Capítulo Quarenta e Dois: A Prisioneira

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ESPEREI PELO JULGAMENTO DE SARGHAN. Esperei pelo seu desprezo e pela sua repulsa. Esperei que me rechaçasse e me visse pela criatura patética que eu fora durante todo esse tempo. Uma criança tola perseguindo o que jamais seria dela.

Em vez disso, Sarghan se levantou e contornou a mesa para se aproximar das janelas abertas. Pelo visto, eu dera a ele muito sobre o que pensar; muito para digerir e para entender. Fiquei onde estava, paralisada pelo medo de ser rejeitada ainda que todo aquele receio se mostrasse infundado e injustificado.

— Como é o seu relacionamento com a sua mãe? — ele me perguntou de repente, quebrando o silêncio.

Suspirei antes de respondê-lo.

— Nunca houve um relacionamento de qualquer tipo entre nós. Mahira me abandonou assim que eu nasci e sempre me garantiu que não se arrependeu dessa decisão em nenhum momento.

— Então por que você se sacrificou por ela, Nysa?

Levantei-me também e me coloquei diante dele, as mãos cuidadosamente entrelaçadas.

— Porque para mim Mahira era uma deusa, Majestade. Ela era tudo o que eu queria alcançar. Tudo o que eu almejava. Ter o amor dela, para mim, significava mais do que qualquer outra coisa. Mais até do que servir as minhas deusas, e nisso eu reconheço o meu sacrilégio.

"Mahira era insensível, cruel e mesquinha. Em mais de uma ocasião fez comentários maldosos a meu respeito e não se importou em como eles feririam os meus sentimentos. Algumas vezes ela tentou emendar o insulto com palavras doces ou manipulações. Eu sabia o que ela era. Sabia o que ela fazia. Mas eu não podia desistir dela. Não conseguia me libertar da minha obsessão por ela. Pelo menos não até que fosse tarde demais.

— E agora você desistiu de vez? — Seu olhar cinzento me estudou por um longo momento, contemplando o meu silêncio ante a sua indagação.

— Consegui me libertar dos grilhões que me aprisionavam à Mahira — respondi-o depois de encontrar as palavras certas. — Mas não fiz isso sozinha. Tive o apoio de pessoas que me amam e que me são muito estimadas em minha terra natal.

Não mencionei que a perda de Cadius foi o grande fator responsável por abrir os meus olhos e me fazer enxergar a verdade que eu neguei por anos a fio. Perder o meu oráculo, a minha segunda alma e a minha consciência havia sido o golpe mais duro do destino até então. Porém, ao mesmo tempo, eu entendia por que as deusas me sujeitaram a essa situação. Era a única forma de me fazer acordar para a realidade.

Quando Sarghan não me respondeu de imediato eu tomei coragem para encará-lo e abordá-lo com a questão que vinha me corroendo desde a noite em que nos reencontramos e ele não me acusou de participar no assassinato do antigo rei:

— Majestade, gostaria de perguntar... — Engoli em seco, temerosa de prosseguir, mas ele me urgiu a ir em frente: — Acredita que tive alguma participação no assassinato do rei Jarghan?

Minha pergunta pareceu desarmá-lo. Vi um lampejo de vulnerabilidade no seu semblante, mas a emoção comprometedora tinha desaparecido antes que eu pudesse confirmar com certeza que ela o tomou.

— Por que decidiu me perguntar isso? — Sarghan me rebateu com outra questão, claramente intrigado pela minha iniciativa.

— Ouvi rumores na cidade — admiti. — Alguns parecem acreditar que causei o assassinato do rei Jarghan.

— Você acha que eu acredito nesses rumores também? — Mais uma pergunta ao invés da resposta que eu anelava.

Abaixei os olhos, embaraçada.

Nysa - A Mensageira de TorandhurOnde histórias criam vida. Descubra agora