60. Por um bem maior

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Jake cerrou os maxilares com força e ignorou a náusea que lhe tomou conta do equilíbrio pela milésima vez naquele dia interminável. Ele permitiu que a morena vomitasse e se livrasse do mau estar estampado no rosto lívido, sujo de sangue dela e do homem estendido perto deles.

Depois, com gestos mecânicos e apressados, ele limpou-lhe as feridas da pele macerada, atenuou o sabor amargo da boca com o tecido do casaco arruinado e penteou o embaraço de fios escuros que decorava o rosto bonito. Kim acabou por achar o contato demasiado, todas as ações bruscas em simultâneo fizeram a palidez regressar, e ela afastou-lhe as mãos, ainda nauseada:

— Estou bem.

Mas ele não estava.

Jake sentia-se longe de estar bem e não sabia como lidar, uma vez mais, com tudo o que acontecia debaixo do seu nariz e que não conseguia evitar. Kim teria morrido como Aidan e mais uma vez a culpa seria sua, ele simplesmente não conseguiria evitar. O irlandês sabia que devia ter insistido, talvez tê-la obrigado a ficar junto de Rachel quando o seu corpo lhe dera todos os sinais de que não iria conseguir protegê-la. Ele mal se conseguia suster em pé há horas e afastara todas as hipóteses para a cadência que lhe amolecia o corpo e lhe causava impotência, que se adensara depois do jantar.

Quando saíram dos elevadores e ele deixara de ver durante uma fração de tempo que lhe parecera uma eternidade, cedera finalmente e apoiara-se aos ecrãs que captaram a atenção da rapariga. Se não tivesse precisado recobrar as energias para continuar a ter os seus sentidos inatos alerta Kim estaria bem. Se ela nunca tivesse desmaiado exatamente à porta da casa de Rachel e ele não possuísse aquele dever quase heróico e altruísta. Se ele nunca a tivesse conhecido ela estaria bem.

Ele estaria bem.

Se Jake nunca tivesse conhecido Kim não teria de lidar com o que a humanidade escondia naquele sítio nem encarar como missão prioritária proteger com a vida as pessoas que amava, quando era a única coisa que sabia fazer mais uma vez pelo estúpido heroísmo que lhe corria nas veias e o puxava para a morte a cada pulsação.

Quando Kim gritara e ouvira a voz dela como um eco no fundo da sua mente, ele pensara que fosse resultado da febre que o cobria de impotência. Depois percebera que a rapariga não estava por perto e o que sentira de imediato fora uma fúria quase instantânea.

Ele direcionou todas as emoções negativas à rapariga que berrara, mortificada, enquanto correra para ela como um autómato, rogando pragas a si mesmo por se ter deixado aliciar a passar um verão diferente na América. Por amá-la. Pelo verão diferente ter trazido Kim e ter levado Aidan e ele não conseguir trocar um pelo outro. Por ela se colocar em perigo e ele deixar; por ela ter sido criada naquele maldito local e mais ainda por ela ter aterrado nos seus braços e coração sem aviso para então atirá-lo para um relação disfuncional que ele não compreendia, para aquela missão suicida que o fazia sentir-se a pessoa mais inútil que ainda detinha o direito de respirar.

Por amá-la. Por Aidan.

Enquanto ele correra e carregara a arma dera por si a elevar a mente e questionar-se porque pensava em Aidan com tanta angústia, porque lhe doía pensar nele se eles estavam zangados. O loiro quase violara Kim e Jake quisera espancá-lo por isso. Naquele mesmo momento, recordando, ele quisera agredir o amigo de novo até ele não ser capaz de estar com qualquer outra mulher pelo resto da sua vida.

Por amá-la.

Jake questionara-se também sobre os motivos que o levavam a assumir que a amava com tanta veemência. Ele não seria o primeiro homem a confundir amor com luxúria, e então a natureza quase platónica da sua relação com a morena fizera-o crer que talvez não fosse nenhum dos dois sentimentos, apenas o contraste da sua audácia e coragem com a fragilidade e inocência que emanavam da rapariga.

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