Capítulo Vinte e Seis: Horror e Pesadelo

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DESPEDI-ME da rainha Gheylla no cais do porto de Sharantis na manhã seguinte ao banquete. Com a minha escolta e todos os meus pertences embarcados — além de Vento Prateado que teria uma baia apenas para ela —, restou-me dizer adeus a cada uma das pessoas que conheci durante a minha breve estadia em Sharantis.

O oceano rebrilhava sob o sol e albatrozes e gaivotas sobrevoavam o porto, inquietas e barulhentas enquanto eu trocava palavras de despedida com o séquito da rainha de Éberus.

Mais cedo, no meu quarto, eu tinha me despedido de Ymira, prometendo a ela que nos veríamos num futuro próximo. Rhudan, robusto e alegre, prometeu-me que treinaríamos juntos outra vez quando eu voltasse a Sharantis. Seu pai, Rafih, desejou-me uma boa viagem.

Quanto à Gheylla, ela me puxou para um abraço forte, surpreendendo-me ao quebrar todos os protocolos. Com a boca colada ao meu ouvido, sussurrou palavras que apenas eu seria capaz de ouvir:

— Escrevi uma carta para Rhada na noite passada. Decidi seguir o seu conselho, Nysa. Vou lutar pelo nosso amor. Pedirei que essa carta seja entregue por Rhudan na próxima vez que ela mandar notícias.

Devolvi o abraço, segurando-a perto de mim por mais um momento.

— Seja feliz, Majestade — disse-lhe.

— Você também, Nysa. — E afastou-se de mim.

De olhos marejados, acenei para todos uma última vez antes de me virar e seguir pelo cais até a prancha de embarque da coca chamada Espólios da Rainha que me levaria até a costa leste de Torandhur; de lá, eu seguiria a cavalo por mais ou menos duas semanas e meia para alcançar Astradh.

Subi a prancha e pisei no convés, virando-me para me debruçar na amurada na embarcação. Os marujos prontamente desatracaram a coca e soltaram as velas pintadas nos mastros. O capitão, um homem barbado e sorumbático, manobrou o barco para longe do cais, levando-nos para longe da costa em direção a mar aberto.

Assisti as silhuetas diminuir de tamanho até desaparecerem no porto caótico. Ainda assim, permaneci ali por muito tempo enquanto a costa de Sharantis desaparecia por trás das águas brilhantes do Mar de Eghau, tornando-se pouco mais do que uma linha no horizonte. Só então me afastei da amurada para me recolher à minha cabine privativa.

Ao ocaso, o cozinheiro serviu-me uma refeição farta com frutas geladas, carne de caranguejo com algum tipo de molho e vinho de damasco de sabor e aroma delicados. Como tinha dormido muito pouco na noite passada, deitei-me e encolhi-me na cama estreita, rezando para dormir e só acordar quando chegássemos à costa de Torandhur.

Fechei os olhos na semiescuridão da cabine enquanto a embarcação balançava e sacolejava sobre as ondas. Revirei-me no colchão por muito tempo antes de pegar no sono e quando consegui adormecer fui acometida por pesadelos e horrores indizíveis.

A visão de Théocras ardendo sob um fogo implacável retornou para me assombrar. Vi, mais uma vez, um rio de sangue correr pelas ruas de pedra branca, vi Zephir sobrevoar o palácio com um céu escarlate agourento ao fundo. Ouvi os gritos de homens, mulheres e crianças. Ouvi as suas preces e as suas súplicas por clemência.

A visão daquela vez foi muito mais detalhista, contudo, e eu fui capaz de ver rostos familiares em meio à fumaça dos incêndios. Gorah, Karah e mesmo Emerah fugiam por uma rua tomada pelo caos, esta última aos prantos nos braços da mãe. Meu antigo senhor e tutor levava uma espada na mão e lutava contra soldados que trajavam armaduras rubras como sangue.

Os casebres de madeira na favela queimavam mais rápido do que todo o restante da cidade, as construções precárias pretejando e desfazendo-se em pedaços enquanto escravos clamavam por piedade.

Nysa - A Mensageira de TorandhurOnde histórias criam vida. Descubra agora