Capítulo Três: Ausência e Amargura

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FUI A ÚLTIMA A ACORDAR na manhã seguinte. E apesar de ter dormido um sono pesado e profundo, despertei me sentindo ainda mais cansada e esgotada do que quando tinha ido me deitar. O sol já tinha nascido há algum tempo no horizonte quando me levantei e o céu tinha clareado para um cerúleo perfeito com nenhuma nuvem à vista; tínhamos mais um dia duro de cavalgada através das gargantas rochosas estreitas do desfiladeiro pela frente.

Alguém tinha chutado um punhado de terra sobre a nossa fogueira, apagando-a de forma discreta, mas nem Zyora nem Mahira estavam por perto. Nossas montarias continuavam amarradas onde as tínhamos deixado na noite anterior e tentavam pastar a vegetação escassa que crescia sobre aqueles rochedos, mordiscando-as com notável dificuldade e frustração. Depois de beber um gole de água do meu odre e de quebrar meu jejum com um pedaço de pão e algumas frutas, fui até Vento Prateado e estendi uma mão para acariciar sua crina alva, oferecendo-lhe a metade de um dos damascos que peguei dos nossos suprimentos.

Olhei em derredor, varrendo todo o topo achatado do platô onde tínhamos montado acampamento atrás de um vestígio de presença de minhas companheiras de viagem, e, uma vez que não os encontrei, decidi investigar seus sumiços. Descendo um aclive rochoso e estreito, pouco mais do que uma trilha na verdade, fui encontrá-las lá embaixo. A forma como as encontrei deixou-me bastante... consternada, no mínimo.

Mahira estava sentada sobre as pernas, com o torso dobrado para frente, e com todo o longo cabelo afastado da nuca e jogado sobre o rosto. Já Zyora, posicionada bem atrás dela, fazia um trabalho meticuloso para remover a coleira de prata do seu pescoço com uma adaga flamejante, partindo-a vagarosamente e murmurando palavras antigas no idioma mágico dos deuses para anulá-la por completo.

Detive-me no meio do percurso; não esperava encontrá-las nessa situação e não sabia se deveria interrompê-las. Incerta sobre dar meia-volta ou sobre ir adiante, mordi o lábio e decidi descer até o fim. Nenhuma das duas prestou atenção em mim quando as alcancei: Zyora estava concentrada demais na sua tarefa meticulosa — e perigosa —, e Mahira se contorcia em agonia, afundando as unhas no solo e trincando o maxilar. Eu conhecia essa sensação, a aflição ardente que te consumia até que a coleira que suprimia sua magia fosse definitivamente arrancada do seu pescoço.

Talvez tenha sido por compaixão que me aproximei dela no fim das contas, afastando mais os cabelos da sua nuca para que a adaga de Zyora não os chamuscasse e segurando-os longe do fogo. Zyora ergueu os olhos para mim por um momento, mas logo em seguida voltou a se concentrar na sua missão. Mahira ergueu uma mão e tocou-a na minha, segurando-a com força. Deixei que o fizesse, apertando os meus dedos em busca de conforto, até que Zyora terminasse de retirar a coleira, afastando-me quando o objeto caiu com um estrépito na terra.

Mahira esfregou a pele do seu pescoço com um suspiro de alívio.

— Está feito — Zyora decretou, apanhando a coleira pesada e levando-a até a borda de uma ravina de onde a atirou com um arremesso perfeito do braço.

— Graças às deusas — ela respondeu e logo em seguida se queixou: — Tive que conviver com esse horror por tempo demais. Privar um Mensageiro da sua magia é como privar qualquer pessoa comum do mero ato de respirar.

— Nossa magia nunca foi completamente suprimida — eu acrescentei. — Essas coleiras supressoras não foram feitas para comprimir a magia de um servo dos deuses. Pelo menos a minha magia e a sua nunca foram completamente anuladas.

Mahira se levantou um pouco trôpega e me olhou com uma expressão indecifrável no rosto, seu fôlego estava curto.

— Não tive acesso total à minha magia por anos, Nysa. E a magia sempre foi uma parte essencial de mim, era a minha ligação mais profunda com as deusas. Mas agora que a coleira se foi eu sinto o meu poder fluir por todo o meu corpo outra vez — disse, maravilhada, estendendo um braço e flexionando os dedos longos e elegantes. — Sinto que está retornando aos poucos com a mesma força de outrora.

Nysa - A Mensageira de TorandhurOnde histórias criam vida. Descubra agora