Nysa - A Mensageira de Torandhur

Capítulo Um: Covarde

EU FUI LONGE DEMAIS. Simbolicamente. Literalmente. Percorri distâncias grandes demais, desci abismos profundos demais. Mudei durante essa jornada de formas irreversíveis, de um jeito irrecuperável, indissolúvel e substancial; tornei-me algo indefinido, algo maculado. Eu me perdi creio que fosse o termo correto, ao longo da minha caminhada sobre essa terra.

Não podia determinar o ponto exato que demarcou o início da minha derrocada, mas sabia que ele existia e isso era o suficiente. Talvez ele tenha acontecido quando eu ainda não passava de um bebê, afinal, nasci numa noite profética, escura e agourenta, e ainda fui nomeada segundo ela. Ou talvez tudo tivesse se iniciado no momento em que decidi entregar tudo o que eu era e tudo o que me pertencia à mulher que me concebeu e me deu a luz. Ou ainda quando pisei nas areias amaldiçoadas e sangrentas daquelas Arenas na cidade de Théocras pela primeira vez, disposta a tudo para reconquistar minha liberdade e a liberdade de minha mãe através da minha espada. Ou talvez nada disso importasse. Porque eu me perdi e não podia voltar atrás, não depois de todas as mentiras, não depois de todas as traições e não depois de ter causado tanta dor.

Tinha que ir em frente, e foi só o que eu fiz nas últimas semanas: segui em frente, instando meu cavalo adiante mesmo que tudo o que uma grande parte de mim quisesse fosse dar meia-volta, retornar e implorar pelo perdão de todos os que eu feri com as minhas mentiras.

Vínhamos viajando durante dias sem descanso, dormindo pouco, racionando nossa comida e nossa água desde que demos as costas aos portões de Théocras. Logo, os dias se tornaram semanas, mas eu pouco via progresso no percurso; todas as paisagens pelas quais passávamos pareciam monotonamente iguais para mim. As estradas poeirentas, a vegetação escassa, o terreno pedregoso, os rostos hostis que encontrávamos. Até que, dois dias atrás, algo mudou.

Um grande desfiladeiro se estendeu infinito à nossa frente. Parecia que depois de o encontrarmos a nossa jornada jamais teria um fim, que viajaríamos por toda a eternidade sem jamais encontrar descanso ou chegar ao nosso destino.

Alguns costumavam chamá-lo de "o grande desfiladeiro de Ehrindor". Havia uma história por trás desse nome, mas não conseguia me lembrar dela no momento. Tudo o que eu via eram rochas de calcário que se erguiam por milhares de metros e que estiveram ali por milhares de anos; solo árido, e o sol inclemente ardendo sobre as nossas cabeças, do nascer ao seu poente. A última pequena cidade que encontramos ficou para trás dos cascos poeirentos de nossas montarias três noites atrás junto ao último vestígio de civilização conhecida.

Não havia vegetação que não fossem os arbustos rasteiros e espinhentos que se agarravam às gigantescas formações rochosas e não havia animais que não fossem os pequenos roedores que espreitavam nosso acampamento à noite, atraídos pela nossa fogueira e pelos nossos suprimentos, ou os grandes chacais do deserto de pelo cor de areia e olhos amarelados que rondavam tanto os roedores quanto as sobras que deixávamos em horas ainda mais sombrias. Era menos inquietante acreditar que eles, de fato, só se interessavam pelas nossas sobras a essa altura.

O que me trazia ao presente, uma vez que Zyora tinha acabado de espantar um deles, que se aproximou demais do nosso acampamento, com uma tocha numa mão que ela balançava contra a escuridão profunda. A outra mão dela se fechou por reflexo no cabo da longa cimitarra presa à sua cintura. Eu também me levantei de supetão, embora a espada que tivesse buscado não passasse de um empréstimo no momento. Pensar no meu Tributo da Deusa, que deixei para trás em Théocras, doeu-me como ter um membro amputado.

— Já foi embora — Zyora murmurou, olhando para além da escuridão que a nossa fogueira não era capaz de dispersar, a mão tensa sobre o cabo da cimitarra relaxando para comprovar seu argumento.