Capítulo Quinze: Santuário Profanado

264 43 22
                                    


SAMIER E EU NOS EVITAMOS nos dias que seguiram o desastre naquela praia. Sabia que ele precisava de espaço para lidar com a minha rejeição e eu também sentia que a distância se fazia necessária, para que eu mesma conseguisse assimilar o que havia acontecido. Era melhor que fosse assim por enquanto, para nós dois. Era melhor que nos separássemos para não acabarmos magoando um ao outro ainda mais. Eu não revelei a ninguém o que aconteceu naquela noite: a sua confissão e o beijo que jamais deveria ter acontecido.

Ethien também andava distante de mim. Não sabia se o que a afastava era alguma espécie de ressentimento e eu tive receios de confrontá-la para perguntar. Talvez fosse ressentimento. Afinal, fui eu quem trouxe Mahira de volta para aquele palácio, de volta para as vidas de todas aquelas pessoas, vidas que ela passara a afetar, direta ou indiretamente, com a sua ambição e com a sua sede de poder.

Assim, restou-me a solidão. Uma vez que até mesmo Cadius continuava a optar pelo silêncio e pelo autoexílio. Eu me vi desesperadamente sozinha como há muito tempo não me sentia. E eu não tinha a menor ideia de como trazer o meu Oráculo de volta, de como pedir desculpas ou se as minhas desculpas apenas não piorariam tudo. Então, aceitava tudo aquilo, aceitava aquele isolamento como uma espécie de punição pelos meus pecados. Era o que eu merecia. Voltei a me fechar no meu quarto na torre, saindo apenas vez por outra para fazer companhia a Vento Prateado nos horários em que eu sabia que Samier não estaria nos estábulos, ou para as cozinhas para comer alguma coisa quando eu sabia que ela estaria mais vazia.

Nesse meio tempo, Mahira enviou seus servos para mover os meus pertences para um aposento mais apropriado, um aposento digno de uma princesa. Eu neguei, ordenei a todos que dessem meia-volta e que dissessem a ela que o meu lugar era ali e que ali eu permaneceria. Eles não retornaram depois disso.

Como sempre, busquei conforto na minha fé para suportar tudo aquilo. Passava o dia rezando às deusas, pelo quê eu não tinha ideia, mas auspiciava que elas ouvissem as minhas orações. Acendi incensos no altar e, prostrada, procurei pelas suas presenças. Mas os céus continuavam vazios, Mahira continuava a fazer mudanças no reino, rendendo os seus poucos adversários e seduzindo com promessas toda a corte torandhuniana, e nem Samier e nem Ethien apareceram para me ver.

Até que numa manhã, cansada do isolamento e de toda aquela solidão, eu decidi que visitaria o templo das deusas, na cidade. Vesti roupas discretas para poder me esgueirar com tranquilidade pelas ruas: um par de calças, camisa e botas; ainda enrolei um lenço branco comprido e delicadamente bordado com fios de prata ao redor do meu cabelo, era o único que eu tinha para me cobrir, mas talvez ninguém percebesse a fineza do tecido e dos bordados. Não queria ser reconhecida, tampouco causar tumulto, mas mesmo as paredes do meu quarto começavam a me sufocar àquela altura. Eu precisava me distrair, precisava preencher o meu tempo com algo útil, e tudo o que me vinha à cabeça para cumprir esse intento era a minha fé.

Saí do meu quarto e deixei a torre para trás indo em direção aos estábulos; Samier não estaria lá àquela hora do dia, abençoadas fossem as deusas. Ghenar, o Mestre dos Estábulos, ofereceu-se para selar Vento Prateado para mim, mas eu neguei. Fi-lo sozinha e montei na sela, cavalgando na direção dos portões do palácio. Se ficasse naquele lugar por mais um pouco, sentia que desmoronaria ali mesmo no meio do pátio.

Ao verem que eu me aproximava do portão principal, os guardas ordenaram que eu parasse. Eu o fiz, afastando o lenço do meu cabelo para revelar a eles a minha identidade, e solicitei passagem. Os dois soldados que guardavam o acesso àquela hora se entreolharam com um entendimento mútuo antes que um deles me propusesse com gentileza:

— Talvez seja mais prudente que só deixe o palácio escoltada, Alteza. Terei o maior prazer em comunicar o capitão Byriel a respeito do seu passeio pela cidade, assim ele poderá destacar alguns dos seus melhores homens para lhe acompanhar.

Nysa - A Mensageira de TorandhurOnde histórias criam vida. Descubra agora