cap 22

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Regina Mills
 
Emma não retornou para me buscar, mas enviou sua amiga Ruby no lugar. Belle e eu voltamos para casa e por todo o caminho o celular não parava de tocar. Acabei desligando e cochilei no ombro de Belle, só acordei quando já havíamos chegado.
— Conte-me tudo sobre o primeiro dia.  Zel me recebe na porta, animada.
— Ao julgar por essa cara, você viu o Robin .
Vi! Entro em casa e vou direto para o banheiro, para tomar um banho relaxante e me ocupar pensando em qualquer coisa. Mesmo cansada, eu sei que não conseguiria dormir, a minha mente estava bem agitada.
Tudo sob controle? Ou já posso chamar o psiquiatra? Zel conversa comigo com a porta do banheiro entre nós e o chuveiro ligado.
— É bom deixar a funerária em alerta. A relembro, aos gritos. Acabo tomando um banho bem rápido, só para tirar o suor do corpo, coloco meu pijama e me jogo na cama.
— Quer conversar?  Zel coloca a cabeça para dentro do meu quarto.
— Vai ficar me perseguindo ou o quê?
O quê. Ela responde.
— Só quero garantir que você esteja bem.
— Eu estou, eu juro. Só estou cansada mentalmente. O Robin infernizou a minha vida, deu o maior trabalho para a cozinha e ainda me fez ouvir bastante.
Tipo...
—... tipo que ele me amava. Que mesmo se casando com outra ainda seríamos os mesmos e que nada mudaria. Ele deu a entender que era um casamento de fachada e que com isso ele conseguiria muito dinheiro para nós dois. Reviro os olhos.
— E aí você arrancou as bolas dele com a boca antes ou depois de tudo isso? Ela se sentou na calma.
— Não arranquei. Peguei o travesseiro e coloquei em cima do meu rosto e o apertei com muita força.
Que linda a minha amiga, virou vegetariana. Zelena se diverte, mas também se compadece pelo meu estado e chega mais perto.
E o que isso muda?
— Eu não sei, Zel... eu me sinto traída, diminuída e provocada a um nível que nunca pensei que sentiria. Você espera qualquer golpe vindo de um inimigo, mas não do cara que você sempre amou desde o colégio e fez de tudo para tentar construir uma vida estável e perfeita a ponto de ser uma opção para ele. Ela concorda.
— Para no fim, perceber que você é só isso: uma opção.
— Ainda não entendi porque você não arrancou as bolas dele. No dente. Ela comenta.
— Mas chutei o saco. Zelena imediatamente aplaude e faz uma festa, bate a bunda contra a cama e fica pulando freneticamente.
— É disso que eu estou falando! Essa é a minha amiga!
— Eu só quero... sabe? Sumir. Mas amanhã estarei lá, mais uma vez. Bato com o travesseiro contra meu rosto.
— Me sinto estúpida!
— A maioria de nós se sente assim. Ela analisa.
— A parte da humanidade que tem o bom senso, é claro. Ouvimos a campainha tocar, mas Zel e eu não nos levantamos. Esperamos que Belle atenda.
Regina! Ela grita lá de baixo.
— Olha a outra, tentando acordar a vizinhança!  Zelena pragueja e se levanta.
— Sai dessa cama e desce!
Não quero! Faço um bico.
— Vai fazer o que então? Ficar aqui deitada até essa autopiedade te destruir?
Ah, para de palhaçada Regina Maria! Ela me agarra pelas pernas e começa a me puxar para fora da cama, algo que certamente me faz ter um dèjá-vu.
— Você ainda vai quebrar a minha cama! Me agarro com todas as forças, mas a maluca me joga no chão.
— Que vida triste a sua, hein, Regina Maria. A sua amiga quebrar a cama e não um macho gostosão!
Levanto-me e ouço Belle me chamar novamente pelo nome.
— Se pelo menos alguém quisesse quebrar a minha cama... Praguejo e desço para ver o que Belle quer. E falando no diabo... Ao descer as escadas, vejo Emma escorada na parede, conversando com Belle. Está vestida com uma camisa azul, as mangas dobradas até o meio do seu braço. A calça é preta, a barra bem feita e sapatos caros. Está impecavelmente bonita e eu já vou dando meia volta, porque estou com meu pijama rosa com vários porquinhos com asas.
Por que você não me respondeu? Ela eleva a voz em minha direção. Merda! Ela me viu! Com esse maldito pijama. Por que ainda o tenho? Mas ele é tão confortável...
Respondi? Pergunto, ainda de costas. Até esqueço, por um instante, que a droga do pijama tem uma espécie de rabinho de porco no fundo. Quando penso nisso, imediatamente me viro, os olhos arregalados.
Respondi o quê? Pergunto desnorteada.
— Minhas mensagens. Ela diz com calma e me analisa devagar.
— Você está bem?
Pronta pro abate. Desço as mãos do pescoço até a cintura, apresentando esse presentão que eu sou, embalada em um pijama de porquinho cor de rosa. Com rabo e tudo.
— Legal.  Emma anui devagar.
Vamos?
Vamos? Para onde? Olho de Belle para Zelena e só no fim para Emma. Tínhamos outro compromisso essa noite? Eu não me lembro.
— Você não leu as minhas mensagens. Ela conclui e cruza os braços.
— É que... o meu celular descarregou. Dou a primeira justificativa que me vem à mente.
— Certo. Mas você está ocupada? Porque quero te mostrar uma coisa.
— Emma, eu não sei. O dia foi cheio e eu tenho tanta coisa para fazer... Suspiro.
— Ela vai. Zelena quase me empurra da escada.
O que você está fazendo, sua doida? Murmuro, furiosa. Será que ela percebeu que ela está vestida como uma mulher rica, chique e bonita e eu estou vestida como uma... mulher que ainda dorme de pijamas quando fica triste? E também porque é confortável, precisamos ressaltar isso.
Salvando sua noite. Ela murmura, furiosa, de volta.
— Eu estava pronta para dormir. É a desculpa que dou, após ser jogada contra Emma pela psicopata da minha amiga e ela ver de perto o meu estado.
— Legal a roupa. Ela aponta para mim.
— Será que onde você comprou essa, tem de formiga? O Henry iria adorar! Pisco os olhos e ainda espero as risadas dela. Mas Emma é essa desgraçada gentil que mesmo quando estou desconfortável, me faz sentir confortável. E não me julga.
— Não sei. Pisco os olhos.
— Ah, eu mando para algum alfaiate fazer. Nossos olhos se encontram e ela sorri daquele jeito galante.
— Quer sair assim? Ou vai trocar de roupa?
— Vou trocar de roupa. Afirmo e dou meia volta, sequer pergunto para onde vamos, só ando rapidamente em direção às escadas e subo para o quarto, para bater com o travesseiro mais algumas vezes na cara, antes de me trocar.
 
Emma Swan
 
Regina demora para descer, mas quando vem, faz cada segundo de espera ter valido à pena. Ela desce devagar, parece que quer prender a minha atenção em cada movimento que faz. Usa uma camisa preta por debaixo da jaqueta de couro e shorts jeans curtos. Os tênis estão surrados, o cabelo está amarrado
em um rabo de cavalo e o rosto está limpo de toda aquela maquiagem. Ela está perfeita.
O que foi? Ela arqueia a sobrancelha.
— Você está linda. Estendo a mão.
— Cala a boca. Ela passa por mim, de braços cruzados e arreganha a porta quando sai.
— Não precisam esperá-la por hoje. Aviso Zelena e Belle e fecho a porta quando saio. Regina bate o pé no chão, como um tique nervoso. Quando passo por ela, toco em seus ombros.
— Você está realmente linda. Insisto.
— Não quero que deboche de mim, o meu dia já foi estressante o suficiente. Ela resmunga enquanto a direciono para a porta do carro e abro.
— Não estou debochando. Digo ao entrar e coloco o cinto.
— Você está deslumbrante.
— Mas não estou vestindo nenhuma das suas roupas caras. Essas são as minhas roupas comuns! Ela cruza os braços. Preciso me esticar o quanto posso na poltrona e me aproximo dela, agarro a fivela do cinto e passo pelo seu corpo, mas não desvio os meus olhos dos dela. Regina sempre fica muito apreensiva quando chego tão perto. E quer saber? Eu também fico. E é por isso que eu repito, faço de novo e insisto em chegar perto. Achei que uma hora esse sentimento ia acabar, mas ele vai num tom
crescente, como uma cantora de ópera que conhece o clímax da música.
— Só use suas roupas comuns quando estiver comigo, então. Comento e dou a partida. No início eu mesmo dirijo, mas depois dou as coordenadas para que o veículo vá sozinho.
— Que espírito é esse que entra dentro do seu carro e faz ele andar sozinho? Ela quebra o gelo, após um minuto de silêncio.
— O espírito da tecnologia. Respondo de bom humor e me viro em sua direção.
— Perdoe-me por não ter voltado, tive uns imprevistos e estava preparando uma surpresa agora à noite.
— Tudo bem. Ela vira o rosto.
— Não quer saber o que preparei?
— Não. Você é a mestre das surpresas, então, me surpreenda.
— Pode deixar.
 
Regina Mills
 
Para onde Emma está me levando é uma incógnita. Vejo os bairros glamorosos ficarem para trás e logo à frente já é possível ver a praia, mas o carro segue mais adiante. Ver a costa é simplesmente lindo. A lua grade e reluzente nas águas, as pessoas andando por ali, mesmo tão tarde da noite... essa Miami parece ser outra, onde reina a paz, segurança e tranquilidade. Eu jamais cogitaria sair de casa uma hora dessas, muito menos para vir à praia. Mas com Emma me sinto mais segura.
Pronta?
— Não sei se estou, mas quero estar. Suspiro, menos tensa do que antes e saio do carro assim que ela o estaciona.
— Para onde estamos indo?
— Vem comigo. Ela estende a mão e eu a seguro. Andamos por um porto luxuoso e não acredito quando vejo tantos iates maravilhosos.
— Depois de me levar à praia seu objetivo é me levar para o mar? Rio.
— O objetivo é sempre ir além. Ela se posiciona atrás de mim e segura em meus ombros, começa a me girar devagar.
— Escolha um.
— Escolher um o quê?
— Um iate. Escolha um. Ela vai me movimentando devagar, para que eu consiga vê-los. E mesmo que eu andasse por minutos e olhasse tudo, talvez não conseguiria ver todos.
Pode ser esse? Aponto para um, branco e espaçoso, parece ser extremamente moderno.
— Excelente escolha. Ela diz e tira o celular do bolso, faz uma ligação.
— Só um minuto.
— Todos os minutos que precisar. Suspiro e chego perto do iate. É bem lindo, e pelo que posso espiar ao esticar o pescoço, é praticamente um apartamento de luxo lá dentro. Parece ter banheira, um bar, cadeiras inclinadas com almofadas bem macias... é assim que é o meu sonho de princesa de como acaba um dia duro de trabalho.
— Não vai entrar?  Emma guarda o celular e aponta para o iate.
— Você tem a chave? Arregalo os olhos.
— De todos eles, é claro. Ele estende a mão e eu a seguro.
— E sei pilotar também, embora esse seja bem moderno, como o carro.
— O que afinal de contas você não sabe pilotar, Emma? Ela gargalha enquanto me leva para dentro do iate cinco estrelas. Ela é quase do tamanho da minha casa, e Emma explica que tem mais coisas
embaixo. Entramos na cabine de comando e Emma me explica como funciona o piloto automático, tanto do carro quanto dessa embarcação. Ela ri ao colocar um quepe de marinheiro em minha cabeça e guia minhas mãos pelo volante.
Podemos partir?
— Você tem certe...? Tento perguntar. Mas no menor sinal da minha dúvida ela liga tudo e não demoramos em estar em movimento. Seguro firme no volante e começo a tremer na base. E ainda escuto, bem em minha nuca, as risadas dela, assim como sua respiração quente.
— Você tem medo de dirigir?
— Eu nunca dirigi algo assim antes. Digo aflita, tento olhar para trás, mas começo a ficar tensa só de pensar que por qualquer descuido vamos bater em algo e começar a afundar, tipo o Titanic.
— Sempre tem a primeira vez. Como sempre, sua voz é forte e denota segurança. Emma passa suas mãos pelos meus braços até encontrar as minhas. Segura com sutileza e as movimenta devagar para que possamos avançar.
— Mas o mar... Sinto meus lábios tremerem.
O mar é o desconhecido...
— O que não é a vida senão dirigir em um mar desconhecido? Ela parece ter resposta para tudo. Consigo ver pelos retrovisores que a terra firme está ficando para trás. Nos afastamos a uma distância considerável para me fazer ter uma síncope e ao mesmo tempo flutuar numa parte da imensidão das águas para contemplar o céu noturno. Eu achei que na praia o céu noturno era a coisa mais linda que já vi. Mas ali, no meio das águas, era ainda mais impressionante.
— Vamos lá fora.
— E quem vai ficar dirigindo isso aqui? Pergunto, aflita.
— A tecnologia faz a parte dela. Ela segura em minhas mãos e as afasta do volante.
Vem comigo. Ao sair da cabine de comando e me dirigir para a parte externa do iate, deixo as preocupações de lado só por um instante e vou para a ponta da embarcação e fito o céu... o mar... as águas se movendo serenamente... é tudo muito lindo.
É bem estranho, você não acha? Emma me chamou a atenção.
Uma embarcação assim, tão grande, com móveis e com um peso considerável, simplesmente... flutuar em cima das águas.
— Não é estranho. Alguma área da ciência deve explicar isso com tranquilidade. Retruco.
Ciência. Ela desdenha.
— Essa palavra é bem recente e o seu entendimento também. Duzentos anos atrás as pessoas não tinham a mesma concepção de ciência como nós temos. Ela fica ao meu lado, olhando para o horizonte.
Mas alguém sonhou com uma embarcação que pudesse ficar acima das águas.
— Imagino que desde o Egito?
— Bem antes... Emma virou-se para mim, as mãos encostadas no suporte.
— Alguém pensou: “por que não?” quando todos diziam: “porque não”. Uma interrogação muda tudo. Assim como um sonho, um desejo, uma força que habita dentro de você, pode mudar tudo. Comecei a concordar. Agora eu já conseguia ter dimensão do que ela queria dizer com aquelas palavras.
— Para aqueles que não pretendiam sair da terra firme... um barco era bobagem. Era tempo, trabalho e sonho desperdiçado. Mas para aquele que sonhou e projetou a primeira embarcação, era propósito, força motriz e as suas pegadas no mundo.
— Você acha que cada um de nós veio ao mundo para fazer algo único, Emma?
— Eu acho que você tem direito a ter os seus sonhos. E mesmo quando alguém desdenha deles, porque não os compreende, você precisa se lembrar que foi você quem sonhou. E só depende de você realizá-los.
— Que bonito. Toquei meus dedos nas mãos dela. Ouvir aquilo, após aquele dia que me esgotou, foi um bálsamo.
— Qual sempre foi o seu grande sonho, Emma? E você o realizou?
Humm... Ela fez um bico charmoso e depois mordeu o lábio inferior.
Realizei.
— E pode me contar?
— Será que devo? Ela começou a coçar o queixo e terminou rindo, voltou a olhar para o horizonte. — Eu sempre quis ter uma família.
Ah! Você é órfã? Eu não... me desculpe...
— Eu não sou órfã. Ela me tranquiliza.
— Sempre quis ter a minha família. O meu filho. A minha mulher.
A sua casa... Suponho.
— Você não precisa de muito para ter uma família. Só as pessoas mesmo. O resto você dá um jeito. Ela pisca para mim.
— Para mim, você meio que precisa. Eu nasci em uma família modesta, então ter uma casa é um luxo. Um luxo necessário para poder dizer: “eu pertenço a esse lugar”. Emma concorda, mas continua a rir.
— O que é tão engraçado?
— Olhando da sua perspectiva, você está certa, sim. É importante sentir que pertence a algum lugar...
Mas...?
Olhe à sua volta. Ela se afasta um pouco e vai para o meu outro lado.
Nós pertencemos a todos os lugares, Regina. E principalmente ao desconhecido. É para lá que estamos dirigindo, desde o dia do nosso nascimento.
—... em direção à morte. Suponho que é isso o que ela quer dizer.
— Que trágica, você. A morte é a única certeza que temos da vida, é claro. Mas o resto... o resto é você. Suas escolhas, suas aventuras, suas renúncias. Não há opção, o motor está sempre em movimento. E mesmo quando ficamos parados, ele está consumindo energia. No fim, você pode pertencer a todos os lugares que quiser. Mas sempre terá o desconhecido ao seu redor.
— Não sei se te entendi, perdão.
— Retornar para Robin  é o mais seguro. Você sabe quem ele é, como ele é e o que ele faz. E mesmo que isso te machuque, algo em você diz que ainda dá para tentar, porque dentro de nós há um mecanismo biológico que nos faz temer o desconhecido. E você não sabe quem você é, sem ele.
— Certo.
— Eu não acho que você sente falta dele.
Não? Levanto a sobrancelha.
— Você sente falta de ser desejada por ele. Emma começou a andar ao meu redor.
— E sente falta dos momentos felizes que teve com ele. Também sente falta do frio na barriga que ele te causava e da tensão na espera das respostas que ele não te dava. Você sente falta de se sentir
especial quando estava com ele. E também sente falta de dormir pensando nele. Suspiro alto. É. No fundo, é meio que isso.
— Mas não é ele, Regina. Emma segura em minhas mãos. Então quem é? Você? Porque também me sinto assim com você, principalmente nas últimas semanas...
É você. Ela diz, bem perto dos meus lábios.
— Você sente falta da Regina que pode ser desejada. E da Regina que têm momentos felizes. Também sente falta da Regina com frio na barriga e a tensão da espera de respostas da vida. Você, Regina, sente falta de se sentir especial. E de dormir pensando que amanhã vai ser incrível pra caralho! Só consegui piscar os olhos enquanto a ouvia dizer tudo isso. Faltaram-me palavras no vocabulário.
— E agora que você pode dirigir, em direção ao desconhecido. Emma toca a minha cintura daquele jeito, com aquela pegada, que faz com que nossos corpos pareçam ímãs, um indo em direção ao outro.
— Você pode sentir tudo isso de novo. Por quem você quiser, até mesmo por ele, mas acima de tudo...
Por você, Emma?
— Por você mesma, Regina Maria.  Emma diz com tanta doçura que pela primeira vez na vida não me irrito de ter o meu nome sendo dito dessa forma. E sem ter exatamente o que responder ou como responder, eu a agarro pelo pescoço e o beijo como se tivesse necessidade disso. E no balanço leve das águas, começamos a nos despir.

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