Capítulo 50

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- Sam? – Repeti.

Meu melhor amigo continuou rosnando para mim, com os dentes a mostra. Saliva pingava da sua boca, molhando seu pelo preto, e seus olhos verdes brilhavam cheios de fúria para mim. Fiz menção de sair do carro, mas o som gutural que saiu da garganta do lobo me impediu.

- Sam, eu não consigo entender o que está acontecendo com você desse jeito. – Falei com a maior calma que consegui reunir naquele momento.

O Uley não mexeu um músculo. Suspirei e vi que minhas mãos tremiam. Não que eu tivesse medo dele – mesmo que fosse sua vontade me machucar, eu daria conta do recado. O meu pavor era saber que aquela cólera toda era direcionada a mim: ele parecia realmente me odiar e eu só conseguia pensar em uma coisa que o faria agir dessa forma.

- Samuel, por favor. Eu preciso que você me diga o que é.

Fitei seus olhos esperando que ele tomasse uma decisão. Depois do que pareceu um século para mim, ele se afastou lentamente para a floresta a margem da rodovia. Aproveitei para sair do carro e encostei no capô, cruzando os braços e fitando meus tênis vermelhos. Eu sabia que esse momento chegaria e sabia que deveria ter passado os últimos meses pensando no que iria dizer, mas a verdade é que eu ignorava tudo aquilo na esperança de que os dois mundos dos quais eu participava nunca se colidissem. Eu não tinha desculpas ou frases prontas cuidadosamente elaboradas para explicar aquilo para Sam. Engoli em seco, temendo o que estava por vir.

- Me diz que é mentira.

Levantei a cabeça e encarei o Uley. Seu corpo tremia em espasmos tão grandes que quem o visse agora acharia que ele estava tendo uma convulsão. Eu podia ver todas as veias que serpenteavam seu braço e pescoço e seus lábios estavam brancos de tanto que ele os apertava. Ele parecia incrivelmente maior, com as mãos fechadas em punho e as narinas dilatadas. Fúria, era o que todos os seus poros gritavam para mim.

- O que?

Minha voz saiu fraca e falhada, mentirosa até mesmo para mim. E ele me conhecia o suficiente para perceber isso também.

- Todo esse tempo... – Sam sussurrou e travou, sem conseguir continuar. Eu via que ele usava toda sua concentração para não se transformar.

- Não, não, Sam... – Ergui minha mão e dei um passo em sua direção, mas ele foi mais rápido, se afastando.

- Não toca em mim. – Disse entre dentes.

Meus olhos se encheram de lágrimas e, mais uma vez, eu tentei engolir o bolo que crescia em minha garganta.

- Eu não pude acreditar... Quando Billy ouviu do Chefe Swan... Nenhum de nós pôde.

Ah, ah. Então tinha sido assim que o segredo vazara. Claro. Charlie Swan e Billy Black eram amigos. Não seria estranho que o assunto surgisse, especialmente em uma cidade tão pequena.

- Não é o que você está pensando, Sam, eu...

- E QUE PORRA EU ESTOU PENSANDO? – Ele explodiu e eu não pude entender de onde ele tirou forças para não se transformar. Em um momento menos trágico eu admiraria seu autocontrole.

As lágrimas desceram antes que eu as palavras saíssem da minha boca.

- Eu não o conhecia... Não pude evitar..., mas eu nunca... Eu não contei... – Um soluço estrangulado saiu da minha boca – Eu o amo, Sam.

O chute que ele deu em seguida no carro arrancou a roda do eixo. Tremi com o estrondo, perdendo totalmente o controle das minhas lágrimas.

- EU AMEI VOCÊ! – Sam apontou o dedo na minha cara – EU AMEI VOCÊ COMO MINHA MELHOR AMIGA E, DEUS, COMO EU QUIS TE AMAR MAIS! E TODO ESSE TEMPO, TODO ESSE MALTIDO TEMPO, VOCÊ ESTAVA FODENDO COM A PORRA DE UM SANGUESSUGA!

- Eu te amo também! – Eu queria gritar, mas meus soluços estrangulavam minha voz.

- O CARALHO QUE AMA! – O chute seguinte afundou o para-choque.

- Amo! Amo você! E amo ele! Você tem que enten...

- NÃO TENHO NADA! – Sam empurrou o carro com força – NÃO TENHO PORRA NENHUMA! – Ele continuou chutando e socando a lataria – EU CONFIEI EM VOCÊ! TUDO! EU TE CONTEI TUDO E VOCÊ ESTAVA RINDO DE MIM COM ELE!

- Não, não! Eu jamais...

- VOCÊ NÃO PASSA DE UMA VADIA AMANTE DE SANGUESSUGA! E EU TE AMEI! EU QUIS... – Suas mãos em punho persistiam em amassar o carro - Eu quis você... Eu quase... – Sua voz saiu abafada e eu percebi que ele também chorava.

Desesperadamente tentei segurar seus braços, tentar fazê-lo olhar para mim. Ele se desvencilhou e eu caí no chão e por um breve momento vi algo além do ódio em seus olhos, um lampejo de preocupação. Então sua face se contraiu novamente.

- Você nunca mais vai pisar aqui de novo. – Falou baixo, a voz contorcida de ódio. – Se é a vadia deles, o tratado também vale para você.

- Sam... – Implorei.

- E toda sua pesquisa... Se é que existe uma... – Disse com ironia – Todo material que você recolheu, quero que devolva. Tudo.

- Você não vai nem... – Pedi, ainda sentada no asfalto.

- NÃO! – Ele respirou fundo, recuperando o autocontrole – Deixe tudo na casa dos Swan. Vou passar para pegar lá amanhã.

Então ele me deu as costas e explodiu como lobo antes de correr para dentro da floresta.

Me permiti chorar no meio da estrada até que meus soluços diminuíssem e eu estivesse tão molhada pela chuva quanto estava por causa das minhas lágrimas. Olhei para o meu carro jogado um pouco mais atrás. Ele estava destruído, mas eu não me importava. Me levantei e encarei mais uma vez o ponto que Sam tinha sumido dentro da mata e senti meu coração rasgar dentro do meu peito. Eu podia ir lá, obrigá-lo a me ouvir, a me entender. Mas não achava que isso fosse possível. Também não queria brigar com toda matilha ou causar um maior mal-estar na reserva. Talvez se eu colaborasse, quem sabe um dia ele pudesse me perdoar. Todos eles, na verdade. Paul e Jared deviam estar se contorcendo de ódio de mim também. E eu não podia culpar ninguém além de mim mesma. Eu poderia ter dito antes, mas duvidava que a forma como Sam descobrisse alterasse alguma coisa. Eu só queria ter mais tempo. Queria que essa rivalidade idiota fosse deixada de lado.

Eu voltei todo caminho para minha casa a pé. Das quase duas horas de caminhada, o que mais doeu foi dar as costas para La Push. Tive tempo o suficiente para repensar todas as possibilidades, tudo que podia ser diferente e tudo que eu podia fazer para melhorar a situação. Por isso, quando entrei em casa e me encarei no espelho do quarto, fiquei surpresa por ainda estar chorando. Tentei limpar a água que escorria das minhas bochechas, mas foi em vão. Acho que estava fazendo aquilo a tanto tempo – chorar – que eu nem percebia mais. Eu puxava o ar com força, mas meus pulmões não reclamavam. Eu sabia que estava soluçando, mas não conseguia ouvir nada.

Tirei a roupa molhada e gelada no quarto, deixado a jogada pelo chão, e entrei no chuveiro. A água quente relaxou meus músculos e eu me sentei no chão. Fiquei assim até que as pontas dos meus dedos se enrugassem, então me levantei e tomei um banho adequado. Uma hora depois eu estava de roupa trocada e com o cabelo penteado, ainda molhado do banho, solto nas minhas costas enquanto eu caminhava até a casa dos Cullen.

Eternidade - Carlisle CullenOnde histórias criam vida. Descubra agora