DEI UMA VOLTA COMPLETA DIANTE do espelho, mostrando, também, à Ymira o traje que tinha escolhido para o banquete daquela noite. O vestido era de musselina branca com um decote baixo e tinha os ombros e a cintura inteiramente trabalhados em pérolas cintilantes num bordado dourado intricado, de modo a deixar exposta a pele do meu colo e do meu ventre.
Não era o vestido mais elegante ou ousado que eu já usara, mas passaria a mensagem que eu gostaria que fosse passada naquela noite. As servas tinham trabalhado no meu cabelo nas últimas horas, trançando-o ao redor da minha cabeça como uma coroa.
Sentada à cama, Ymira assobiou um elogio à minha aparência.
— Você sempre se veste para impressionar os outros, não é?
Conferi se nenhum fio de cabelo estava fora do lugar e me afastei do espelho, satisfeita.
— Aprendi desde cedo que a boa aparência pode ser usada como uma arma — defendi-me. — Minha mãe me ensinou isso. Desde criança eu vi as pessoas se dobrarem à vontade de ieha'nai apenas porque estavam deslumbradas demais com a sua beleza. Quando percebiam a inteligência maliciosa que havia por trás daquele rosto já era tarde demais. Estavam completamente enredadas por ela.
— Que mulher terrível — Ymira suspirou.
— Ela fez o que teve de ser feito, para que sobrevivesse ao mundo dos homens.
Ymira puxou uma faca do cinto que usava e começou a arremessá-la para cima. Uma lâmina esguia e simples, mas sem dúvida muito afiada. Mostrou-me um sorriso malicioso enquanto o fazia.
— Eu prefiro as minhas facas. Elas me mantiveram a salvo até hoje. Nunca falharam. São as minhas melhores amigas em todo o mundo — troçou, parando de arremessar a faca por um momento a fim de beijar a lâmina esguia.
— Você é estranha — provoquei-a.
— Olha só quem está chamando os outros de estranha — retrucou-me com um olhar azedo.
Ri de seu azedume enquanto me aproximava da cama para sentar-me ao seu lado.
— Você sabia sobre Gheylla e a irmã mais nova do capitão Rhudan?
Ymira bufou, jogando-se de costas contra o colchão.
— Por favor! Era óbvio para qualquer um no palácio o que estava acontecendo entre aquelas duas. Gheylla te contou mesmo a respeito de Rhada? — As sobrancelhas ruivas de Ymira ergueram-se, franzindo a testa pálida. — Vocês duas andam de segredinhos e confissões uma com a outra ultimamente.
Dei de ombros.
— Gheylla me contou porque eu decidi perguntar. Ela me disse no outro dia que tinha decepcionado alguém que amava, alguém com quem se importava. E que tornar-se rainha tinha feito dela uma pessoa solitária.
— Eu te alertei sobre isso — Ymira dobrou os braços sob a cabeça, fazendo-os de travesseiro. — Gheylla está sozinha neste maldito palácio. É o preço que ela pagou para ser coroada rainha de Éberus. Mas ela não desistiria da coroa, se você quer saber a minha opinião. O seu senso de dever para com o reino supera qualquer desejo egoísta que ela possa sentir. Além do mais — Ymira deu de ombros —, a minha irmã gosta de ser rainha. Gosta do poder e do prestígio que a coroa concede a ela. Não que eu a culpe por isso — acrescentou.
Envolvi os braços ao redor de mim mesma, refletindo sobre as palavras de Ymira, sobre o modo como ela via a própria irmã. Eu também não poderia culpá-la: o poder era mesmo irresistível. O poder tinha um apelo, uma capacidade de nos seduzir.
Eu provei dele nas arenas de Théocras quando as deixei como a sua campeã, quando fui aclamada e ovacionada por uma plateia ensandecida com o que eu era capaz de fazer. Mesmo que a minha vitória contra Dashaira não passasse de uma mentira.
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Nysa - A Mensageira de Torandhur
FantasySequência de Nysa - A Campeã de Asther SPOILERS DO PRIMEIRO LIVRO Nysa sobreviveu às sangrentas arenas da cidade de Théocras e triunfou como a sua campeã. Graças a isso, atingiu o objetivo pelo qual lutou durante anos e conseguiu libertar a sua mãe...