48. Nós somos a tua família

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Kim esperara que Jake lhe dissesse o que fazer. Ela esperou por uma justificação para o reboliço instalado na mansão, para o facto de se terem fechado na cozinha quando ele lhe dissera que teriam de ir embora.

Não conseguia perceber as decisões que aquele grupo tomava e foi por isso que decidiu descobrir por si mesma o que levara Jake a responder com tanta violência à rapariga que lhes oferecera um quarto.

A sua curiosidade levou-a a deambular pelo casarão decorado com um requinte que não se lembrava de ter visto noutro lugar. No entanto a morena não conseguia deliciar-se com a decoração cuidada, ela simplesmente queria perceber o que ainda os mantinha naquela casa.

Como se pudesse ser surpreendida a qualquer momento, ela tornou os passos silenciosos quando se aproximou dos vitrais das portas da sala de estar. Estas mantinham-se abertas e ela pôde espreitar, para acalmar a bisbilhotice que a invadia.

Em frente à lareira imponente, que ainda se servia de lenha real para aquecer o cómodo nos dias mais frios, mantinham-se sentadas e amarradas as duas raparigas. Kim não conteve uma exclamação surpresa quando reparou que toda a perfeição que caracterizava as duas gémeas havia desaparecido para dar lugar a duas mulheres desgrenhadas. Finalmente o apocalipse tinha adentrado naquela sala e cumprimentado as duas.

Apesar de tudo, Kim não conseguia observar, passiva, o sofrimento patente nos seus rostos homólogos, pela posição em que se mantinham cativas há longas horas. Talvez eles se tivessem esquecido apenas delas. Será que se esqueceram de si também?

Em conflito com as suas vontades voltou a lembrar-se do rosto enraivecido de Jake enquanto magoava fisicamente uma delas, e percebeu que ele nunca o faria sem um propósito. Ele olhara-a com a mesma intensidade quando a descobrira a injetar-se pela primeira vez e, apesar de todo o seu sangue ter fugido para os pés, ele não a magoara. Ele nem sequer a traíra, expondo o seu pequeno segredo.

Sem se aperceber, acabou por entrar na sala com passos vagarosos, como se temesse algo, e então o choque foi redobrado quando uma das cabeças loiras, que pendiam contra o peito transpirado, murmurou algo, sem a olhar:  

– Eu sabia que vinhas. – April, que se mantinha ao lado da irmã, apenas ergueu o rosto fustigado pelo desconforto, e chicoteou a outra com o olhar. – Eu sabia – continuou Alana, ignorando a sua semelhante.  

– Eu... só vinha ver... – Kim na realidade não sabia o que fazia naquela sala, nem porque sentia uma necessidade tão imediata de se justificar às duas desconhecidas.

– Kim... não é? – tentou Alana e a morena apenas assentiu. – O Jake disse-nos que és como nós, querida.

– Deficiente – murmurou April, com uma tosse falsa que foi abafada pelos cabelos que se colavam ao rosto molhado.

– Como vocês como?

– Tu sabes. – a loira sorriu, revirando os olhos e recostando-se na cadeira. – Por favor, para de fingir. Já podes parar. Eles nunca vão saber. E tu só tens que nos ser leal a nós, está tudo bem. Estás a fazer um excelente trabalho.

Kim recuou um passo quando percebeu que ela se referia ao grupo de pessoas que considerava a sua família. Apesar do que sentia, de todos os seus instintos lhe dizerem para ignorar a voz sedosa da rapariga, ela não deixou de pensar que não tinha memórias suficientes para saber quem era.

Aquele era o seu país. Talvez elas soubessem mais sobre o seu passado, talvez a conhecessem realmente antes de ela ser levada para a sala branca onde lhe fora mostrada o limite da dor.

– Eu... não percebo – balbuciou, confusa com o que sentia. - Eu perdi a memória então não me lembro de vocês - explicou com um sorriso envergonhado, enquanto puxava uma mecha do cabelo comprido para trás da orelha.

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