Finalmente aquele dia trágico tinha chegado ao fim. Kim tinha a certeza que seria a primeira noite em que dormiria profundamente, apesar de tudo o que acontecera. Ela simplesmente não aguentava o ambiente de perda que os envolvia a todos, porque ela não sentia o mesmo. Percebeu que Aidan morrera antes de Jake ter de o explicar a David e Rachel, e apesar de o loiro a ter forçado e tocado de uma forma que ela não queria lembrar, não conseguia ignorar a sua morte. Não o odiava, porque ela não conhecia o sentimento, mas Aidan era bom. Não obstante, não era justo que o rapaz tivesse partido quando era evidente que não o merecia e que deixara três pessoas destroçadas.
Ela encaminhou-se para o quarto que iria partilhar com Rachel sem saber se o deveria fazer. Simplesmente não sabia lidar com os sentimentos da loira, com a dor que a atravessava naquele momento. Bateu à porta e, sem receber resposta, entrou na divisão.
- Estás a dormir? – perguntou timidamente ao observar Rachel deitada sob as cobertas.
- Não, – a voz saiu fraca - podes entrar.
- Desculpa. É só porque tenho sono.
- Está à vontade. Eu vou só à casa de banho e vou dormir também. – Rachel limpou os olhos rasos de lágrimas que ameaçavam cair e levantou-se da cama.
– Rachel – Kim chamou-a e pela primeira vez ousou tocar-lhe no braço. Era a primeira pessoa que tocava conscientemente sem ser Jake e isso refletia o que sentia por ela. Rachel não ia perceber apenas tocando-a, por isso teve necessidade de lho dizer: - Eu sei que não há ninguém que vá substituir o Aidan, mas eu posso ser a tua nova irmã a fingir se tu quiseres. – Kim fez uma pausa para abrir um sorriso doce - Porque eu não sei se tenho alguma, mas se tiver, quero que seja exatamente como tu. E porque não gosto mesmo de te ver chorar.
Rachel também sorriu e então as lágrimas que lhe toldavam a visão fluíram finalmente.
– Oh Kim – a loira reprimiu um soluço e abraçou-a, paralisando-a por momentos. – Se tu ao menos te visses como nós te vimos. – Kim sentiu o coração acelerado martelar-lhe o peito, recordou o homem que a violentara, recordou Aidan que a tocara à força, e percebeu que aquele abraço carinhoso não tinha qualquer comparação. Que as pessoas tinham o poder para lhe fazer todo o mal do mundo, mas podiam escolher o bem e fazê-la sentir-se querida. Querida por alguém. - Adoro-te. – Rachel estreitou-a o máximo que pôde e fungou. - Obrigada. Depois do que o Aidan te fez, obrigada. – Kim piscou diversas vezes e finalmente retribuiu o abraço, conseguindo desfrutá-lo sem medo. Finalmente sem medo.
- Apesar de tudo, eu não queria que ele morresse – balbuciou Kim, contra o ombro da rapariga. - Não queria mesmo.
- Eu também não. – Rachel fechou os olhos e pensou no irmão. Pensou também na irmã que a abraçava com carinho e na bondade que lhe ia no coração. – Eu também não.
Kim não sabia o tempo que permaneceram abraçadas antes de Rachel decidir ir à casa de banho e voltar a deitar-se. Ela só sabia que acabou por adormecer segundos depois de se deitar, vencida pelo cansaço. E só acordou quando percebeu não estar preparada para a violência do pesadelo que lhe assaltou o inconsciente.
Dia 37
Ela não sabia há quanto tempo vagueava por aquela estrada sob o sol intenso de Verão. Desde que conseguira escapar daquela cave assustadora que correra até as pernas doerem, até deixar de conseguir respirar ou abrandar o ritmo do seu coração. Agora caminhava cambaleante sobre o eixo da via, embrenhada em suor e sangue, despida de quaisquer roupas ou dignidade, sem destino. Sentia-se ligeiramente adormecida e forçara a sua cabeça a trancar tudo o que acontecera naquele dia. Não queria lembrar. Não acontecera, fora um sonho. Um sonho mau e só isso. Ela já nem sabia se fora naquele dia, se há uma semana, se querer tinha acontecido. Não tinha.
VOCÊ ESTÁ LENDO
UPRISING
Science FictionNum futuro não muito distante, uma nova estirpe viral ameaça exterminar a espécie humana da Terra. O estado máximo de alerta pandémico obriga ao êxodo das grandes cidades. Em Los Angeles, um grupo de amigos tenta ignorar o pânico geral da população...