Capítulo Vinte e Oito: Recém-Chegados

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AS SEMANAS SE PASSARAM, UMA A UMA. E quando percebi, um mês inteiro havia se completado desde aquela última noite em que subi ao quarto de Mahira e tentei, sem sucesso, convocar o fogo profano de Sóen. De certa forma, reagi, enfim, ao meu luto e à minha tristeza depois daquela noite.

Ainda passava a maior parte do tempo no meu quarto, mas, aos poucos, fui me aventurando pelos corredores do palácio; desfrutei da companhia de Ethien e de Delaila. Como não vi Samier — e ele tampouco me procurou —, limitei-me a essas duas e agradáveis companhias. Voltei a me alimentar regularmente, para o alívio de Ethien, e assim ganhei de volta uma parte do peso que tinha perdido durante o meu pesar.

A vida seguia sem Cadius. Os meus dias ainda estavam marcados pela melancolia que a sua ausência deixara em mim, mas eu senti que podia me reerguer se lutasse contra aquele sentimento que me puxava para baixo com todas as minhas forças. Quase como se estivesse nas Arenas de Théocras outra vez, penando para derrubar um oponente duas vezes mais forte do que eu mesma. Em alguns momentos, a sensação era a de tentar nadar contra a correnteza, cada esforço tão custoso e exaustivo que era inevitável me perguntar por que ainda me dava ao trabalho. Mas, então, algo — uma força desconhecida — me impulsionava a continuar dando braçadas naquele rio revolto que se tornara a minha vida, mesmo que eu titubeasse e vacilasse.

Não vi Mahira durante todo aquele tempo, mas soube por outros que ela andava mais ocupada do que nunca com os assuntos do reino, sem dúvida começando a colher os frutos da aliança com Éberus e com a sua rainha. Por falar em Gheylla, tinha recebido uma carta dela na outra semana. Suas palavras trouxeram um pouco de conforto ao meu coração: na carta, ela dizia que Rhada havia respondido a sua mensagem e que ela poderia aportar no porto de Sharantis a qualquer momento; fiquei feliz por ela e mandei-lhe uma resposta entusiasmada, dizendo que rezaria às minhas deusas pela felicidade de ambas.

Na carta, Gheylla também tentou me incentivar a escrever para Sarghan e embora eu tivesse cogitado a ideia e até mesmo ido além e começado uma ou duas cartas, as palavras nunca pareciam ser suficientes por mais que eu derramasse o meu coração na tinta e no papel. Então, acabei descartando a ideia. Sarghan merecia mais do que uma carta minha implorando pelo seu perdão. Eu poderia morrer e ainda não conseguiria pagar a dívida que tinha com ele. Ou com Gorah e sua família. Ou com Dashaira, que abriu mão do sonho de toda uma vida por minha causa.

Mahira estava certa sobre mim. Eu era covarde. Por mais que soubesse que o único modo de reparar os danos que causei em Théocras fosse retornando até lá — rastejando se preciso — e implorando pelo perdão de cada um deles, faltava-me coragem para encará-los nos olhos. O medo de ser rejeitada era esmagador e fazia com que eu me resignasse àquela meia existência desprovida de sentido e de propósito que eu vivia em Torandhur.

Parecia que nada seria capaz de mudar aquela maré de infortúnio e de tristeza que me acometia. Nenhum evento conseguiria alterar o curso da minha vida e reverter aquele fluxo de volta para os dias mais felizes que eu vivi em Théocras, pouco antes de trocar tudo o que eu tinha pelo nada que Mahira me oferecia.

Numa tarde, contudo, houve uma grande comoção nos portões do palácio. De onde eu estava, sentada à balaustrada da sacada no meu quarto, ouvi as vozes agitadas de homens pouco antes de ver soldados correndo em direção aos portões, um após o outro. Depois, vieram os servos, ainda mais agitados, e seguiram nos calcanhares dos guardas.

Só quando vi a silhueta esguia de Ethien atravessando o mesmo pátio no encalço dos outros que já haviam passado por ali é que me dei conta de que havia algo grande acontecendo. Ou prestes a acontecer. Virei-me na direção dos portões, o vento suave no meu rosto e cabelo trazendo junto dele o som de muitas vozes. Vozes que aclamavam. Vozes que cantavam em júbilo.

Nysa - A Mensageira de TorandhurOnde histórias criam vida. Descubra agora