38. Aidan Nolan

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Jake tinha de reagir. Tinha de começar a pensar finalmente com alguma coerência. Não permitiria que Aidan morresse daquela maneira. Não sabia como conviver com isso para o resto da vida. Caiu de joelhos perto do loiro e rasgou-lhe a t-shirt ensanguentada. Aidan percebeu-lhe o gesto e virou o rosto para ele, enquanto fazia um esforço sobre-humano para tentar respirar.

Numa asfixia crescente, Jake não sabia se lhe deveria desobstruir a traqueia para poder respirar livremente ou se lhe estancava a hemorragia. Com uma rapidez surpreendente, tirou a t-shirt que vestia e pressionou-a contra o peito baleado. Quase em simultâneo tirou-lhe a máscara ensanguentada do rosto para lhe facilitar a respiração e sentiu o pânico invadi-lo novamente.

- Tu não vais morrer, puto. TU NÃO VAIS! - As mãos tremiam-lhe enquanto lhe pressionavam o tecido, depressa ensopado, contra o grave ferimento. A respiração de Aidan saia aos borbotões, misturando-se com o próprio sangue que lhe assomava à boca. Jake tateou o chão à procura de algo afiado que lhe permitisse perfurar a garganta do amigo e o deixasse respirar, mas o loiro impediu-o. Aidan agarrou-lhe o braço com uma força ténue e apertou-lho o mais que pôde.

Jake sentiu as lágrimas de frustração e raiva queimarem-lhe a garganta e engoliu-as com esforço. Levou a mão à do amigo, no pedido de desculpa e de lamento mais sincero do Mundo. Quando deixou de sentir pressão sobre o braço permitiu-se finalmente chorar como não fazia há muitos anos.

As lágrimas fustigaram-lhe a face transpirada, inundaram-lhe os olhos azuis até ele deixar de ver com clareza. No entanto, continuou a pressionar o peito do amigo até os dedos ficarem brancos. Ignorando a dura realidade, iniciou uma massagem cardíaca que provavelmente lhe partiria o externo, mas o que tentava verdadeiramente ignorar era que o coração de Aidan parara para nunca mais bater. Jake não queria perceber isso e continuou, resoluto, até não conter mais os soluços da raiva mal contida. Até esmurrar o peito do amigo e soltar um grito excruciante.

Aidan.

Durante alguns minutos, que pareceram dias sob o calor intenso, Jake entrou num torpor doentio em que visualizava todas as suas ações anteriores e o que deveria ter feito para não ter conduzido o amigo àquele fim. Se ele não tentasse ser o melhor não teria que ceder ao apelo da criança doente e Aidan nunca teria sido ferido pelo pai desgovernado.

Morto.

Ele também pensou em tudo o que vivenciara com o loiro. O que era mais doloroso, para além da culpa que o asfixiava, era perceber que os últimos anos foram feitos essencialmente de Rachel, David e Aidan. Aidan estava presente em todas as suas memórias, nas boas e nas más. Nunca lhe dissera, mas ele era o irmão mais irresponsável e trapalhão que nunca quisera ter. Nunca lhe dissera o que era realmente importante, mas fora capaz de o agredir na noite anterior por causa de Kim. Dissera-lhe coisas de que se arrependera quase de imediato, e foram as últimas coisas que lhe tinha dito.

Inspirando o ar saturado da máscara que o protegia de tudo menos da dor, limpou as lágrimas que lhe escorriam pelo queixo e cerrou o maxilar para não gritar novamente. Depois de vinte anos, aquela não era a despedida certa. E nunca se conformaria. Nunca.

A decisão de sair de perto do corpo de Aidan foi demorada. Ele não soube quando tempo se tinha passado, mas na última vez que tocou no amigo para a despedida possível, o calor já o tinha abandonado. Subjugado por um novo instinto de sobrevivência, que se interpunha à dor e à culpa, arrastou-se para perto do homem que agredira até à inconsciência. Tocou-lhe o pulso e soube que não existia vida naquele corpo. Matara-o. A sua precipitação e raiva levaram-no a matar um ser humano e não conseguia sentir nada em relação a isso.

Ignorando o cenário de morte, pegou na arma que ele disparara e desarmou-a, vasculhou os bolsos dianteiros da camisa do homem, dos calções largos, com uma nova expressão carregada no rosto. Assim que encontrou um telemóvel, debruçou-se sobre a hipótese de ligar ao irmão para o vir ajudar, então pensou em Rachel e os olhos tornaram-se aguados novamente.

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