Capítulo Vinte e Três: Escapada

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ACORDEI COM A SÚBITA certeza de que não estava sozinha no quarto, encarando os contornos vagos das cortinas do dossel na penumbra e tentando distinguir a silhueta do meu intruso inoportuno. Esfreguei o sono dos meus olhos e me sentei, alerta, na cama. De repente, uma voz familiar soou da escuridão:

— Pensei que nunca fosse acordar.

Suspirei, exausta.

— Ymira. O que você quer comigo no meio da noite?

Ouvi seu riso, mais do que o vi no seu rosto oculto pela semiescuridão. Ela deu a volta ao redor dos pés da cama, movendo-se com distinta familiaridade e graciosidade pelo cômodo. Então se sentou no colchão. A luz da lua incidiu sobre o seu rosto e sobre o vermelho dos seus cabelos.

— Pensei em te arrastar comigo para uma coisa divertida. Estou mortalmente entediada — afirmou, chateada.

Ergui uma sobrancelha, cética.

— E a sua primeira opção para remediar isso é invadir o meu quarto no meio da noite e me acordar? Além disso, duvido que tenhamos gostos similares no que se refere à "diversão" — caçoei, arrancando dela uma careta.

— Você tem algo melhor para fazer? — desafiou-me.

Frustrada, balancei a cabeça.

— Só me prometa que não cometeremos nenhuma loucura.

O seu sorriso era tão afiado quanto o gume das suas facas quando falou:

— Depende do que você considera loucura, princesa.

Eu me levantei, atirando a manta para o lado e me movi pelo quarto. Bastou uma palavra para que as velas acendessem todas, iluminando o cômodo. Fui até o baú aos pés da cama e o abri, procurando por peças de roupas.

— Nunca vou me cansar desse seu truque — Ymira murmurou, levantando-se da cama com um sorriso amplo por haver me convencido a acompanhá-la. Rezava às deusas para que não me arrependesse disso até o fim da noite.

— O que devo vestir? — perguntei-lhe, insegura.

— Algo discreto — respondeu-me sucintamente.

Acabei com uma túnica curta de linho bordado, calças e um par de botas confortáveis. Lancei um olhar incisivo à Ymira, que não havia se movido um único centímetro enquanto eu apertava as roupas contra o meu peito, pedindo-lhe silenciosamente que se retirasse do quarto para que eu pudesse me trocar. Ela mordeu o lábio com malícia.

— Muito bem, respeitarei a sua falsa modéstia, Alteza — proferiu a última palavra com desdém.

Bufei, e esperei que ela tivesse fechado a porta ao sair antes de me despir e vestir as roupas que escolhera. Não sabia se seria necessário esconder o meu cabelo, então acabei trançando-o. Saí do quarto e encontrei Ymira encostada à parede, com os braços cruzados sobre o peito. Ela me olhou da cabeça aos pés.

— Boa escolha. Agora, me siga.

Como se eu realmente tivesse opção, pensei comigo mesma ao segui-la pelo corredor. As janelas altas da torre filtravam a luz prateada da lua, e o palácio estava silencioso e desabitado quando saímos pela porta e atravessamos o primeiro pavilhão. Ymira era ágil e conhecia cada atalho, evitando os guardas que patrulhavam e escondendo-nos dos olhos sagazes das sentinelas que circulavam pelas torres de vigia e pelas ameias. Ela me conduziu até um edifício amplo de janelas altas e abriu a porta, permitindo que eu passasse antes de fechá-la. Seguimos em frente por mais um corredor, o carpete grosso de veludo azul abafando o som dos nossos passos, e Ymira abriu mais uma porta para que saíssemos numa vasta e muito bem abastecida biblioteca.

Nysa - A Mensageira de TorandhurOnde histórias criam vida. Descubra agora