Capítulo Quatorze: Laços de Sangue

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QUEM ME ENCONTROU FOI Samier, horas depois, com a noite já alta e uma lua brilhante refletida na superfície do lago no pequeno jardim. Presumi que seria ele a me encontrar, Samier sabia que aquele sempre seria o meu refúgio e isso não tinha mudado mesmo depois de tantos anos. E embora tivesse ouvido seus passos se aproximarem, amassando a grama sob as suas botas, não me mexi.

— Sabia que você estaria aqui — ele murmurou quando se sentou ao meu lado.

Algumas mariposas voavam de uma ponta a outra do jardim, agitando suas asas pequenas com um zumbido suave e constante. Olhei-o de viés, perfilado pela luz pálida da lua que recaía sobre o jardim através da abertura no teto. Samier se apoiou nos cotovelos, jogando o corpo para trás e não disse mais palavra alguma. Suspirei, não tinha sentido adiar aquela conversa.

— Ethien te disse que fui confrontar Mahira? — conjecturei.

Ele não se deu ao trabalho de negar.

— Imaginei que pudessem ter discutido quando você sumiu. E sabia que te encontraria aqui. Você sempre vinha aqui quando queria ficar sozinha e especialmente quando queria se lamentar por ela.

— Pelo visto você ainda me conhece bem — murmurei apática.

Apoiei-me nos meus cotovelos também, por pouco não deitando na grama macia. Samier tombou o rosto bronzeado para mim, os cachos louros do seu cabelo caindo sobre a testa. E fitou-me com os seus profundos olhos verde-musgo.

— Ou pode ser que você não tenha mudado tanto quanto pensa — corrigiu-me.

O sorriso que abri para ele custou tudo de mim, tudo o que me restava e que me impedia de desmoronar. Deitei-me de vez na grama, cruzando as minhas mãos sobre a barriga, e Samier me acompanhou.

— Não, eu definitivamente não mudei nem um pouco — concordei, mantendo o olhar preso às estrelas brilhantes.

— O que ela te disse dessa vez, Nysa?

Balancei a cabeça, cansada. Eu detestava como me sentia fraca e exposta para as palavras ferinas de Mahira mesmo depois de tantos anos. Por que eu ainda permitia que ela me ferisse? Por que continuava a dar a ela esse poder sobre mim?

— O de sempre — disse a ele, lacônica. — Você a conhece, sabe como ela jamais mede as suas palavras e nem o quanto proferi-las pode machucar alguém. Ninguém é melhor do que Mahira para fazer com que eu me sinta infeliz e miserável.

Samier continuou a me sondar com o seu olhar terno, eu o sentia perscrutando o meu rosto na semiescuridão do jardim. O silêncio se aconchegou entre nós dois, tornando-se uma terceira presença indesejável e incômoda. Tinha tanto que eu queria dizer a ele, tanto que eu queria compartilhar. Mas não podia porque mesmo entre nós havia segredos demais, conspirações demais.

— Sabe que pode contar comigo para o que precisar, Nysa — ele murmurou de repente, quebrando a cadência daquele silêncio distendido e amargo.

Olhei-o, virando meu rosto na grama, e o seu semblante estava grave, seus olhos, vívidos.

— Isso é uma promessa.

Voltei a sorrir, e daquela vez o sorriso me veio com mais naturalidade.

— Obrigada.

Samier refletiu meu sorriso tímido com outro, maior e mais caloroso. Levantou-se num impulso e, apanhando minhas mãos, levou-me com ele, arrastando-me para longe daquele jardim e para longe das minhas lembranças tristes.

— Onde está me levando? — interpelei-o, mas ele apenas apressou o passo.

— Você verá — prometeu-me com uma alegria contagiante que fazia com que eu mesma me sentisse mais leve. Como se fôssemos duas crianças outra vez, aprontando todo tipo de travessuras com os servos no palácio.

Nysa - A Mensageira de TorandhurOnde histórias criam vida. Descubra agora