30. Eu estou a sangrar!

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Dia 36

Ela não podia ver. Não podia ouvir. Ainda não conseguia sentir. Antes que pudesse viver já alguém conspirava a sua morte.

Ele procurou por ela e não desistiu enquanto não a encontrou. Percorreu o longo corredor com passos vagarosos, sem pressa alguma. Assobiava, descontraído, e anotava mentalmente as anormalidades que vira naquele sector enquanto se encaminhava para outra fila, para analisá-los um por um.

Num pequeno tablet escreveu a letra K e acrescentou algumas notas adicionais. Fora alertado para aquele sector. Há algumas horas que um dos processos fora interrompido antecipadamente. Não era a primeira vez. Sempre que algo de errado acontecia tentavam retomar o processo, porém daquela vez não fora possível. Algo correra mal, não havia volta a dar. Encarregar-se-ia de identificar a falha para que pudesse ser eliminada.

Cantarolava animadamente um clássico dos Queen e ensaiava alguns passos trapalhões de dança enquanto examinava o primeiro.

– Hey, Mike! – Uma voz inoportuna rompera o silêncio. – Tens aí alguém para mim? – perguntou outro homem, conduzindo uma maca metálica repleta de sacos de plástico na direção dele.

– C17, E23, I9 e a K42 – respondeu Michael, confirmando novamente as suas notas. Depois olhou uma última vez para o último examinado e concluiu, sem hesitar: – Podes levar já esta, também.

Não existiam dúvidas quanto a ela. O seu processo fora subitamente interrompido e provocara danos irreparáveis. Já não tinha utilidade alguma.

– Que desperdício. – murmurou o outro ao observar a rapariga que o colega apontara. O tom arroxeado da pele, as pregas, os vincos engelhados, a ausência de pêlos, sinais, cicatrizes revelavam a sua prematuridade. Havia sempre utilidade num ser como aquele. Tinha de haver. – Ajuda aí – pediu o recém-chegado, com um suspiro.

O de bata retirou o cateter do pulso dela e pegou-lhe num braço e numa perna, esperando que o colega fizesse o mesmo depois de abrir o saco para a colocar. Num impulso apenas, levantaram-na do leito húmido e lançaram-na para dentro do saco. 

– Essa ainda vive – informou Michael quando o outro fechou o saco. – Mas não acorda tão cedo, é tranquilo – brincou, antes de enumerar outros tantos deficientes que encontrara.

– Ok. Já cá venho buscar o resto – disse o outro, empurrando a maca já pesada novamente. – Até logo, Big Mike – despediu-se e encaminhou-se para fora do grande armazém.

Dia 81

– RACHEL! Chama o Jake, por favor! – berrou Kim, assustada com a novidade. A loira demorou a responder e ela sentiu o pânico apoderar-se de si.

– O que é que foi?

– Chama-o. Agora – suplicou, olhando para a porta fechada da casa de banho.

– Kim, posso entrar? – perguntou Rachel, batendo à porta. – Estás bem?

– O JAKE! – gritou, levantando-se da sanita para trancar a porta e encostar-se a ela.

– Eles já desceram. Precisas de alguma coisa? – Kim não respondeu e tentou pensar numa solução. Só queria Jake. Precisava dele. Rachel tornou a bater na porta, preocupada pelo silêncio prolongado da jovem. – Kim?

– Eu estou a morrer, Rachel – sussurrou a morena, tomada de uma coragem que não sabia possuir. Abriu a porta e colocou apenas a cabeça de fora para que a outra visse a sua expressão aterrorizada. – O Jake sabe o que fazer. Por favor, chama-o.

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