Capítulo Sete: Os Portões da Salvação

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UM GRANDE E VERDE VALE nos separava de Astradh. Outeiros floridos conferiam pontos de cor ao longo de toda a relva e uma mata densa cortava a planície. Logo adiante, uma cadeia de montanhas erguia-se, sólida e imponente, sombreava a vegetação. O sol refletia a sua luz e o seu calor em tudo o que tocava: na superfície espelhada do Lago Azur mais abaixo, nas copas frondosas dos salgueiros e dos freixos, na relva macia sob os cascos das nossas montarias. Uma brisa gentil dobrava os caules das flores que floresciam em abundância por ali, soprando continuamente e carregando suas fragrâncias adocicadas para longe.

Endireitei-me na sela e ergui os olhos para as montanhas imensas coroadas por um céu azul idílico. Logo atrás delas, Astradh me esperava — nos esperava a todos. Estamos em casa, murmurei para Cadius, que concordou com um pálido entusiasmo. Às margens do Lago Azur, desmontamos e demos de beber aos animais, aproveitando a pausa para esticar as pernas um pouco.

Havia uma pequena cidade mercadora erigida na outra margem chamada Passo Manso do Ghalar, mas todos os seus habitantes estavam ocupados demais com os seus afazeres e deveres de modo que prestaram pouca ou quase nenhuma atenção a nós, três forasteiras que vinham de longe. A cidade na verdade era uma retratação pálida da capital grandiosa logo após as montanhas: guardada por trás de muros altos e um portão sólido de madeira, foi construída toda em basalto branco com torres estreitas, vielas de paralelepípedos serpenteantes e um templo dedicado às deusas com vitrais de vidro colorido.

Mahira olhava para os transeuntes com interesse quando me aproximei:

— Talvez seja pertinente para nós averiguarmos as condições da capital antes de seguirmos adiante — ela comentou num tom soturno, ajeitando o lenço puído que lhe escondia o cabelo prateado ao redor do pescoço.

— O que quer dizer?

Mahira tombou o rosto queimado pelo sol para mim.

— Estivemos longe de Astradh por mais de nove anos, Nysa. Não sabemos o que mudou nesse tempo. Asther tem sugado todas as riquezas desse reino e isso ficou bastante evidente para mim desde que atravessamos a fronteira. Não viu a pobreza e a miséria nos povoados pelos quais passamos? Estava estampado nos rostos dos camponeses que encontramos também. Tudo o que essa nação possui de valor está sendo arrancado e levado para além daqueles desfiladeiros, ajudando a financiar uma guerra brutal e ambiciosa.

Engoli em seco sem conseguir refutá-la. Mahira estava certa. Eu tinha visto os sinais ao longo do caminho, só não quis reconhecer que Torandhur pudesse ter mudado tanto em menos de dez anos que não se parecesse nem um pouco com a terra farta e abençoada pelas deusas de minhas lembranças. Era fácil associar Astradh ao esbanjamento, à fartura de alimentos e de riquezas. As deusas nunca deixaram de atender nossas preces por bênçãos e multiplicações. Como seria encarar aquela mesma cidade depois de tantas tragédias terem-na maculado?

— Estou dizendo para que averiguemos a situação econômica e política de Astradh antes de seguirmos viagem, e façamos isso agora em Passo Manso do Ghalar, que será a nossa última parada antes de chegarmos à capital. Podemos conseguir informações bastante úteis que nos beneficiarão numa taberna qualquer — ela insistiu, indicando com um gesto para a cidade na outra margem.

Zyora se aproximou, depois de ter entreouvido a nossa conversa, e passou a observar Passo Manso com o mesmo interesse que eu e Mahira. A poeira das estradas levantava-se a cada vez que uma carroça suprida com mercadorias ou um ou mais viajantes passassem a galope por nós em direção aos portões vigiados por dois soldados munidos de espada, escudo e lança, um de cada lado.

— Vocês têm certeza de que estão preparadas para descobrir as respostas para essas perguntas? — Zyora perguntou-nos e, ante o nosso silêncio amargo, suspirou.

Nysa - A Mensageira de TorandhurOnde histórias criam vida. Descubra agora