Capítulo 27 - Maria Clara

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Ainda no ônibus, Maria Clara contou mais de si. Disse morar num bairro chamado Bocaina e residia ali com a mãe, assim como com a irmã Maria Lúcia. O pai, já falecido, trabalhou na estrada de ferro Santos-Jundiaí.

Com a noite já posta no horizonte, o balançar do ônibus que se encheu rápido e a demora para chegar ao centro, eu geralmente já estaria caindo pelas tabelas. Todavia, o resumo da história de Clara me manteve estranhamente preso a ela.

Atento aos detalhes, fiquei vislumbrando aquela garota de 20 anos, que tinha muita vivacidade. Até então não sabia, mas Maria Clara gostava de falar. No restaurante ela não era dada a tanto diálogo, mas sentada ao meu lado naquele banco do ônibus, a jovem estava à vontade.

— Estou aqui falando tanto... Você já deve estar cansado de me ouvir.

— Claro que não Clara.

— Olha! Até rimou, hein?

Ri da brincadeira dela, que me acompanhou na breve animação. Então, eis que...

— Agora me conta de você... Está aí calado, apenas me ouvindo. Chegou sua vez.

Nesse momento olhei em direção à janela e no vidro vi refletido o que passei desde o final de novembro, como se tudo se resumisse a isso em meus 19 anos. O que dizer-lhe sem tocar em minha dor? Tentei...

— Bem, terminei o segundo grau e parei de estudar porque estava tentando uma faculdade. Lá embaixo é complicado o ensino. As universidades são geralmente pagas.

— O que fez então?

— Não fiz nada, apenas ajudei meu pai na cantina dele.

— Olha! Que legal!

— É...

— Não é legal trabalhar com os pais né?

Clara captou meu sentimento.

— É bom, mas depende da família. Minha mãe é um doce...

O sorriso da garota e seus olhos a me escrutinar formulavam uma pergunta mais íntima. Com satisfação, resumi a descrição de Eliza e Clara não titubeou.

— Terá o filho, o mesmo sabor da mãe?

Minha temperatura subiu com a cartada dada por Clara, que manteve seu sorriso diante de meu semblante encabulado.

— Não sabe responder?

— Sei sim. É que nunca me fizeram essa pergunta.

— Então?

— Um pouco, talvez...

— Sabe, eu gosto de doce...

Maria Clara desfez o sorriso e mirou-me. Seus olhos verdes ficaram ainda maiores quando me inquiriam a opinião. Eu me vi novamente naquela fronteira onde a cancela abriu-se para uma nova vida. Foram longos segundos questionando-me se cruzava a divisa ou continuava a olhar para trás.

Fiquei tentado a beijá-la e sabia que ela não recusaria, mas eis que num banco próximo, uma mãe iniciou os movimentos para acalmar seu bebê, que iniciara o choro. Como um gatilho, aquilo me fez olhar para trás...

— Que bom! Clara.

Percebi uma leve decepção em seu rosto e quando mirei a janela, novamente sentindo-me culpado por abrir uma porta fechada, notei que a "Cata Preta" ficara para trás.

— Caramba! Perdi o ponto...

Rapidamente Clara olhou pelo vidro e notou que já estávamos distantes do centro.

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