as paredes de vidro.
Aqui não é apenas a empresa de David, mas a sua casa. Ele e sua família moram numa incrível mansão no subsolo, que aliás, é cheio de conexões com toda a cidade. Ajeito o sobretudo no corpo por causa do frio e dou alguns passos até o elevador que é reservado apenas para a família. Não preciso mostrar
identidade nem nada, sou rapidamente reconhecida e entro nele. Em seguida, duas pessoas entram também.
- Killian? Pergunto ao apontar para a homem de olhos azuis bem expressivos e a face lânguida.
- Você deixou o cabelo crescer. Legal. Killian aperta a minha mão, mas não sorri, sempre mantém aquela expressão séria e impenetrável.
- Tio David me disse que você vinha hoje, então fiquei de tocaia para recebê-la. Você vai ter tempo para ver os projetos que andamos criando? Killian não perde tempo. Não é apenas um gênio da robótica, é curto e grosso, um bom negociador e profissional ao extremo.
- Sim, sim. Na verdade, se eu tiver tempo após ver a sua mãe, quero ver tudo. Aceno para ele e viro o rosto para o outro lado, onde vejo uma moça. Seu rosto é bem bonito e seus cabelos pretos descem em caracóis. Mas o que chama a minha atenção são os seus olhos: um é verde e o outro é azul.
- Essa é Victória Leão. Killian a apresenta, mas em sua voz há um quê de embargo.
- Imagino que você esperava encontrar a Maria Eduarda Dourado hoje, mas a Victória é a futura CEO da LEÃO&DOURADO e tem tomado a frente das coisas da empresa.
- Senhorita Leão. Aperto a mão de Victória.
- Vai ficar muito tempo conosco, senhora Swan? Gostaria de ver umas minúcias do seu acordo com a L&D.
- Só por hoje. Preciso voltar para Miami, mas podemos conversar no jantar ou até mesmo por chamada de vídeo depois, sem problemas. Victória faz que sim, passa a mão pelos cabelos e olha para Killian de esguelha. Ele olha para ela de esguelha. Tenho a leve sensação de que estou no meio de um tiroteio, como naqueles filmes do velho oeste.
- Vocês parecem tensos. Coço a ponta do nariz.
- Não! Os dois dizem juntos e se encaram. Consigo até ver os raios saindo de seus olhos.
- É que tivemos... bem... uns enganos. Killian tenta se explicar, mas não é bom com isso.
- Eu não me enganei com nada. Victória diz com um semblante leve e pleno.
- Vim fazer o meu trabalho e estou fazendo. Ela sacode os ombros.
- Mas alguém não é atencioso o suficiente.
- Atencioso? Eu sou extremamente atencioso. Killian rosna e a encara com ódio.
- Atencioso até demais. Cuidado com a atenção dele. Victória se vira para mim.
- Ele pode acabar tirando a roupa... por ser atencioso demais. Ela provoca.
- Você não me impediu e gostou. Ele rosna. Tá. O que está acontecendo aqui?
- Eu fiquei surpresa e fui na sua onda. Tinha negócios a resolver e pensei que essa era a sua forma de lidar com eles. Ela move a cabeça sutilmente.
- Eu tinha negócios aquele dia com uma acompanhante de luxo e você chegou, sem avisar, não disse do que se tratava e eu resolvi os "meus" negócios. Me desculpe. Ele cruza os braços e a encara com ódio.
- Está desculpado. Ela também cruza os braços e o encara com ódio.
- Acreditem, quando eu digo isso. Passo a mão pelo ombro de Killian e pelo de Victória e os aproximo do meu corpo.
- No mundo animal eles têm a dança do acasalamento. E nós, meus caros, temos isso.
- Isso o quê? Os dois perguntam juntos, furiosos.
- Exatamente isso. Dou uns tapinhas nas costas deles.
- Façam o que tiverem de fazer, mas arrumem um quarto. Por favor. Salva pelo gongo ou pelo elevador, vejo a passagem se abrir e sigo meu destino, deixando-os discutir animosamente sobre arrumarem um quarto ou coisa do tipo. Diferente da empresa, a parte do subsolo possui paredes normais, então caminho pelo corredor sem ver quem está nos cômodos. E antes que eu chegue na sala de estar, sou abordada por Amélia Bell.
- Dra. Bell! É bom vê-la, estou ansiosa para ouvir o seu feedback.
- Olá, Emma! Como foi a viagem?
- Já me acostumei com esses bate-volta de Miami para Nova York, então estou bem.
- Ótimo! Amélia ajeita os óculos com hastes douradas e me aponta a porta à esquerda.
- Henry está com o August e o Allen na sala de estar, então podemos conversar reservadamente aqui.
- É claro. A sigo até a sala de jogos, onde já vejo de cara uma mesa de sinuca e vários aparelhos antigos de jogos. Amélia ajeita a saia branca antes de se sentar na poltrona e coloca as mãos no colo. Pega um celular grande e começa a abrir arquivos, talvez em busca de suas anotações. Sento-me na poltrona preta diante dela e olho ao redor. A sala é cheia de relíquias.
- Primeiramente, eu estou feliz e surpresa de ver que o Henry teve um avanço muito grande.
- Eu também. Digo imediatamente.
- Ele tinha dificuldades no início para falar e depois para pronunciar as palavras, mas desde que descobrimos no que ele realmente tem interesse, pudemos trabalhar com tudo isso. Preciso parabenizá-la, Emma. Estou realmente surpresa que você fez todo o trabalho sozinha!
- Você é mãe e pode me entender. Cruzo as pernas.
- Eu não queria perder nenhum momento dele, sabe? Eu o vi andar pela primeira vez. E aprendi com o tempo o que cada gesto e barulho que ele fazia significavam... e fiquei preocupada no início com medo de que Henry nunca fosse falar...
- Sua próxima missão é fazê-lo parar de falar. Ela ri e acaba me contagiando.
- Brincadeira. Amélia estende seu celular para mim e consigo ver suas anotações.
- Nas últimas semanas temos exercitado com o Henry o fato dele criar empatia e demonstrar que se importa e está interessado com o mundo ao seu redor. E ele está. Só que tem interesses específicos. Agora que demos esse passo, preciso que treine com o Henry os sentimentos, necessidades e vontades dele. Pedi que ele começasse a dizer o que quer, objetivamente.
- Aham.
- Isso vai facilitar muito a sua vida. Não vai mais precisar ficar 24h o observando, tentando entender qual sinal é o de dor, o de fome, o de medo, o de desejo... Henry está aprendendo que precisa se comunicar abertamente com as pessoas.
- Logo agora que estava me tornando expert em expressões faciais e gestos? Me divirto.
- Você vai continuar a aprender sobre isso, mas fará bem, tanto a ele, quanto a relação de vocês dois que vocês se comuniquem com franqueza. Henry está aprendendo que a empatia é uma via de mão dupla: quando ele se importa com os outros, os outros também se importam com ele. E o que é necessário que ele absorva nesse momento é que ele precisa externar o que está em sua cabeça. É claro, aquilo que for importante transmitir. Tem coisas que não precisam ser ditas, e confio que você o ajude nessa tarefa.
- É claro.
- Dito isso, Henry evoluiu bastante e eu estou feliz que vocês dois estejam em sintonia.
- Ouvir isso significa muito para mim, obrigado. Devolvo o celular para Amélia.
- Você acha que... o Henry um dia vai conseguir ter uma vida normal? Pergunto.
- Quem de nós vive uma vida normal? Ela retruca e ri. Pensando por esse lado...
- O Henry não é diferente das outras pessoas. Todos nós vivemos, construímos e nos comunicamos de acordo com os nossos gostos. O detalhe é que temos muitos gostos e nos comunicamos com rapidez, o que é, afinal de contas, uma exigência do mundo moderno.
- Sim. Concordo com a senhora Bell.
- Até agora só descobrimos um gosto do Henry, que é pelas formigas. E apenas com isso, ele aprendeu diversas palavras, além de que você sabia que ele sabe falar "formiga" em vinte idiomas?
- Sério? Junto as mãos e me inclino.
- Pedi que o August pesquisasse historinhas sobre formigas em diversas línguas e ele comprou diversos livros, cheios de ilustrações, de dez idiomas diferentes. Acredite, Henry têm cinco anos e imagino que em menos de três meses ele vai saber cada palavra daqueles livros. Entende onde quero chegar?
- Acho que sim.
- Henry tem o seu próprio tempo e o seu próprio espaço, Emma. E ele está ansioso para conhecer o mundo, mas para isso ficar mais atrativo, ele se concentra nas formigas. Talvez esse seja o único interesse dele... talvez você descubra cinco, dez, cem ou mil outros interesses... o importante é que você trabalhe esse tema. Por que é isso que prende a atenção dele. E a partir desse tema você expanda tudo: vocabulário, conhecimento, regras sociais e de etiqueta, valores, moral...
- Compreendi, parece tudo mais claro agora. Obrigado.
- No Brasil houve um educador chamado Paulo Freire. O método do Freire é muito famoso, principalmente em países na Europa. Basicamente, o que podemos usar no Henry, é a compreensão do Paulo Freire que a alfabetização e o conhecimento são construídos a partir de interesses. Ele ensinava construtores a ler e escrever, por exemplo, incentivando-os a ler e escrever coisas que tinham a ver com seu dia a dia. Tijolo, cimento, arame, pedra, areia... sabe? Concordo de imediato.
- Nos dias modernos, principalmente, em que somos bombardeados com tantas informações e conteúdo verídico e duvidoso, nós nos debruçamos ao que nos interessa. E é uma bênção que descobrimos que o Henry se interessa por formigas. E que ele consegue compreender a noção de colônia, mútua ajuda, esforço, dedicação, trabalho, união.
- Consegui captar, parece ótimo!
- O meu prognóstico é que Henry está pronto para aprender a ler e escrever, por isso indico que procure alguém que use o método do Freire. E depois... ele vai conhecer vários amiguinhos no infantil. Vai para o colegial. Para o ginásio. E vai para Harvard estudar as formigas! Ela faz sinal de vitória. E eu faço junto, muito feliz em ouvir tudo isso.
- Isso!
- A parte mais difícil nisso tudo. Amélia diz de um jeito mais sóbrio.
- É que o Henry certamente vai fugir das expectativas que você tem para com ele. O que você quer para ele, talvez não signifique nada para ele. Para o desenvolvimento do seu filho, você precisa deixá-lo aprender quais são seus interesses e permitir que ele os desenvolva. Mas é claro, sempre cuidando e zelando para que ele não corra perigo, não fique vulnerável demais e esteja sempre no caminho adequado, mas seguro.
- Posso fazer isso com tranquilidade.
- Ótimo! Então nos veremos daqui um mês? Estou ansiosa para ver o desenvolvimento do Henry.
- Também estou. Me levanto e aperto a mão dela.
- Ah, uma coisa! Amélia diz antes de sairmos.
- O Henry me contou que se sentiu bem ao ver que você conheceu uma nova amiga, chamada Regina.
- Ah, sim... acho que ele e eu nos sentimentos bem por isso...
- Imagino que sim. Já é um avanço que Henry se sinta confortável em meio aos primos que ganhou quando esteve aqui em Nova York. É o que ele tem de mais próximo como referencial de família, e eu sinceramente me sinto honrada. Ela leva a mão ao peito.
- E ele também se sentiu confortável ao ver que você se aproximou da Regina, primeiro porque ela gosta de formigas, é claro.
- É, tivemos um incidente com elas. Coço o cabelo.
- Sim... e também porque ela é bonita, e principalmente: ela não é o Vincent.
- Ah, graças a Deus que ela não é o Vincent. Faço uma careta.
- Nessa nova fase em que vocês vão treinar os sentimentos, desejos e as necessidades do Henry, talvez seja importante salientar que nós, assim como as formigas, precisamos de amigos ao nosso redor, para nos sentirmos bem. E ensinar a ele como se conhece pessoas... como as cumprimentar... perguntar sobre os interesses delas... aprender a dizer seus próprios interesses...
- Mês que vem voltaremos com muitas novidades para você, prometo.
- Eu espero que sim. E a minha sugestão é que a Regina possa estar com vocês em alguns desses momentos. É natural que o Henry queira expressar coisas com você, a mãe, primeiro. E também conosco, sua família. Mas desde já é bom que ele também faça isso com pessoas com quem simpatizou. Quem sabe em um momento desses ele não descobre mais um interesse? Seria um avanço e tanto! Antes da Dra. Amélia Bell eu me sentia bem insegura a respeito de como lidar com o Henry. Ele era um completo mistério para mim. Mas ela tornou tudo mais fácil, ela não apenas ajudou o meu filho, mas me ajudou a entender não só como cuidar e tratar o Henry, mas também, a vida em geral.
Foi difícil ouvir que eu não pertencia mais à minha família original por decidir que meu emprego, em tempo integral, seria cuidar do meu pequeno. Mas eu ganhei uma nova família no lugar, que não apenas me deu suporte e me apoiou, mas amou o Henry e o trouxe para seu seio.
- Vou levar à cabo tudo isso. Nos vemos no próximo mês. Me despeço dela e retorno para o corredor.
Dirijo-me à sala de estar, onde encontro Henry e David Booth, o robô em forma de formiga está entre eles.
- Olha só quem chegou! Anuncio assim que entro. Henry não se vira, continua olhando para a formiga e parece animado:
-... elas constroem casas dentro da terra para se sentirem bem. Fazem vários túneis. E quando elas... Deixo ele concentrado no que está dizendo e me posiciono ao lado de David.
- Muito obrigado por cuidar dele. Seguro em seu ombro.
- Estou prestes a raptá-lo. O menino é o maior especialista em formigas que existe.
- Imagino que sim. Espero que ele não tenha dado muito trabalho.
- Bobagem! David segura em meu braço.
- Uma criança que não dá trabalho, não está aproveitando a vida! Quando Henry termina de falar, há um breve silêncio. Daí o robô responde tudo o que ele disse, acrescentando informações e dando dados científicos de uma forma simples e como saber mais sobre aquele tema.
- Oi, filho! Cheguei para te buscar!
- Eu vi. Henry pega o presente e o levanta em minha direção, para que eu veja.
- Que lindo! Eu amei o seu presente! Mas como você está?
- Sentado.

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