Capítulo Trinco e Cinco: Em Rota de Colisão

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CINCO DIAS SE PASSARAM sem que eu tivesse o menor vislumbre de Sarghan no palácio. Foi só então que eu permiti começar a sentir impaciência. O tempo estava contra mim. Se não encontrasse uma forma de cruzar o caminho de Sarghan e avisá-lo a respeito dos planos de Mahira — e logo — todo o reino de Asther poderia perecer. Eu nunca me perdoaria se isso acontecesse.

O rei estava sempre ocupado tendo audiências com nobres e plebeus na sala do trono. Em reuniões com os membros do seu conselho. Ou discutindo assuntos do reino com qualquer outra pessoa em qualquer outro lugar do palácio. Aquilo também significava que ele estava sempre fora do meu alcance. Muito embora eu ouvisse sussurros a respeito dele em todos os corredores pelos quais passasse.

Os servos comentavam bastante a respeito do rei justo e bondoso que ele era — o completo oposto do pai e do avô —, e o faziam com tamanha admiração e devoção que eu não conseguia impedir o meu coração de sentir orgulho e amor.

Para completar, Syllane ainda não confiava o bastante em mim para me deixar servi-lo, optando por enviar as copeiras mais experientes para servir todas as refeições do rei. Eu continuei a servir damas de companhia e alguns membros de menor escalão do conselho mesmo que tivesse me esforçado para não cometer deslizes e impressioná-la.

Ninguém prestava muita atenção em mim com exceção das outras servas — algumas me detestavam e não faziam questão de esconder isso —, então o meu disfarce continuava intacto. Mas tudo aquilo não significaria nada se eu não conseguisse avisar Sarghan da guerra que Mahira planejava começar.

Naquele ínterim, fiz amizade com outra jovem serva chamada Penalyp, que também era excluída pelas outras servas do palácio. Ela era gentil e extrovertida, e me acolheu mesmo com o meu comportamento recluso e misterioso.

Quando cheguei para trabalhar naquele dia fui direto para o recinto onde deveria me trocar — como fazia de costume — e encontrei Penalyp lá, já se trocando. Despi a camisa e as calças, e descalcei as botas. Coloquei o vestido com pressa, prendendo todos os laços e fechos com cuidado. Syllane prezava pela aparência de todas as servas e fazia críticas severas àquelas que se apresentavam desmazeladas na cozinha.

— Oh, bom dia, Aylla! — Penalyp cumprimentou-me assim que se virou e me encontrou ali.

— Bom dia — respondi.

Penalyp era baixa e magra com cabelos castanho-arruivados e um bonito par de olhos azuis. Usava o mesmo vestido cor-de-rosa e sem adornos de todas as servas, mas o tom favorecia a sua pele clara. Era bonita e sorria com facilidade. Ela havia me contado noutro dia que andara flertando com um dos guardas. Lembrei-a de que mantivesse o romance longe das vistas de Syllane, e ela rira.

— Chegou atrasada hoje — ela observou enquanto saíamos para o corredor, indo em direção às cozinhas.

A observação era verdadeira. Nos últimos dias tinha tomado cuidado para chegar no horário exato, mas naquela manhã repassei os caminhos que conhecia do palácio, desenhando-os no mapa improvisado que eu guardava debaixo do meu colchão na estalagem. Naquela noite, eu me decidi, agiria. Encontraria uma maneira de despistar Syllane e então me infiltraria nas alas proibidas do palácio: os aposentos reais.

Além do mais, precisei fazer mais tinta para retocar o meu cabelo na noite anterior — cobrindo todos os fios de prata que já apareciam em meio ao preto — e, por conseguinte, tinha dormido pouco.

— Não dormi muito bem — respondi e Penalyp sorriu com simpatia.

— Então é melhor não demonstrar isso. Syllane é bem capaz de te esfolar viva se cometer algum deslize por conta do cansaço. — Seu rosto iluminou-se. — Mas não se preocupe! Se precisar de cobertura pode contar comigo!

Nysa - A Mensageira de TorandhurOnde histórias criam vida. Descubra agora