Ainda no ônibus, Maria Clara contou mais de si. Disse morar num bairro chamado Bocaina e residia ali com a mãe, assim como com a irmã Maria Lúcia. O pai, já falecido, trabalhou na estrada de ferro Santos-Jundiaí.
Com a noite já posta no horizonte, o balançar do ônibus que se encheu rápido e a demora para chegar ao centro, eu geralmente já estaria caindo pelas tabelas. Todavia, o resumo da história de Clara me manteve estranhamente preso a ela.
Atento aos detalhes, fiquei vislumbrando aquela garota de 20 anos, que tinha muita vivacidade. Até então não sabia, mas Maria Clara gostava de falar. No restaurante ela não era dada a tanto diálogo, mas sentada ao meu lado naquele banco do ônibus, a jovem estava à vontade.
— Estou aqui falando tanto... Você já deve estar cansado de me ouvir.
— Claro que não Clara.
— Olha! Até rimou, hein?
Ri da brincadeira dela, que me acompanhou na breve animação. Então, eis que...
— Agora me conta de você... Está aí calado, apenas me ouvindo. Chegou sua vez.
Nesse momento olhei em direção à janela e no vidro vi refletido o que passei desde o final de novembro, como se tudo se resumisse a isso em meus 19 anos. O que dizer-lhe sem tocar em minha dor? Tentei...
— Bem, terminei o segundo grau e parei de estudar porque estava tentando uma faculdade. Lá embaixo é complicado o ensino. As universidades são geralmente pagas.
— O que fez então?
— Não fiz nada, apenas ajudei meu pai na cantina dele.
— Olha! Que legal!
— É...
— Não é legal trabalhar com os pais né?
Clara captou meu sentimento.
— É bom, mas depende da família. Minha mãe é um doce...
O sorriso da garota e seus olhos a me escrutinar formulavam uma pergunta mais íntima. Com satisfação, resumi a descrição de Eliza e Clara não titubeou.
— Terá o filho, o mesmo sabor da mãe?
Minha temperatura subiu com a cartada dada por Clara, que manteve seu sorriso diante de meu semblante encabulado.
— Não sabe responder?
— Sei sim. É que nunca me fizeram essa pergunta.
— Então?
— Um pouco, talvez...
— Sabe, eu gosto de doce...
Maria Clara desfez o sorriso e mirou-me. Seus olhos verdes ficaram ainda maiores quando me inquiriam a opinião. Eu me vi novamente naquela fronteira onde a cancela abriu-se para uma nova vida. Foram longos segundos questionando-me se cruzava a divisa ou continuava a olhar para trás.
Fiquei tentado a beijá-la e sabia que ela não recusaria, mas eis que num banco próximo, uma mãe iniciou os movimentos para acalmar seu bebê, que iniciara o choro. Como um gatilho, aquilo me fez olhar para trás...
— Que bom! Clara.
Percebi uma leve decepção em seu rosto e quando mirei a janela, novamente sentindo-me culpado por abrir uma porta fechada, notei que a "Cata Preta" ficara para trás.
— Caramba! Perdi o ponto...
Rapidamente Clara olhou pelo vidro e notou que já estávamos distantes do centro.
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Desert Rose
Teen FictionGuilherme tem uma relação complicada com o pai e seu pensamento mais profundo é largar tudo e partir... Contudo, sua vida dará uma guinada enorme ao se deparar com os belos olhos azuis de Diana, alguém que ele acredita ser "inalcançável". Ela, uma g...