Nysa - A Mensageira de Torandhur

Capítulo Cinquenta e Um: Pequenos Prazeres Ilícitos

PASSOU-SE UM TEMPO ANTES QUE UM de nós ousasse quebrar o silêncio. Deitados lado a lado sobre o tapete grosso, membros entrelaçados, nós havíamos nos acomodado. Meus dedos acompanhavam os contornos do seu rosto relaxado enquanto os dele deslizavam preguiçosamente pelas minhas costas nuas.

Apesar da brisa suave que vinha das janelas abertas e agitava as cortinas eu não sentia frio. O meu coração estava em paz e o meu corpo estava leve como uma pluma. Depois de todo o tormento que sofri e que a minha vida se tornou eu podia afirmar que estava assumindo as rédeas do meu destino — e do amor — outra vez.

Seus dedos passaram das minhas costas para a minha cintura, percorrendo minhas costelas. Senti arrepios sob o seu toque, mas, de repente, havia apreensão no seu rosto. Uma sombra que cobriu seus olhos e tornou-os num cinza um tom mais escuro.

— Você está mais magra. O que aconteceu de verdade na sua terra natal, Nysa? Tem a ver com a punição que você me disse que sofreu?

Assenti, devagar. Então escondi o meu rosto no seu peito, não permitindo que ele visse a tristeza no meu rosto, não depois de todo o júbilo que compartilhamos e experimentamos juntos naquela noite. Claro que ele perceberia como eu havia mudado desde que parti em direção a Torandhur. As mudanças eram visíveis principalmente no meu corpo. As semanas que passei trancada no meu quarto na Torre Etérea cobraram um preço alto e eu ainda não havia me recuperado completamente dele.

Se o treinamento exaustivo e intenso de Gorah transformara o meu corpo em uma espada pronta para ser empunhada e usada nas Arenas, o período em que passei em Astradh havia me fragilizado. Perdi praticamente todos os meus músculos e estava bem mais magra mesmo que tivesse recuperado uma parte do meu peso nas últimas semanas.

— Durante um tempo, eu... — Hesitei em contar a verdade a Sarghan mesmo que ele a merecesse de mim. Recomecei depois de levar um momento para me recompor. — Eu perdi a vontade de viver. Os meus dias se tornaram escuros e solitários. Eu fui abandonada pelas deusas por um tempo e durante esse período... Tudo no que eu conseguia pensar era em definhar e morrer. Não havia nada mais pelo qual eu pudesse lutar. Nada pelo que valesse a pena continuar respirando. Eu perdi a minha fé, que era tudo o que me mantinha viva até então. Se não fosse pela insistência de uma amiga talvez eu não tivesse conseguido me levantar. Talvez eu não estivesse mais aqui — Pensei em Éthien e em todas as vezes em que ela deixara o meu quarto, cabisbaixa e triste, por não ter conseguido me fazer comer. Eu devia a minha vida a ela, por não ter desistido de mim no meu momento mais sombrio.

Sarghan me abraçou forte, interrompendo-me. Não me importei nem um pouco. Fechei os olhos e me permiti ser envolvida pelos seus braços. Agradeci-o por entender que era um assunto difícil e doloroso para mim e por não me pressionar por mais detalhes. Falar sobre aqueles dias reabria um buraco que eu ainda carregava em mim, o vazio deixado pela ausência de Cadius me atingia como uma dor latejante. Eu já não era mais completa aos olhos das deusas.

Ele riu de repente, quebrando a tensão e deixando o clima imediatamente mais leve outra vez. Seus dedos entremearam-se nas mechas do meu cabelo. Eu sentia os grampos cutucando o meu couro cabeludo.

— Parece que eu fiz uma bagunça e tanto no seu cabelo — ele comentou com um sorriso irresistível.

Desvencilhei-me dos seus braços e me sentei. Apalpei o couro cabeludo à procura dos grampos e comecei a puxá-los um a um. Sarghan também se sentou e começou a desmanchar o que restara de uma trança, desembaraçando os nós com os dedos. Relaxei outra vez ao sentir o seu toque no meu cabelo.

Com as tranças desfeitas e todos os grampos deixando de cutucar o meu couro cabeludo eu me encostei ao seu peito e espiei a sua expressão presunçosa. Os cantos da boca curvaram-se num meio sorriso que fazia o meu coração errar uma batida.