CAPÍTULO 28

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Lucas entrou no quarto à noite e viu Otávio segurando a cabeça visivelmente desorientado.

Aproximou-se do namorado percebendo que ele não esperava que Cassius fosse alguém como Quim...Lucas reconheceu que também ele acreditou inocentemente que nesta encarnação seria mais fácil encarar Cassius, pois ele viria com alguma aparência mais condizente de um  espírito maldito e assassino.

_Difícil acreditar que ele é capaz de nos matar..._Lucas comentou intrigado  massageando a nuca de Otávio a fim de fazê-lo relaxar um pouco._Parece apenas um adolescente desafiador e atrevido...como muitos outros que vemos por aí.

O médico pegou a mão que lhe dava um pouco de conforto e a beijou com carinho.

_Ele tomou banho sim, mas depois arrebentou o chuveiro e também a descarga e saiu dizendo à faxineira que quando forem consertar, que é pra ligar para o pai dele e pedir um chuveiro decente._desabafou Otávio.

Lucas reconheceu que teriam  agora uma má notícia atrás da outra, enquanto Quim estivesse por ali.

_Ele dormiu o dia todo...é assim mesmo?_Lucas queria saber.

_Ele não vai admitir, mas ainda está cansado do fuso horário e também a doença já perdeu completamente o controle, sugando cada vez mais a sua energia vital. A doença avançou sem ter quem a detivesse, pois o pai dele disse que ele negligenciou todos os tratamentos oferecidos até que quando aceitou, já não havia mais nada a fazer.

_Meu Deus...o pai dele tem tanto dinheiro e o filho vai morrer por falta de assistência médica...Irônico isso._lamentou Lucas.

_Eu preferia que o pai dele tivesse mais psicologia e menos dinheiro, aí sim talvez não tivesse chegado a este ponto. Geralmente o câncer atinge as crianças e pode ser curado em boa parte dos casos, mas Paulo deixou que a situação perdesse o controle. Negligenciaram quanto ao diagnóstico, Quim fugia dos laboratórios e salas de exames...o pai já não tinha autoridade sobre ele...difícil!

_Mas ele não sentia nada que o incomodasse a ponto dele finalmente aceitar ajuda médica?

_Bêbado e drogado era difícil separar o que era sintoma de uma doença grave e o que era efeito colateral do vício. Ele não tinha noção do que estava por vir e aí o pai só pode socorrê-lo quando ele finalmente desabou. Os tratamentos que foram oferecidos em clínicas particulares ambiciosas e sem ética  visavam mais o que poderiam lucrar financeiramente do que em qualidade de vida para o garoto.

_Meu Deus...foi um erro atrás do outro então...

Os dois estavam esgotados mais mental do que fisicamente. Esperavam que chegasse alguém por quem imediatamente sentiriam ódio e também sentiriam repulsa, mas diante da história de Quim, estava difícil definir ou escolher qual o sentimento que teriam por ele.

Lucas ajudou Otávio a se despir e depois fez o mesmo. O tempo estava frio e chuvoso e, por isso, deitaram-se agarradinhos trocando calor e  aconchego...carinho e juras de amor...

_Eu assisti vários vídeos sobre cuidados paliativos. É um trabalho muito lindo, amor._disse Lucas sentindo-se protegido pelos braços fortes que envolviam o seu corpo.

_Quando eu li o livro da doutora Ana Cláudia pela primeira vez, já fiquei assustado por ver que tinha alguém que  assumia estar cuidando de pessoas que morrem. Eu era justamente o contrário e tinha o privilégio de cuidar apenas de pessoas que certamente iriam viver.

O médico  suspirou afastando aquelas memórias de um Otávio do qual ele não sentia a menor saudade.

_Dona Zilda, provavelmente, já tinha em mente que Quim chegaria até nós exatamente neste momento, daí me conduzir por este caminho. Cuidar de pessoas no fim da vida é algo ao mesmo tempo deprimente e maravilhoso, porque a gente vai aprendendo que alguém tem que pegar este grupo e cuidar dele, não jogá-lo num canto, desistir da luta e simplesmente chamar o próximo paciente. Meus colegas, quando ficaram sabendo da minha decisão de deixar o hospital para trabalhar com cuidados paliativos,  vieram me dizer que eu estava louco! Por que  iria cuidar de quem já não tinha mais esperanças? Eu disse a eles que enquanto houver vida, há o que se fazer pelo ser humano! Sempre há alguma coisa a se fazer!

A ÚLTIMA CHANCE-Armando Scoth Lee-Romance Espírita GayOnde histórias criam vida. Descubra agora