Capítulo Seis: Amores Perdidos, Sonhos Despedaçados

247 42 32
                                    


TÍNHAMOS CAVALGADO POR TODA a noite e mais uma porção da manhã antes que permitíssemos que nossas montarias descansassem pelo restante do dia. Também tínhamos atravessado a fronteira entre os dois reinos há algumas horas e estávamos oficialmente no território que pertencia à nação de Torandhur. Eu tinha esperado, em vão, sentir alguma coisa quando cruzamos a linha divisória, alguma palpitação, algum tipo de júbilo por estar de volta à minha terra natal, mas não houve nada. Apenas o vazio. Isso ainda me perturbava.

Estávamos às margens do rio Kamhas, cuja foz estava localizada nas montanhas Ghaloris, ao norte, atravessando boa parte do território de Torandhur e desembocando no mar de Eghau bem mais ao sul. Vento Prateado pastava perto de uma das margens, quase agradecida pela relva farta e verde, assim como Solar e Mancha, as montarias de Zyora e de Mahira.

O sol estava forte e o céu era um de tom de azul deslumbrante. Eu estava sentada numa pedra à margem do rio Kamhas e bebia água fresca do meu odre de tempo em tempo, mastigando algumas amoras doces que tínhamos colhido ali por perto. Tinha trocado de roupa e feito alguns improvisos mais cedo devido ao meu sangue ter descido. A dor quase não me incomodava mais pelo menos.

Zyora tinha ido caçar mais cedo no bosque e voltara com duas lebres, cuja carne ela cozinhava junto a um ensopado numa pequena panela pendurada sobre as chamas da nossa fogueira. Mahira e eu tínhamos colhido algumas frutas, inclusive as amoras, e encontrado algumas ervas para temperar a carne das lebres também, além de algumas leguminosas que Zyora havia dito serem comestíveis e que tinha acrescentado ao ensopado para encorpá-lo.

Mais tarde, eu pediria a ela que me ensinasse um pouco sobre o seu conhecimento a respeito de plantas e ervas, não queria depender tanto dela, especialmente quando já tínhamos chegado a Torandhur e eu não tinha ideia de até onde poderia pedir que fosse conosco. Por isso, sentia que precisava estar preparada para sustentar a mim e à Mahira pelo restante da jornada até a capital, caso Zyora decidisse que deveria voltar.

Perdida em pensamentos, não percebi quando Zyora se aproximou e ocupou o espaço ao meu lado na pedra. Seu ensopado de lebre estava começando a cheirar muito bem e meu estômago resmungou em protesto. O cheiro de comida era muito bem-vindo, uma vez que as frutas que comi não tinham saciado minha fome por muito tempo.

Zyora, sem me dizer nada, virou-se para mim e estendeu-me a sua mão com a palma virada para cima:

— Aqui, mastigue isso. Aliviará a sua dor.

Baixei meus olhos até a palma da sua mão onde algumas folhas verdes e colhidas há pouco, ao que tudo indicava, jaziam. Ergui os olhos até seu rosto outra vez, surpresa com a sua habilidade de observação e percepção.

— Como sabia?

— Sou uma excelente observadora, esqueceu? Você esteve desconfortável o dia todo. Além disso, trocou de roupa e lavou as calças que usava mais cedo no rio. Imaginei que pudesse se tratar de um imprevisto puramente feminino.

Olhei para as folhas pequenas e verdes na palma da sua mão e, sem hesitar, as peguei, seguindo suas instruções de apenas mastigá-las, sem engoli-las, cuspindo-as quando tivessem perdido completamente o sabor. Não eram tão amargas quanto achei que seriam.

— Obrigada — agradeci-a.

Zyora anuiu e se virou para frente, para fitar a paisagem adiante: o verde dos outeiros, o marrom e o cinza das montanhas ao fundo, o azul do céu e o azul das águas límpidas do rio Kamhas cintilando sob o sol dourado.

— Quer conversar sobre isso? — perguntou-me depois de um momento em silêncio.

Eu suspirei, exausta.

Nysa - A Mensageira de TorandhurOnde histórias criam vida. Descubra agora