Um arrepio sinistro percorre meu corpo quando escuto o som baixo e gutural que deixa a boca entreaberta de Bertholdt, que acaba de acordar. Os olhos esverdeados se abrem com dificuldade e piscam repetidas vezes ao se acostumarem com a claridade. As marcas em seu rosto onde a carne de seu titã antes estava presa se contraem a medida que ele tenta olhar em seu entorno, permanecendo imóvel quando seu olhar confuso recai sobre mim, sentada casualmente nas telhas avermelhadas ao seu lado.
— Emily? — Ele questiona, parecendo fraco enquanto seu corpo concentra energias em fazer crescer novamente seus braços e pernas. — O que você está fazendo aqui?
— Eu vim ver você morrer. Eles te pegaram, Bertholdt. — Suspiro ao ver a nuvem de medo que paira sobre as feições do meu irmão. — Além do mais, ninguém merece morrer sozinho.
Dito aquilo se seguem alguns instantes de silêncio. Minha mãe morreu com seu filho mais velho ao lado e mesmo que o próprio tenha sido o culpado de sua morte, sou ligeiramente grata em saber que ela não estava sozinha quando se foi. Todas as minhas entranhas se agitam dentro de mim com a mínima possibilidade de estar sozinha no momento da minha morte. Não saber o que nos espera depois dessa vida já é assustador o suficiente.
— Emily, eu... — Bertholdt se interrompe, como quem escolhe as palavras com pressa, sabendo que seu tempo está acabando. — Estou feliz que esteja viva. Eu disse a Ymir que...
— Você o quê? — Corto sua frase. — Foi você quem soltou a Ymir?
— Achei que Reiner a contaria. Mas sim, eu e ela fizemos uma troca e você poderia viver. Ymir queria se livrar desse fardo. Ele nunca foi dela. — Os olhos do meu irmão piscam devagar. — Se quer saber, também não deveria ter sido seu.
— Mas foi o que salvou minha vida, no fim das contas. — Engulo a seco, sentindo um nó dolorido se formar em minha garganta. — Obrigada, Bertholdt.
O mais velho estremece diante das minhas palavras e sorri fraco. Condeno a mim mesma em silêncio por desejar mesmo que por um instante que Bertholdt não tivesse acabado de receber a própria sentença de morte, que ele pudesse viver o resto de seus anos comigo. A mágoa acerca de suas ações e escolhas não diminui com a ideia de sua morte e duvido que irá algum dia, mas salvar Bertholdt está fora do meu alcance mesmo que eu quisesse o fazer.
Aquele é Bertholdt Hoover, o garoto que tirou de mim o amor da minha mãe e qualquer chance de ser admirada pelo meu pai, assim como excluiu a si mesmo da minha vida com vergonha do que havia feito. Não posso perdoá-lo assim como as pessoas que sofreram por nossas ações há cinco anos não podem também. Shiganshina ainda arde em brasa onde o Titã Colossal travou sua última luta contra seus inimigos e mais adiante, um brilho amarelado se faz visível quando um titã puro emerge para até acima das casas, exibindo sua forma magra e caminhando em nossa direção a passos lentos.
— Armin. — Murmuro comigo mesma o nome do garoto cujo corpo há poucos minutos estava diante de mim, carbonizado. Lanço um olhar breve a Bertholdt. — Quem diria que alguém como ele herdaria um titã destrutivo como o seu.
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Surrender I Reiner Braun
FanfictionE se Reiner Braun tivesse descoberto a tempo que o certo era se render? E se o Titã Blindado entregasse seu coração para a humanidade e lutasse ao lado de Paradis? Emily é a irmã de Bertholdt Hoover, enviado com seus companheiros para a "Ilha dos...