UMA SEMANA SE PASSOU antes que a rainha regente, Théosis I, concordasse em nos receber numa audiência — tanto a mim quanto a Mahira. Ieha'nai tinha atingido o limite da paciência no quarto dia desde que chegamos ao palácio real. Mahira encarava a resistência de Théosis em nos receber como um tipo de insulto muito pessoal, um ato inadmissível dada à posição de poder que ela outrora ocupou na corte.
Tive que convencê-la a aguardar, justificando a demora de Théosis com desculpas pífias como muitos compromissos ou assuntos mais urgentes que ela tivesse que resolver primeiro. Em resposta a isso, Mahira tinha me olhado com ódio, os olhos verdes ardiam como as labaredas do fogo santo que invocávamos, mas estes por sua vez tinham uma natureza inegavelmente destrutiva:
— Mais urgentes do que me receber?! — ela chiou. — A mim?! A Sumo sacerdotisa e porta-voz das deusas?!
Suspirei. Isso tinha sido na véspera da audiência e mais à noite o capitão Byriel tinha comparecido à Torre Etérea para nos comunicar que a rainha regente nos receberia logo pela manhã. Abracei-me devido ao olhar que ele e Mahira trocaram, meu instinto me dizia que ambos tramavam algo, eu só não sabia dizer o quê. Prometi que ficaria de olho em Mahira amanhã, durante a audiência, para que ela não cometesse nenhuma loucura.
E mais tarde, desabafei com Ethien no meu quarto sobre os meus temores. Estávamos ambas esparramadas sobre a minha cama com uma bandeja com frutas frescas e dois cálices de vinho adoçado com especiarias entre nós. Eu teria procurado pela sabedoria de Cadius, se não estivesse tão recluso e esquivo ultimamente, evitando-me ao máximo e só me mantendo consciente de sua presença quando eu sondava por ele. Eu não ouvia sua voz há dois dias inteiros e isso começava a me preocupar.
— Continuo com a sensação de que algo não está certo — murmurei, balançando minha cabeça para reorganizar meus pensamentos; minha mente andava embotada e tudo o que eu tinha feito nos últimos dias foi matar tempo na companhia de Samier e de Delaila.
Ethien se ajeitou na minha cama, onde estava deitada de bruços, e se colocou sentada. Estendeu uma mão para uma tigela com damascos frescos sobre a bandeja entre nós, pegou um e mordeu-o, bebendo um gole do vinho no cálice logo em seguida. Nós comíamos entre uma conversa e outra, uma vez que pulamos o jantar na cozinha de Alinah: eu devido ao meu nervosismo, e Ethien para muito gentilmente me fazer companhia. Ela ainda tocou meu ombro, olhando-me com doçura assim que voltou a depositar seu cálice sobre a bandeja.
— Nada vai acontecer amanhã, Nysa. Aquiete esse coração — pediu-me com um sorriso. — Nem mesmo Mahira seria inescrupulosa o bastante para tentar algo contra a rainha regente numa audiência oficial com toda a corte e parte da guarda real presentes.
Olhei-a com dureza enquanto também me punha sentada e mordia um damasco, lambendo o sumo dos meus dedos.
— Você não a conhece como eu conheço — afirmei. — Não sabe do que ela é verdadeiramente capaz. Eu sei, Ethien, e é isso o que me preocupa. Se Mahira desacatar a rainha regente ou insultá-la, eu temo por nós duas.
— Isso não vai acontecer, Nysa. Ficaremos as duas de olho nela se isso te tranquiliza, tudo bem? — Ethien sugeriu-me, mas sua proposta não me acalmara como deveria ter me acalmado.
Ela se foi depois de um tempo, bocejando e alegando que precisava descansar. Recomendou-me a fazer o mesmo, precisaria estar disposta amanhã. Eu segui seu conselho e tentei dormir um pouco. Teria um longo dia pela manhã. Abracei um travesseiro e fechei meus olhos com força, rezando às deusas para que os meus medos mais terríveis não se concretizassem.
Tive uma noite agitada, infelizmente, e os meus sonhos se tornaram pesadelos horrendos envolvendo as Arenas de Théocras, a morte do rei Jarghan, e o meu banimento da cidade sob ordens de Sarghan. Num dos sonhos, Zephir sobreava uma Théocras tomada pelo fogo e com rios de sangue fluindo através das ruas de pedra branca.
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Nysa - A Mensageira de Torandhur
FantasySequência de Nysa - A Campeã de Asther SPOILERS DO PRIMEIRO LIVRO Nysa sobreviveu às sangrentas arenas da cidade de Théocras e triunfou como a sua campeã. Graças a isso, atingiu o objetivo pelo qual lutou durante anos e conseguiu libertar a sua mãe...