Capítulo Trinta: O Adeus à Cidade dos Milagres

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ÀS VÉSPERAS DE MINHA FUGA de Torandhur, eu aproveitei uma oportunidade para me esgueirar para o quarto de Mahira em busca de mais pistas do que ela planejava. Por mais que estivesse claro para mim que ela buscava destruir o reino de Asther, faltava uma peça: quem era o exército invasor que ela comandava, o exército que vestia armaduras vermelhas como sangue que eu vira nas visões.

Era pouco provável que se tratasse do exército torandhuriano, uma vez que este tinha o costume de pintar suas placas de peito, elmos e grevas de prata, polindo-as até que parecessem a superfície de um espelho. O hábito construíra a reputação do exército de Torandhur. Além disso, os penachos dos elmos e capas usados eram lilases, a cor da família real.

Parecia-me pouco provável que Mahira estivesse disposta a mudar tradições tão antigas agora, não com a iminência de uma guerra sobre todos nós, então não fazia sentido. Exceto que o exército das minhas visões tampouco se comportava como os soldados de Torandhur. Eu vira parte das formações, o modo como se moviam. Depois de anos assistindo aos exercícios militares durante o treinamento de novos soldados no palácio, eu estava quase convicta de que aquele exército não era torandhuriano.

Então, cedo pela manhã, enquanto Mahira se reunia com os principais generais do reino, certamente para traçar uma estratégia de invasão a Asther, eu me esgueirei pelos corredores até o seu quarto, evitando os servos que limpavam aquela ala do palácio; Ymira teria orgulho dos meus movimentos furtivos.

Fechei a porta do quarto depois de passar, andando devagar pelo cômodo amplo. Evitei a grande cama de dossel e o baú aos seus pés, e segui sem desvios para a sua mesa de trabalho. Memorizei rapidamente a posição de cada objeto antes de começar a mexer nos papéis, pois teria de recolocar tudo no lugar outra vez. Mahira era desconfiada demais.

Passei as mãos pelos papéis, lendo as primeiras linhas de alguns documentos, um ou outro inventário de suprimentos do palácio. Vi um pedido de compra de aço de Éberus para abastecer um novo destacamento de soldados esperando para ser aprovado por Mahira. Havia uma carta do rei da Laethonia, agradecendo pelo acordo comercial firmado entre os dois reinos. Outra carta da rainha Gheylla discutia a possibilidade de Torandhur começar a vender grãos de cevada para Éberus.

Embaixo de todas essas cartas, encontrei uma que saltou aos meus olhos: estava endereçada à Mahira e havia sido escrita por um homem chamado capitão Ruthric. Provinha do reino de Ibarhis e continha um selo vermelho cujo símbolo chamou a minha atenção. O símbolo consistia em duas lanças cruzadas na diagonal com uma serpente enrolada no cabo de cada arma.

Li as primeiras linhas formais, correndo os olhos pelo papel grosso. O capitão Ruthric cumprimentava Mahira, parabenizava-a tardiamente pela ascensão ao trono de Torandhur e comentava acerca dos boatos sobre a sua beleza. Tantos elogios pomposos... Revirei os olhos e continuei a leitura até que encontrei a palavra ouro em uma sentença.

O capitão Ruthric relatava que o ouro havia chegado em segurança à costa de Ibarhis e que estava muito satisfeito com a qualidade do que fora enviado, cerca de duzentas grandes peças de ouro puro mais algumas dezenas de pedras lapidadas ou em seu estado bruto. Em seguida, ele dizia estar ansioso para vir à Torandhur para conhecer pessoalmente a sua rainha.

Mahira tinha enviado um carregamento de ouro àquele homem? Lambi os lábios secos, imaginando por que ela faria isso e onde teria encontrado tanto ouro. Lembrava-me bem das suas queixas a respeito das minas de ouro de Torandhur terem sido esgotadas muito antes da conquista astheriana.

O capitão Ruthric narrava o mau tempo recente nos reinos do sul; uma sucessão de tempestades havia prejudicado parte do porto de Ibarhis, o que significava atrasos na sua chegada. Mas ele destacava que boa parte do exército estaria pronta para marchar assim que obtivessem autorização do rei de Xzadhor para atravessar seu território.

Nysa - A Mensageira de TorandhurOnde histórias criam vida. Descubra agora